Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A redenção de Rodrigo Pacheco e o xadrez de Gilberto Kassab
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A vitória de Rodrigo Pacheco na presidência do Senado é uma vitória da política. Vivemos a era em que o debate político, confundido pelos algoritmos das redes sociais, tem se convertido numa fantasia de guerra, como se vivêssemos em um filme da Disney lutando contra vilões de ocasião.
Política é construir pontes. Cancelamento é queimar pontes. São opostos que têm se confundido num mesmo balaio nessa Torre de Babel em que passamos a viver.
Vivemos dias de pessoas dedicadas a demonizar senadores eleitos de forma legítima que tentavam chegar à presidência da casa. Rodrigo Pacheco fez questão de agradecer e homenagear nominalmente seus oponentes, Rogério Marinho e Eduardo Girão.
O novo presidente fez um discurso de união, pela pacificação, citando a necessidade de vencer a polarização tóxica e resolver disputas na lógica democrática. É um terreno em que não cabem o "nós contra eles" e a ideia de um Brasil rachado, apenas a ideia de que somos um só Brasil.
Há uma confusão, às vezes proposital e às vezes não, entre polarização política e polarização tóxica. São dois fenômenos profundamente diferentes, como bem define o V-Dem Institute, entidade da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, dedicada a acompanhar o estado da democracia em todo o mundo.
Polarização política é algo do campo político, o embate de ideias e ideologias que muitas vezes se divide em dois pólos opostos entre si. Polarização tóxica é um fenômeno que corrói o tecido social, inclui o julgamento moral e a desconfiança sobre o caráter de quem não faz parte do próprio grupo político. É um impeditivo do diálogo e, portanto, da democracia.
Rodrigo Pacheco encerrou seu discurso dizendo que a democracia está em pé devido a quem atua por meio do diálogo, não do confronto. A vitória que ele colheu no plenário do Senado é o melhor exemplo disso.
A política tradicional mineira que ele representa se entrelaçou com o xadrez eleitoral de um dos principais articuladores dos bastidores nacionais, Gilberto Kassab, presidente do PSD, partido do novo presidente do Senado.
Entre o lulismo e o bolsonarismo, Kassab fincou o pé nas duas canoas. O partido dele é parte da espinha dorsal do governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, herdeiro direto do bolsonarismo que ganhou o embate contra Fernando Haddad.
Conseguiu fazer isso, no entanto, sem rachar com Lula no âmbito federal. A imagem de Pacheco no lulismo foi beneficiada pela recriação do "nós x eles" por meio das candidaturas de Marinho e Girão.
O atual presidente do Senado foi ungido por estar do lado certo da história. Deixou de ser rotulado como aquele que passou pano para Bolsonaro e até tentou enterrar a CPI da Covid. Passou a ser o símbolo da democracia. Para os mais dramáticos, virou o símbolo da civilização contra a barbárie, imagem que ele rechaçou logo no primeiro discurso.
Estamos diante de um político habilidoso e que não se rendeu ao tom histérico das redes e das paquitas de político. Durante todo o tempo no governo Bolsonaro, ainda que apoiando o presidente, ele sempre se comportou como o adulto na sala. Colheu agora os frutos da redenção a jato.
Nesse barco, Gilberto Kassab pouco a pouco toma o lugar que já foi do PSDB na política nacional. Seu PSD se tornou um gigante, abrigando quadros como Rodrigo Pacheco e boa parte dos tucanos tradicionais de São Paulo. A última aquisição foi Mara Gabrilli.
Lula, que sabe jogar o jogo do pragmatismo, escolheu a opção possível entre as existentes. Aproveitou para apresentar essa opção à militância luloafetiva como "defesa da democracia", expressão que teve seu significado reescrito definitivamente.
Essa política tradicional vitoriosa não é dada aos mesmos arroubos de heroísmo de quem se dedica a xingar desafetos em redes sociais. Também não é muito afeita a fincar o pé por princípios, dança conforme a música de quem está no poder, então ganha um naco dele. De grão em grão, a galinha enche o papo.
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