Reinaldo Azevedo

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Opinião

Entrevista de Lira esfria ansiedade da catástrofe do colunismo reacionário

Não! Jair Bolsonaro não será preso amanhã. Lendo algumas colunas neste fim de semana, cheguei à conclusão de que existiria outro fato iminente: a crise irreversível do governo. Se não fizer besteira antes — e não há como garantir — o biltre será preso só depois do trânsito em julgado. Demora um pouco. Já a derrocada de Lula parece ser uma fantasia da ansiedade da catástrofe. Nem bons médicos podem amansar. Vamos ver.

Arthur Lira (PP-AL), que preside a Câmara, concedeu uma entrevista à Folha, e a gente conclui que tudo segue, digamos, normal, dado o tipo de "normalidade" hoje no Brasil, em que o Congresso, especialmente a Câmara, divide o comando do país com o Executivo. Insisto: o semipresidencialismo (ou semiparlamentarismo) já está em curso. Com uma deformação: Câmara e Senado não respondem pelo resultado com o mesmo peso que recai sobre os ombros do ocupante do Palácio do Planalto. É preciso formalizar a mudança de regime, que já aconteceu. Mas isso fica para outra hora. Voltemos.

Ele chegou a uma conclusão óbvia. Afinal de contas, o PP levou o Ministério dos Esportes, com André Fufuca, e o Republicanos, o de Portos e Aeroportos, com Sílvio Costa Filho. São ou não são da base? Vamos ler o que disse:
"Há uma aproximação de partidos de centro que não faziam parte da base do governo para essa adesão. É claro que, quando um partido indica um ministro que era líder de um partido na Câmara [está falando de Fufuca], a tendência natural é que esse partido passe a ser base de apoio ao governo na Câmara dos Deputados, como o Republicanos, como outros partidos".

Observem o tom. Parece satisfeito e volta a falar como um garantidor de votos. Isso quer dizer que, na Câmara, tem-se um potencial de 340 a 350, com defecções que já existiam na formação anterior do Ministério, em legendas como MDB, PSD e União Brasil. Até as de esquerda já contaram com alguns rebelados.

EMENDAS
Lira evidencia que o segredo do poder é a eterna vigilância. Mais uma vez, sugere não ser um admirador do tal presidencialismo de coalizão:
"Eu sempre combati isso. Mas essa é a maneira escolhida pelo governo que foi eleito democraticamente. O presidente Lula escolheu essa maneira de formar sua base, trazendo os partidos para ocupar espaço na Esplanada dos Ministérios".

Bem, mas, se não fosse esse o modo, seria qual? Aquele que vigorou, por exemplo, nos quatro anos do desastre bolsonariano? O sistema de compra de apoio por intermédio das emendas do relator? E aqui é preciso atentar para a sua falta de sutileza, que, por sua vez, cobra de nós, os analistas, alguma sutileza na leitura da realidade. Quer as emendas de volta, ainda que não tenha a rubrica "do relator":
"Penso que nós temos que evoluir, seja com emendas de bancada obrigatórias, emendas de comissão obrigatórias, ou as individuais para que a política pública siga para o que ela se destina. Eu sempre defendi emenda parlamentar e continuarei defendendo, porque ninguém conhece mais o Brasil do que o parlamentar."

Sim, vocês entenderam: quer retomar o controle que já teve do Orçamento, ainda que não com o poder quase monocrático que chegou a ter sobre elas. E, em momentos assim, é visto por seus pares por aquilo que efetivamente também é: uma espécie de representante sindical dos 513, quem sabe dos 594. E que sutileza de interpretação isso cobra de nós?

Para o ainda superpoderoso, o modelo anterior na relação Executivo-Legislativo era o melhor. Com uma penca de partidos representados na Esplanada dos Ministérios — a volta, pois, do "presidencialismo de coalizão" (ainda que fragilizado) —, ele se vê na contingência de dividir o poder com o atual mandatário.

"Mas, Reinaldo, o que você acha disso?" Bem, eu penso que o desejável era que Lula tivesse sido eleito com uma sólida maioria progressista, para levar adiante suas propostas. Mas notem ali o "ERA": é pretérito imperfeito. O ideal foi interrompido pelo fato: essa é a formação congressual mais conservadora (na média) e mais reacionária (no extremo) desde a redemocratização. Fôssemos fazer a leitura adequada a cada tempo histórico, disputaria a condição de a pior da República.

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É preciso construir a maioria ampliando a presença de partidos no ministério. Uma gestão entre iguais, constituída só de progressistas, seria tragada por um Congresso hostil, que lhe imporia sucessivas derrotas. Aí, sim, estaria à beira do abismo, como vaticinam os e as colunistas lá do primeiro parágrafo.

NÃO ACABOU
Na entrevista, o deputado deixa claro que a negociação com o Centrão envolve a colonização de outros territórios:
"O acordo foi mais amplo, envolve outros partidos, envolve outras composições, tem parte do PL que quer fazer parte e já vota com o governo".

O Republicanos ainda tem de ocupar cargos na Funasa (Fundação Nacional de Saúde), que foi recriada, e o deputado admite que partidos, incluindo o seu PP, terão vice-presidências na Caixa Econômica Federal -- cuidará pessoalmente do assunto --, mas sem lambança, adverte:
"Ali as coisas têm que ser tratadas com muita transparência e vão ser tratadas com muita clareza. E vão ter, claro, indicações políticas que não serão criminalizadas por isso. A turma terá responsabilidade. A exoneração é o primeiro convite para quem não andar corretamente".

O FUTURO
O homem acena também com a possibilidade de aprovação da taxação das "offshores" e dos fundos exclusivos -- aqueles dos chamados "super-ricos":
"O acordo que foi feito com o governo -- depois da não votação da Medida Provisória e do reenvio da nova medida provisória de 'onshore', com o novo projeto de 'offshore' -- é que haverá, a princípio, taxação cambial e variação cambial. Haverá uma tributação de 15% a 22%, a depender do tempo das aplicações dos fundos. Prazo de investimento mais curto, mais imposto, mais longo, menos imposto."

E a tal base, afinal, quer dizer o quê? Vem um enigma:
"Estamos tratando de base de apoio. Não estamos tratando de outros tipos de projetos [políticos], por enquanto. Não quer dizer que [isso] não possa avançar, mas, por enquanto, nós estamos falando de apoio político no Congresso."

A exemplo deste escriba, vocês acabaram de pensar: "Ué, mas que outro tipo de projetos políticos poderia haver além da sustentação no Congresso, o que implica aprovar projetos e emendas?..."

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Eu me perguntei aqui: será que já estão espichando os olhos lá para 2026? Convenham: a extrema direita, para a qual pisca Ciro Nogueira, que divide o comando do PP com o entrevistado, parece andar bem atrapalhada, não é mesmo?

ENCERRO
Há tempos Lira não concedia uma entrevista tão tranquila. Sinal de que, por ora, a coisa vai bem e de que até se conforma em dividir o poder com o Lula, especialmente porque este sobra também com o ônus, enquanto ele fica só com o bônus. Mas é claro que, com base suficiente e tendo como dialogar com os partidos, o presidente governa, no que lhe é dado fazer, com mais tranquilidade.

O conjunto concorre para acalmar o país. Não necessariamente os colunistas neuróticos e as colunistas nervosas. E nem adianta tomar aquelas gotinhas mágicas. Inexiste antídoto para a ansiedade da catástrofe porque esta é puramente ideológica. Nem os fatos servem de remédio. Por isso escreveu Machado: "Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho". Vale dizer: a ideia fixa embaça a visão mais do que um cisco.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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