Natália Portinari

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Reportagem

Com calamidade, empresas condenadas pelo TCU obtêm contratos no RS

Nas últimas duas semanas, o governo Lula contratou como consultoras nas obras de recuperação das rodovias do Rio Grande do Sul empresas que já foram condenadas por superfaturamento e fraude.

A Magna Engenharia Ltda, a STE Serviços de Engenharia SA e a Ecoplan, condenadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em diversos processos, receberam autorizações para pagamentos de R$ 41 milhões por serviços nas rodovias.

Após a aprovação no Congresso Nacional da flexibilização das regras de licitações diante do estado de calamidade pública, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) fechou contratos emergenciais, sem licitação, com empresas gaúchas.

Segundo o DNIT, essas são as firmas que tinham condições de realizar os serviços necessários imediatamente, por terem escritório no Rio Grande do Sul, com equipes e equipamentos já mobilizados no estado.

A Magna, a STE e a Ecoplan trabalham com consultoria, supervisão e fiscalização de obras. Outra fornecedora foi contratada para a execução dos reparos, que é um serviço separado.

Ao todo, foram liberados R$ 98 milhões em empenhos (autorizações para pagamentos) para seis contratos emergenciais do Ministério dos Transportes até agora.

Histórico das empresas

A STE Serviços de Engenharia tem entre seus sócios Athos Roberto Albernaz Cordeiro, empresário preso pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro em 2018, acusado de atuar como doleiro com seus irmãos para facilitar lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

A ação contra eles, baseada na delação de doleiros que confessaram operar para o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, foi encerrada por falta de provas em 2023.

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Ecoplan, STE Magna Engenharia têm histórico de trabalharem em conjunto — mais de uma vez, dividiram os objetos de uma mesma licitação — e de enfrentarem processos juntas na Justiça e nos órgãos de controle.

Em 2019, a STE foi condenada pelo TCU a ressarcir R$ 49,5 milhões à União por superfaturamento nas obras da Ferrovia Norte-Sul.

A empresa também participou de um consórcio com a Magna Engenharia para construir a barragem do arroio Taquarembó, obra próxima da fronteira do Uruguai que começou em 2007, outro caso punido pelo TCU. Dessa vez, por fraude à licitação.

O TCU responsabilizou a Magna por ter tido acesso privilegiado aos documentos da concorrência, inclusive ajudando a confeccioná-los, mas descartou a responsabilidade da STE.

Em 2023, a Corte proibiu a Magna de contratar com a administração pública pelos próximos cinco anos devido ao ocorrido nesta licitação. A punição está temporariamente suspensa após a Magna entrar com um recurso, que está em análise no TCU.

A Magna também foi punida recentemente pela CGE-MT (Controladoria-Geral do Estado de Mato Grosso) a pagar uma multa de R$ 96 milhões por fraude à licitação do VLT Cuiabá - Várzea Grande, na qual ela era parte do consórcio contratado para a obra.

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Já a Ecoplan foi condenada mais de uma vez no TCU por superfaturamento de obras em que foi contratada para supervisionar, além de ter sido responsabilizada pelo DNIT a pagar uma multa de R$ 220 mil, em 2012, por ter provocado dano ao erário em um contrato.

Na Ferrovia Norte-Sul, a Ecoplan foi a supervisora das obras. A empresa e seus integrantes foram processados na Justiça e depois absolvidos, como os das outras empreiteiras.

O que diz o DNIT

Fabrício de Oliveira Galvão, diretor geral do DNIT, disse ao UOL que as empresas contratadas foram as únicas aptas a realizar o serviço necessário em tempo hábil.

"A gente chegou a consultar outras empresas, só que a gente tinha muita dificuldade de mobilização. Essas aí, Magna, Ecoplan e STE, já têm escritórios no Rio Grande do Sul. Já têm equipes por lá trabalhando, mobilizadas. Têm equipamentos de topografia, equipamentos de laboratório que podem dar esse apoio pra gente nas sondagens, na questão de investigação de solo, estabilidade dos taludes, das encostas."

"Essas empresas têm uma estrutura mobilizada. As outras empresas alegavam que não estavam conseguindo, por exemplo, alugar uma casa. Ir para o Rio Grande do Sul, que está sem aeroporto, com dificuldade de passagem, de mandar equipe. A gente não tem, na situação atual do Rio Grande do Sul, tempo para esperar que uma empresa consiga criar uma situação de mobilização, que é o tradicional que a gente tem nas nossas obras do DNIT."

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"Essa situação é totalmente atípica. As únicas empresas que se declararam aptas e prontas para dar essa resposta eram essas empresas que já atuam no estado", afirmou Galvão.

Segundo ele, para a segunda etapa dos trabalhos, de reconstrução das estruturas viárias do estado, a expectativa é de que concorrentes de fora do estado já terão condições de trabalhar lá e poderão participar.

"Nesse momento, nenhuma tinha condição de atender com a velocidade que a gente precisa. Mas num segundo momento, sim, acredito que algumas empresas já vão conseguir se mobilizar, vir de Santa Catarina, Paraná."

Convite restrito

Para cada dispensa de licitação, o DNIT é obrigado a fazer cotações com pelo menos três empresas e escolher o melhor valor oferecido pelos serviços.

