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Reinaldo Azevedo

A matemática troncha do general. Ou como uma virtude vira vício e fumaça

General Augusto Heleno poderia, a esta altura, estar ensinado prudência a Bolsonaro, mas acontece o contrário - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
General Augusto Heleno poderia, a esta altura, estar ensinado prudência a Bolsonaro, mas acontece o contrário Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

22/09/2020 07h40

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O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete da Segurança Institucional, já foi comandante militar da Amazônia. Em tese, ao menos, poderia fornecer ao presidente Jair Bolsonaro dados mais precisos sobre a região. Seria, caso tivesse atualizado seu discurso, uma voz importante na preservação do meio ambiente, filtro por onde passa hoje boa parte do dinheiro que circula no planeta. Mas, infelizmente, pertence a uma geração de militares que caiu vítima de teses conspiratórias segundo as quais o movimento ambientalista é apenas uma face atualizada de uma grande conspiração para que um "Ente", seja ele o que ou quem for, domine o mundo.

A extrema direita à moda Olavo de Carvalho, que nada tem de original — há congêneres mundo afora — jura que tal ente ainda é o velho comunismo, mas vestindo uma roupagem moderna. Quem prefere a vertente religiosa, substitui o comunismo pelo satanismo. Em qualquer caso, o preservacionismo é a expressão do mal. E há ainda a ala que se quer "pragmática": resume os embates nesse campo a uma disputa meramente comercial.

Sim, há aspectos tão verossímeis como falsos em algumas dessas teses. É verdade que o ambientalismo passou a ser um dos nichos da militância de esquerda contemporânea. O que os velhos comunistas têm a ver com o meio ambiente? Nada! Regimes oficialmente socialistas devastaram a natureza sem piedade.

Ocorre que as esquerdas de hoje guardam poucos vínculos com aquelas d'antanho. O marxismo é nestes tempos assunto acadêmico. O ambientalismo, em muitos países, é uma pauta considerada de esquerda porque enfrenta o statu quo econômico. Trata-se de expressão do "coletivismo" apenas na medida em que se considera o planeta uma casa e uma causa comum. Nada mais.

Não custa lembrar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA pediu, em 2011, a suspensão da construção de Belo Monte. A então presidente Dilma ficou tão furiosa que resolveu suspender, então, o repasse anual do país à entidade — US$ 800 mil. Houve depois um recuo. E tudo ficou por isso mesmo. O país conseguiu convencer a corte de que a usina respeitava o meio ambiente e os direitos humanos. Cito o caso para lembrar que os embates mundo afora envolvendo questões ambientais não levam em conta a coloração ideológica de quem está no poder.

Heleno esteve no STF nesta segunda para falar na audiência pública sobre meio ambiente. Preferiu a conspiração aos fatos e maltratou a matemática. O general tentou demonstrar, contra os números, que o governo faz o possível na área e afirmou que as críticas reúnem tanto os maus brasileiros, que teriam especial prazer em falar mal do país, como entidades e personalidades empenhadas em derrubar o governo Bolsonaro.

Trata-se de uma bobajada sem fim. O caso de Belo Monte, com a recomendação da Corte Interamericana e a dura reação da então presidente Dilma, falseia por si o raciocínio do general. Mais: ele tentou aplicar um truque. Afirmou:
"A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do planeta, hoje tem apenas 0,1%. A Ásia detinha quase um quarto das florestas do mundo, 23,6%. Agora possui 5,5% e segue desmatando. No sentido inverso, a América do Sul, que detinha 18,2% das florestas, agora possui 41,4%."

Para quem não sabe nem rudimentos de matemática, parece que a América do Sul aumentou suas florestas, não é mesmo? O que houve foi um aumento relativo apenas, ainda que a devastação seja grande. De fato, à medida que a destruição das florestas naturais nas outras regiões foi imensa, aumentou o que América do Sul detém do que restou.

Que importância isso tem? O Brasil já deixa hoje de receber investimentos em razão da questão ambiental. O fato de o país ter uma das maiores coberturas vegetais do mundo em números absolutos e relativos era, até a chegada de Bolsonaro ao poder, um ativo. Isso ajudava o Brasil nos fóruns multilaterais e, de fato, fazia do país um exemplo.

Bolsonaro transformou esse ativo num fardo. Ele viu nessa cobertura vegetal uma espécie de lenha a ser queimada para garantir, digamos assim, seu modelo econômico. Um modelo que confunde capitalismo com pistolagem ambiental e pistolagem ambiental com empreendedorismo, gerando, então, a livre iniciativa do caos e da devastação.

Insista-se: o Brasil já perde dinheiro hoje com essa desordem. E tende a perder muito mais.