Kevin Spacey é inocente. Quem paga a conta do cancelamento?
Hoje, o ator Kevin Spacey foi inocentado em Londres de todas as acusações de crimes sexuais que ainda pesavam sobre ele, nove ao todo. Ano passado, foi absolvido em Nova Iorque por outro caso. O Supremo Tribunal da Internet vai pagar a conta do cancelamento, ter a decência de fazer um mea culpa ou vai mesmo bancar o desentendido?
Vivemos uma era extremamente favorável para puxador de tapete e assassino de reputação. São personalidades que caem como uma luva para um fenômeno dantesco da sociedade digital, os sinalizadores de virtude. Juntos, podem destruir qualquer pessoa. Para essas personalidades, oportunismo e prazer valem mais do que a dignidade humana.
O sinalizador de virtude é aquele que compra qualquer boato, capaz de defender narrativas que transformem qualquer pessoa em um demônio. É apontando o quanto o outro é horripilante, nem que seja devido à sua própria imaginação, que essas personalidades se sentem elevadas. Infelizmente, há sempre um grupo que cai nessa. Isso acabou virando um negócio e um método de crescimento de conta de influencers. Também é muito usado na política nacional.
O caso Kevin Spacey é mais um entre os inúmeros necessários para aplacar o apetite diário por uma boa carnificina. Aqui há quem possa argumentar que houve a boa intenção de conter violência sexual porque estávamos no auge do movimento Me Too.
Em 2017, quando ocorreram as denúncias, mulheres estavam finalmente ganhando voz para relatar os abusos que sofreram em Hollywood. Foi a época do escândalo envolvendo Harvey Weinstein, esse sim condenado por diversos abusos sexuais. Depois das primeiras denúncias, muitas mulheres começaram a relatar o que sofreram, no movimento Me Too.
O caso de Kevin Spacey levou a Netflix a mandar ao vinagre uma das melhores séries de todos os tempos, House of Cards. O ator perdeu todos os empregos, mesmo tendo duas estatuetas do Oscar. O diretor Ridley Scott chegou a apagar a imagem dele de um filme que já estava sendo rodado, All The Money in The World.
É possível argumentar que pessoas foram induzidas a erro porque estávamos naquele frenesi do caso Weinstein e logo depois surge o caso Kevin Spacey. Essas pessoas estão aí pela internet se desculpando. Nesses tempos digitais, em que ninguém erra, é possível dizer que jamais alguém pediria desculpas. Já vi vários cidadãos comuns fazendo isso hoje. Dizem que deixaram de ver o ator por raiva, que xingaram sem saber, que gostariam de poder desfazer o que fizeram.
A grande questão é saber qual será a atitude de quem lucrou cancelando o ator. Grandes corporações, atores e diretores de Hollywood, personagens públicos, influencers e afins posaram como heróis à época. Ao cancelar Kevin Spacey, automaticamente ganhavam a fama de lutadores contra a violência sexual.
Não lutaram contra nada e ainda pioraram o cenário para as vítimas. Cada vez que um inocente sofre o que o ator passou, as pessoas têm ainda mais dificuldades de acreditar em vítimas reais.
Falamos aqui de um homem milionário, conhecido no mundo todo, com dinheiro para pagar os melhores advogados e terapeutas. Ainda assim, ele viveu o inferno diante de gente que o acusou falsamente. Você já pensou o que vivem as pessoas canceladas diariamente por influencers no mundo todo? A maioria não tem os recursos do Kevin Spacey.
Será interessante acompanhar se alguém vai pagar a conta desse cancelamento. Pode servir de farol para lidar com os outros, cada vez mais frequentes na era digital.
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