Barbie feminista é o triunfo do patriarcado capitalista
Se fosse um filme sobre empoderamento feminino, o nome deveria ser Angela Merkel, não Barbie. A boneca, criada à imagem e semelhança de "tudo o que você quer ser" para agradar um homem é, no entanto, muito mais popular. Conseguir fazer com que o ícone do corpo inatingível seja vista como feminista é o triunfo do patriarcado capitalista.
Vi por aí correntes favoráveis e contrárias ao filme, coisa que ocorre sempre que um filme faz sucesso. Hoje há sempre dois movimentos reunindo gente que, acima de tudo, é chata. O primeiro é o que vê a ficção como ameaça. O segundo é o que vê a ficção como doutorado em sociologia. Por mim, poderiam se abraçar e viver para sempre felizes reclamando dos outros.
Eu brinquei de Barbie, amava a boneca. Sou de uma geração em que as mulheres foram ensinadas a tentar conquistar corpos inatingíveis a qualquer custo. Este seria nosso passaporte para um lugar importante na sociedade, aquele aprovado pelos homens.
Basta lembrar o rumoroso caso de bulimia de Lady Di para saber de que clima estamos falando. Uma das mulheres mais poderosas e midiáticas do mundo vomitava o que comia tamanha era a obsessão pelo corpo perfeito. Havia também a multidão de meninas anoréxicas, que simplesmente paravam de comer até virar pele e osso mas ainda assim se viam gordas. Muitas delas desfilavam nas passarelas e estampavam as capas das revistas que nós achávamos mais legais.
Natural que a Barbie fosse a boneca da geração que convivia com isso. O corpo inatingível como medida do sucesso era uma realidade daquela geração, que tratava de ensinar a receita macabra às meninas.
Julgar o corpo da mulher, para bem ou para mal, sem nenhuma solicitação dela ainda é um vício social. Vemos até na política, onde vira um esporte. Características físicas das muheres são escrutinadas e viram piadas e memes. Qualquer coisa que fuja do padrão da Barbie pode virar motivo de perseguição.
Até compreendo que o filme queira suavizar a real história do produto e o real impacto da boneca do corpo inatingível na vida das mulheres. Muitas dizem - e eu concordo - que todas nós tivemos momentos lindos com as nossas Barbies, legítimas ou falsificadas.
A multidão que corre para o filme está mais interessada nas próprias lembranças do que na boneca em si. É algo semelhante ao processo de atração dos filmes de heróis, feitos para os meninos. Projetamos nesses brinquedos nossas fantasias e atrelamos a eles memórias do nosso passado, de quem fomos e das pessoas importantes naquele momento.
A Barbie não foi feita para empoderar mulheres, era só uma boneca de uma geração mais machista que a de hoje. O filme sobre ela não é um tratado de sociologia, é uma ficção chamada Barbie. Querer que esse filme seja feminista é como exigir o mesmo de qualquer filme que explore os clichês sobre a mulher.
Muita gente ficou chocada com as lacradinhas supostamente feministas da Barbie. Na verdade, é um daqueles jabutis que a indústria do cinema coloca em árvore. Soa como se, em um daqueles filmes adultos em que a mulher canta o encanador, ela saísse depois fazendo discurso em defesa do empoderamento. Não dá. É preciso escolher. Ou ficamos com o clichê machista ou com a Angela Merkel.
Todas nós temos amigas bem casadas há milênios, felizes com sua família tradicional conservadora, que buscam a vida de propaganda de margarina mas, aqui e acolá, vêm com esse papinho de empoderamento. A gente deixa porque, convenhamos, essas revolucionárias de salão de beleza animam bastante o nosso dia. Mas isso não é feminismo.
É possível amar o filme da Barbie e odiar, também é possível só diversão sem compromisso, algo saudável e em falta no mercado. O que não dá é para dizer que ele empodera meninas. Genialidade dos homens, no entanto. Se a gente ficar contente com a Barbie feminista, ninguém vai lutar por direitos das mulheres, a lacradinha basta.
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