Reinaldo Azevedo

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Opinião

Gonet e 3 ações contra o 'Mito' no TSE. Mais: não há liberdade para o golpe

Está gerando mais calor do que luz a informação de que Paulo Gonet, apontado como um pré-candidato à Procuradoria-Geral da República, avaliou a improcedência de três Aijes (Ações de Investigação Eleitoral) contra Jair Bolsonaro que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral. Uma representação é do PDT; outra, da Coligação Brasil da Esperança, e uma terceira, do PCdoB e PV. Brasília é uma Disneylândia dos lobbies, como costuma acontecer nos centros de decisão política mundo afora. Com alguma ironia, digo que não sei se a magnificação da opinião do agora vice-procurador-geral-eleitoral tenta ser campanha contra a sua indicação ou a favor dela. Vamos ver.

A coligação e os partidos acusam o "Mito de Si Mesmo" de ter incorrido em abuso de poder político ao usar os Palácios da Alvorada e do Planalto para transmitir as suas lives semanais ou para encontros com políticos e artistas que depois anunciavam apoio à sua candidatura. As "Aijes" são ações que, em caso de condenação, resultam na perda de mandato (para quem o tem) e em inelegibilidade e podem ter como desdobramento, no foro adequado, até a abertura de uma ação penal.

REUNIÃO COM EMBAIXADORES
Cumpre lembrar: no caso da reunião promovida pelo ex-presidente no mesmo Alvorada, em 18 de julho do ano passado, para anunciar supostas evidências de fraudes em eleições anteriores e a insegurança do sistema de votação no Brasil, Gonet foi muito duro.

Pediu a condenação do aloprado por abuso de poder público, acusando-o de transformar o evento em "ato eleitoreiro" para difundir "desconfiança e descrédito" sobre o processo eleitoral. Apontou que "o evento foi deformado em instrumento de manobra eleitoreira, traduzindo o desvio de finalidade".

Destacou que foram divulgadas informações falsas sobre as eleições por meio de transmissão ao vivo do evento nas redes sociais e pela TV Brasil e resumiu: "A reunião foi arregimentada para que a comunidade internacional e os cidadãos brasileiros, por meio da divulgação pela televisão e internet, fossem expostos a alegações inverídicas para afetar a confiança no sistema de votação".

Trata-se de abuso de poder político, convenham, evidente e consumado. Para reunir dezenas de embaixadores em prédio público, a máquina foi amplamente utilizada, além do sistema estatal de TV. O chefe da zorra toda foi condenado e tornado inelegível por cinco votos a dois.

E DESTA VEZ?
Desta feita, embora reconheça o uso indevido dos prédios públicos -- e me parece que se tem aí um caso de improbidade --, o vice-procurador-geral eleitoral afirma que "a localização da sede de onde a live partiu não se mostrou de notória evidência para os espectadores durante a apresentação feita pelo candidato à reeleição".

Num trecho particularmente sutil, alude à Biblioteca do Alvorada deste modo: "Tampouco houve exploração, na matéria produzida, do fato de a live ter sido filmada no palácio. Não se mostra, menos ainda, razoável supor que o público da live tenha sido fortemente impactado pelo fato de haver uma estante às costas do Presidente da República". É... Eu também diria que livros não são o tipo de artefato pelo qual o bolsonarismo tem particular apreço...

No que respeita à presença dos artistas, sustenta que os impetrantes não fizeram o "adequado esclarecimento sobre se os encontros foram exclusivamente realizados com finalidade eleitoral, nem sobre os custos estimados, nem, menos ainda, sobre a repercussão concreta dos encontros no contexto da disputa eleitoral".

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POIS É...
Sempre relevando que o uso dos Palácios é indevido e caracteriza improbidade, a mim também parece um excesso que se peça a condenação daquele a quem chamo "O Biltre", no âmbito de uma Aije, que não pode ser banalizada, em razão desses eventos, muito distantes em importância e repercussão da reunião promovida com os embaixadores.

Não tenho a menor ideia se a manifestação de Gonet nessas três ações poderia fazer com que Lula não o indicasse para a PGR caso fosse essa a sua intenção. Creio que não. Diria, num exercício elementar de lógica, que o presidente não deveria fazê-lo se ficasse sabendo ou intuísse o contrário, vale dizer: um dos nomes possíveis para a PGR opina contra a própria convicção apenas para tentar ganhar a simpatia daquele que pode fazer a indicação. Convenham: quem agisse assim poderia fazer qualquer coisa depois que sentasse numa das cadeiras mais poderosas da República.

"Seu candidato é Gonet, Reinaldo?" Meu candidato são os princípios. O que tem me incomodado no caso da indicação do futuro procurador-geral é a conversa mole de que é preciso tomar cuidado para não fortalecer demais Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, como se ambos tivessem, depois, como controlar o escolhido. É uma bobagem. Mas indago à guisa de provocação: ainda que assim fosse, qual seria mesmo o risco? O fortalecimento das instituições?

O QUE REALMENTE NÃO DÁ
Além de Gonet, são apontados como pré-candidatos os subprocuradores-gerais Carlos Bigonha e Carlos Frederico Santos, responsável pelos inquéritos dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Meu compromisso com vocês é sempre dizer tudo, e não será diferente desta vez.

Em novembro do ano passado, com as estradas bloqueadas pelos golpistas, Santos, a meu ver, confundiu a liberdade de expressão com o inexistente direito de lutar por um golpe militar. Referiu-se de modo a caminhoneiros que fechavam as estradas, cobrando um golpe de Estado:
"A preocupação em relação aos movimentos realmente tem duas vertentes. Primeiro, a liberdade de expressão e opinião, liberdade de reunião. E, segundo, é quem está exorbitando dessa liberdade, para se buscar a punição de quem exorbita. Mas eu digo que a premissa maior dessa situação é manter a liberdade de expressão, de opinião e de reunião."

E ainda:
"Nós estamos em contato com a inteligência da Polícia Federal. Estamos em tratamento exatamente junto às autoridades competentes, mas de forma a não prejudicar a liberdade de expressão e opinião e o direito de reunião, que foi tão suprimido na época do Regime Militar, e isso nós pretendemos evitar que aconteça novamente. Trabalhar, sim, com firmeza. Trabalhar, sim, contra aqueles que ultrapassem as bordas, as linhas da Constituição."

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As afirmações são de tal sorte absurdas que nem erradas estão. O bloqueio das estradas já era uma afronta à Constituição, num movimento que procurava rasgá-la em defesa de um autogolpe, com o apoio das Forças Armadas. O doutor falava como se estivesse à espera de que o crime acontecesse para agir. E, no entanto, já estava em curso, bem debaixo do seu nariz.

Não me parece razoável ter à frente da PGR quem confunde, ou confundiu há tão pouco tempo, crime com liberdade de expressão. Gonet aponta a relativa irrelevância do delito em face da gravosidade da punição possível — mesmo que seja Bolsonaro a personagem da causa, noto eu. É um ponto de vista com juridicidade, ainda que se possa discordar dele. Santos confundiu pregação golpista com direito fundamental. Trata-se de uma aberração. É o responsável pelos inquéritos relativos ao 8 de janeiro em razão da distribuição de tarefas na PGR.

"E se Lula indicá-lo? Quero só ver..." Ver o quê? Se acontecer, resta-me torcer para que o doutor não incida na mesma bobagem se tiver a oportunidade. Cabe a Lula decidir.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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