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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Brasil tornará inelegíveis todos seus ex-presidentes?

O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro fala com a imprensa ao deixar o Senado Federal em Brasília em 21 de junho de 2023 - MATEUS BONOMI/ESTADÃO CONTEÚDO
O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro fala com a imprensa ao deixar o Senado Federal em Brasília em 21 de junho de 2023 Imagem: MATEUS BONOMI/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

27/06/2023 13h04

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Mais uma vez estamos diante da declaração de inelegibilidade de um ex-presidente, agora Jair Bolsonaro. Alguns nos atrás, o inelegível era Lula, que em pouco tempo se reabilitou politicamente e foi eleito presidente da República. É hora de perguntar se a Lei da Ficha Limpa realmente nos entrega o que esperamos dela.

Estamos diante de um instrumento jurídico fundado em boas intenções mas que desafia o conceito mais básico de democracia. Cada voto vale um voto porque todos são iguais não apenas em direitos, também em dignidade. A Lei da Ficha Limpa é um instrumento que subverte essa lógica, ainda que com intenções louváveis.

Não é apenas o cidadão que decide livremente em quem ele quer votar ou não. Existe uma elite, no caso institucional, que filtra os candidatos de acordo com um critério moral. Embora seja algo positivo sob o ponto de vista da moral e da virtude, não é a essência democrática em que essas questões são decididas voto a voto.

A Lei da Ficha Limpa nasce de uma mobilização na Igreja Católica com a Campanha da Fraternidade na metade da década de 1990. A sociedade brasileira estava indignada com a corrupção, já que ela começava a ser livremente noticiada porque a ditadura militar havia acabado.

Essa mobillização popular acabou, anos depois, virando um dos poucos projetos de lei de iniciativa popular no Brasil. Capitaneado pelo juiz Márlon Reis, reuniu o apoio formal de 1,6 milhões de brasileiros e o apoio informal de uma multidão.

Não somos um país de tradição democrática nem de espírito democrático, infelizmente. Nossa sociedade civil é pouco organizada e aceitamos com muita facilidade desculpas morais para arroubos autoritários. No caso da Lei da Ficha Limpa foi diferente, aceitamos negar um princípio básico da democracia - o eleitor e apenas ele decide - por meio de uma iniciativa popular.

Há 13 anos a lei está em vigor. Eu, que fui favorável a ela na época da coleta de assinaturas, confesso que estou frustrada. Esperávamos que a legislação fosse um remédio eficaz contra a corrupção no Brasil. Foi efetiva? Diminuiu a corrupção no país? Não.

"A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune toma nas mão de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.", disse Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição de 1988. Foi citado no julgamento apertado do STF que, por 7 x 4 declarou constitucional a Lei da Ficha Limpa.

Lula foi preso e se tornou inelegível por um esquema de corrupção que existiu, como provam os milhões de dólares devolvidos por réus aos cofres públicos. Mesmo entre os simpatizantes do presidente que admitem a corrupção existe a dúvida do remédio dado ao caso. Impedir que as pessoas votassem em Lula em 2018 melhorou ou piorou a política nacional?

Qualquer que seja a sua resposta, é válida também para Jair Bolsonaro. Ele será julgado hoje e provavelmente se tornará inelegível. Não será por corrupção, mas por usar as instituições da democracia para tentar corromper a democracia. A política nacional ficará mais limpa e democrática a partir dessa decisão? Criaremos um novo mártir? Só o tempo dirá.

O relator da Lei da Ficha Limpa foi o ex-ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo. Ele fez um alerta à época sobre a lei: "Tem vários problemas técnicos, é obscura em certas passagens e, infelizmente, alguns aspectos não foram corrigidos pelo Congresso. Esse ativismo judicial me preocupa profundamente porque sou a favor do princípio da presunção da inocência".

Como a política e a sociedade não conseguiram resolver nossa mania de idolatrar corrupto, criamos uma lei. Ela também não conseguiu resolver o problema. Está servindo agora para resolver outros problemas que não conseguimos resolver com a política ou ação social.