Reinaldo Azevedo

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Opinião

Só Ucrânia separa Lula e Biden; e "risco Zelenski" na conversa desta quarta

Lula se encontra com Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, nesta quarta. E com Volodimir Zelenski, dirigente da Ucrânia, que também discursou, com sua fantasia verde-oliva à moda "milico em guerra, em roupa de domingo". Não entusiasmou. Volto a ele daqui a pouco.

Exceção feita à guerra mais momentosa, Washington e Brasília se entenderam em tudo. O americano fez a defesa -- retórica ao menos, mas é um avanço -- da reforma do Conselho de Segurança da ONU, reivindicação já histórica do Brasi:
"Precisamos romper o impasse que frequentemente impede o progresso e o consenso no conselho. Precisamos de mais vozes, mais perspectivas na mesa. Apoiamos a ideia de que outras nações se proponham a liderar de formas inovadoras e busquem novas soluções para problemas difíceis";

Também o secretário-geral, Antônio Guterres, foi enfático na necessidade de mudança:
"O mundo mudou. Nossas instituições, não. Não poderemos abordar os problemas de forma eficaz se as instituições não refletirem o mundo como ele é. Do contrário, em vez de resolver os problemas, elas correm o risco de se tornar parte deles."

Estamos diante, é inequívoco, de um tento da nossa diplomacia e do presidente em particular. Mas há uma divergência importante: a guerra entre Ucrânia e Rússia. E prestem atenção: ainda que Zelenski esteja em visível baixa mundo afora, não há como Lula não sofrer algum revés no noticiário nesta quarta. O outro, que disse coisas um tanto confusas e ambíguas sobre armas nucleares na ONU, ainda é tomado por aqui como a pomba da paz. O fato de Vladimir Putin ser um bandido não muda a natureza do seu adversário. Adiante.

O mandatário brasileiro falou, sim, contra a guerra, também a da Ucrânia, que está longe de ser a única:
"Não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz. Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras. A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós. Construí-la requer persistência e vigilância. É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças. Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino. A este caso se somam a persistência da crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão. Na Guatemala, há o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas. A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações. Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento."

Zelenski não aplaudiu. Em momento nenhum. Ser, hoje, criança na Ucrânia é certamente um risco. Mas muitos país do Iêmen, onde realmente há massacre de infantes, prefeririam ter seus filhos no país europeu. Isso não minimiza nem a guerra nem o sofrimento de ninguém. Tampouco livra Putin da condição de agressor. Mas, é fato, se aqueles que combatem não tomarem a decisão de sentar para conversar, então o único desfecho é a derrota de um dos lados. "Ah, você diria isso sobre a Alemanha nazista e seus aliados?" A comparação é um despropósito hiperbólico sem nenhum amparo na realidade.

Biden reiterou seu compromisso com a Ucrânia e sustentou que cabe à Rússia pôr fim à guerra. Sabemos sob quais condições EUA, parte da Europa e a Ucrânia exigem que isso se dê: com a devolução da Criméia e do Leste ocupado. Se a segunda reivindicação é, digamos, medianamente impossível, a primeira o é absolutamente. Não vai acontecer nem que Putin seja deposto por um golpe de Estado ou morra de morte natural — coisa rara entre dirigentes e magnatas russos; em regra, "são pulados" de janelas... A recepção relativamente fria a Zelenski parece indicar um certo cansaço de parte considerável do mundo. O preço dessa guerra é gigantesco.

O presidente da Ucrânia não deixou espaço para nada que não seja a rendição da Rússia, num discurso, ademais, um tanto atrapalhado. Afirmou que o mundo estaria em perigo se Putin vencesse — e qualquer adulto sabe que isso é só um exagero retórico — e se enrolou um tanto ao falar sobre armas nucleares. Especulou que a Rússia, identificada por ele como "o mal", e não a Ucrania — que foi desnuclearizada com o fim da União Soviética —, deveria ter sido proibida de tê-las.

Só um milagre da conversão pode fazer com que o encontro entre Lula e Zelenski resulte em alguma convergência. O governo do Brasil, a exemplo dos de China e Índia, respectivamente, não vai aderir aos esforços de guerra de EUA e Europa. Essa conversa de que, assim, o Brasil estaria igualando moralmente o presidente da Rússia e o da Ucrânia é só antilulismo barato dos "falcões" da guerra por aqui — os chamados "carcarás".

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Aliás, corretamente, o brasileiro falou contra as sanções, que acabam prejudicando os mais pobres sem tocar no interesse dos verdadeiramente poderosos. Vamos ver o resultado da conversa com Biden, que pode ser muito proveitosa, e com Zelenski, que já será boa se não for um desastre. O ucraniano foi à ONU conclamar o mundo a um tudo ou nada contra a Rússia. E isso não vai acontecer. Ou se conversa, ou se tem mais uma guerra em moto-perpétuo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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