No caso do contrato com a STE, foram convidadas a STE, a Magna, a Ecoplan Engenharia e a Enecon Engenharia. Todas ofereceram valores em torno de R$ 24 milhões para prestar o serviço, exceto pela STE, que enviou um orçamento de R$ 23 milhões.

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As empresas são velhas conhecidas: nos últimos anos, pelo menos três delas disputaram entre si 41 licitações no âmbito do DNIT, que totalizaram R$ 365,2 milhões, de acordo com levantamento feito pelo UOL. Outras empresas também participaram das disputas.

Em 2012, as quatro disputaram com outras 10 empresas e levaram os contratos de supervisão das obras de duplicação de trechos da BR-116 que estão no Rio Grande do Sul.

Desde então, os contratos de Magna, Enecon e STE vêm recebendo aditivos ano a ano, até os dias atuais. O trabalho que tinha previsão inicial de custar R$ 26 milhões já custou, até este ano, R$ 96,1 milhões.

A reportagem questionou o DNIT sobre qual foi o critério para convidar essas empresas e não outras, já que há 71 empresas com contratos vigentes com o DNIT no Rio Grande do Sul.

O órgão disse que "são pré-selecionadas empresas que possuem vasto conhecimento e experiência, com diversos contratos de projetos, supervisão e gestões ambientais junto ao DNIT nacionalmente, e com outros órgãos rodoviários estaduais também. As empresas atuam no ramo rodoviário há mais de 40 anos e conhecem toda a malha rodoviária do RS".

"Importante destacar ainda que as quatro empresas convidadas têm plena mobilização, já que as suas sedes são no Rio Grande do Sul", acrescentou o órgão ao UOL.

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Obras no Rio Grande do Sul

Após as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no final de abril, ao menos sete rodovias federais foram danificadas, segundo o DNIT. As obras para reparos envolvem manutenção, em alguns casos, ou reconstruir algumas estruturas, como pontes e viadutos.

Os contratos com as empresas são para "serviços técnicos especializados de assessoramento e engenharia consultiva", segundo publicação no Diário Oficial da União. A Magna foi contratada por R$ 30 milhões, a Ecoplan, por R$ 19 milhões e a STE, por R$ 23,6 milhões.

Ao UOL, a Magna Engenharia afirmou que foi contratada pelo DNIT para "a elaboração de planos de trabalho, anteprojetos/projetos de engenharia para obras e serviços emergenciais referentes à recomposição, estabilização e contenção, bem como restabelecimento do tráfego nas rodovias, drenagem, condições ambientais, condições do pavimento e serviços complementares de forma a garantir a devida e segura trafegabilidade".

Desmoronamento em Minas

Em 2022, a Enecon, a quarta empresa convidada pelo DNIT para consultoria nas obras no Rio Grande do Sul, foi condenada pelo TCU a pagar uma multa de R$ 800 mil — depois reajustada para R$ 446 mil — por falhas em uma obra em Minas Gerais.

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A Enecon foi contratada como projetista e supervisora da obra no viaduto Márcio Rocha Martins, em trecho da BR-040 que passa por Ouro Preto (MG).

Em 2009, houve um desabamento. O Ministério Público Federal constatou que o acidente ocorreu devido à má qualidade da obra, e o TCU averiguou que houve superfaturamento.

O TCU também constatou em 2015 que, na duplicação da rodovia BR-392 no Rio Grande do Sul, supervisionada pela Enecon, houve um dano ao erário de R$ 21,3 milhões devido a um superfaturamento. O relatório, porém, foi inconclusivo sobre o grau de responsabilidade de cada empresa envolvida sobre as irregularidades que foram encontradas.

A Enecon, ao contrário das empresas citadas acima, não assinou nenhum contrato emergencial no Rio Grande do Sul até esta segunda-feira (27).

Ações na Justiça

Além das condenações que já sofreram no passado, Magna, Ecoplan e STE e seus sócios respondem a outros processos na Justiça.

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A Magna responde a uma acusação de improbidade administrativa por uma obra no Tocantins, na barragem do rio Arraias, onde houve uma série de problemas. Segundo o MPF, houve erros propositais nos projetos, gerando valores aditivos desnecessários no contrato.

Ao fim da investigação, em 2009, o TCU encontrou "jogo de planilha, sobrepreço e superfaturamento". O MPF aponta um desvio de mais de R$ 15 milhões em recursos públicos e um prejuízo para a União de R$ 40,9 milhões (em valores de 2007, sem correção).

Em 2022, a Justiça considerou que houve a prescrição (perda do prazo para a punição) dos fatos descritos na ação, mas a AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu da decisão.

Em 2019, o MPF denunciou os donos da Magna por associação criminosa e lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, os envolvidos ajudaram o secretário de governo de Canoas (RS) a ocultar bens financiados com dinheiro desviado de programas do município.

O Judiciário entendeu que o MP não foi capaz de provar a ocorrência do crime antecedente ao crime de lavagem, e, por isso, os empresários foram absolvidos. Uma representante da Magna, porém, foi condenada a quatro anos de prisão por ter emprestado uma conta bancária para a operação de lavagem de dinheiro em favor do político.

A Valec, antiga estatal, hoje incorporada à Infra S.A., está cobrando a Ecoplan pela multa que recebeu do TCU devido às irregularidades encontradas na obra da ferrovia Norte-Sul.

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A Ecoplan, Enecon, STE e seus representantes legais foram procurados pela reportagem, mas não responderam até a data desta publicação.

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