Violência contra a mulher é exemplo que vem de cima
Todos os indicadores de violência contra a mulher pioraram do ano passado para cá. Os dados são do Anuário Brasileiro da Segurança pública, divulgado hoje. Infelizmente, somos um país que tolera e faz vista grossa para violência contra mulher. É um exemplo que vem de cima e esse rumo precisa ser corrigido.
Se você for perguntar individualmente, será difícil alguém admitir que é favorável a violência contra mulher. Fale em estupro, surras ou perseguição que verá a indignação florescer nos olhos das pessoas. São sentimentos legítimos, não creio que seja fingimento.
O problema surge quando esses sentimentos legítimos são confrontados com as estruturas sociais, com a forma como pensam os poderosos. Ser contra assédio, por exemplo, é absolutamente comum. Mas o que acontece a você caso resolva apoiar publicamente uma vítima de assédio?
Se estivéssemos numa sociedade que considera a mulher um ser humano com dignidade, seu depoimento serviria para ajudar a elucidar o caso. Como não estamos, você sabe que coloca sua vida profissional, reputação e amizades em jogo caso fique publicamente ao lado de uma mulher vítima de violência.
No último dia 10, fiz uma coluna sobre a possibilidade aberrante e indecente de pena em regime semiaberto para estuprador. Só a existência disso mostra o que as autoridades brasileiras pensam de nós, mulheres. Nas redes sociais, houve centenas de comentários defendendo estupradores. Infelizmente, não eram só homens.
Quando a pessoa que faz isso é confrontada, ela diz que defende até pena de morte para estuprador. No entanto, quando uma mulher - eu - diz que estupro precisa ser punido com prisão, surge ali a vontade de defender um estuprador específico. A defesa clássica é a de que o processo não tinha provas suficientes e a condenação foi injusta. A pessoa leu o processo? Não. No caso concreto, era inclusive segredo de Justiça.
Nós temos a distinção racional entre certo e errado. Eu acredito que a maioria de nós tenta fazer o certo. O comportamento humano também é modulado, no entanto, pelo aprendizado social. Tendemos a copiar os comportamentos do grupo quase instintivamente.
Há vários programas de TV com pegadinhas que exploram a característica. Meu preferido é um Candid Camera de 1962 filmado num elevador. Quando a pessoa entra, naturalmente virada para a porta, estão lá quatro atores que se viram para o fundo. É um senhor que tenta resistir, mas pouco a pouco imita os demais. Outras pessoas entram na pegadinha e há um que vira para todos os lados com o grupo e até acompanha o tirar e colocar dos chapéus.
Uma outra pegadinha bem conhecida usando o aprendizado social é das pessoas na sala de espera. Quando toca um sinal, os atores levantam e voltam a sentar. A maioria das pessoas adere ao movimento já no segundo sinal. Não é diferente o comportamento diante da violência contra a mulher.
Cito como um exemplo entre tantos o caso recente de Arthur Lira, divulgado pelo UOL. Qual representante dos Três Poderes abriu a boca para tocar no tema? As pessoas mais poderosas do Brasil - como o presidente, ministros, deputados e senadores - optam pelo mais eloquente silêncio. A população entende claramente a mensagem.
O tensionamento contra as mulheres tem aumentado. A presença no espaço público, cada vez mais consolidada, obviamente gera ressentimentos. Dobrou a competição mas não dobraram as vagas. Muita gente se sente frustrada e isso gera um tensionamento.
O ressentimento virou moeda política. Hoje é possível eleger uma mulher como alvo de um grupo de bullying, desfiar todo o tradicional rosário machista contra ela, desfrutar do prazer perverso de tentar humilhar, incitar ataques físicos e ainda receber palmas. Basta dizer que era luta política. Isso cria a ideia de que a mulher está aí é para ser esculachada. É um comportamento presente em todo espectro ideológico e precisa ser combatido. Aliás, se deixarem de elogiar e incentivar ativamente, já seria um ótimo começo.
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