Proposta de resolução do Brasil, a ser votada hoje, é boa porque é realista
Nesta terça, o Conselho de Segurança da ONU vota a proposta de resolução apresentada pelo Brasil sobre o conflito entre Israel e o Hamas. Dado que elaborada no âmbito da diplomacia, ela está correta no seu realismo. O grupo conta com 15 membros. Não adianta sugerir o impossível apenas para marcar posição.
Para que seja aprovada, tem de contar com pelo menos nove votos e nenhum veto entre os cinco com assento permanente: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido. Além desses e do Brasil, que está no mês da presidência rotativa, compõem o Conselho Albânia, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes.
O texto brasileiro começou a ser avaliado ainda ontem, depois que se rejeitou o russo, que contou com quatro adesões apenas — a China, por exemplo —, além do veto dos EUA. A decisão foi transferida para esta terça, às 19h no horário local, a pedido do representante dos Emirados, que alegou a necessidade de fazer "consultas".
CONDENAÇÃO AO TERRORISMO
A íntegra segue no pé deste artigo. O Brasil propõe o repúdio ao terrorismo, não reconhecendo motivação legítima para tanto, e a condenação explicita "dos ataques terroristas atrozes do Hamas" e da "tomada de reféns civis", exortando a sua libertação incondicional. Apela ao direito internacional para que sejam garantidos "sua segurança, bem-estar e tratamento humano".
À diferença da Rússia, que não apontava o terrorismo do Hamas e cobrava um cessar-fogo imediato, o Brasil é mais realista e fala em "pausa humanitária" para que se possa atender a população civil de Gaza. Os EUA já deixaram claro que consideram inaceitável a exigência de cessação das hostilidades porque isso seria uma agressão ao direito de defesa de Israel. Ou por outra: seria inútil insistir, ou haveria novo veto.
Referindo-se às deploráveis condições em estão os palestinos, o Brasil quer que o conselho inste "fortemente a contínua, suficiente e sem impedimentos provisão de bens e serviços essenciais para civis, incluindo eletricidade, água, combustível, alimentos e suprimentos médicos, enfatizando o imperativo, de acordo com o direito internacional humanitário, de garantir que civis não sejam privados de objetos indispensáveis à sua sobrevivência".
Cobra-se ainda a revogação da absurda determinação para que a população civil e pessoal da ONU deixem o norte da Faixa de Gaza. Parte considerável já fez isso, e se instaurou o caos, decorrente da falta de água, de luz, de alimentos, de suprimentos, de remédios e de leitos hospitalares. Também se cobra a abertura de corredores humanitários. Os russos, com poder de veto, já anunciaram que tentarão emendá-lo, insistindo no cessar-fogo.
O PODER DAS RESOLUÇÕES
Resoluções do Conselho de Segurança mudam alguma coisa? Notem que a formulação brasileira "relembra" vários documentos desde 1967. Todos eles dizem respeito ao conflito israelo-palestino e tratam ou do fim de hostilidade entre as partes ou da devolução de territórios ocupados. A 1.397, de 2002, refere-se explicitamente ao "conceito de uma região em que dois Estados, Israel e Palestina, vivam um ao lado do outro, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas". Já se passaram 21 anos...
A mais recente, de 2016, aprovada por 14 votos, com a abstenção dos EUA, declara que os assentamentos israelenses "em território palestino ocupado desde 1967, incluindo Jerusalém Oriental, não têm validade jurídica, constituindo uma violação flagrante do direito internacional e um grande obstáculo à visão de dois Estados vivendo lado a lado, em paz e segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas". Binyamin Netanyahu, na sua volta ao poder, não deu a mínima e fez da continuidade da colonização da Cisjordânia uma das palavras de ordem de seu governo.
Para que outra, então? Observo que esta, de 2023, à diferença das anteriores, tem um caráter mais urgente e muito mais dramático. Há quanto tempo o mundo não assistia a cenas como as protagonizadas pelos terroristas do Hamas? Há quanto tempo o mundo não vê flagelo de civis como em Gaza? Ali se pode morrer de bomba, de fome, de sede...
Observem que o Brasil trata das questões de fundo apenas aludindo a exortações anteriores. A de agora busca expressar a inequívoca rejeição ao terror, destacando que as cenas dantescas no território palestino também não são aceitáveis. "Atos de terrorismo são criminosos e injustificáveis, independentemente de suas motivações, quando e por quem quer que sejam cometidos", afirma-se lá. E o ataque indiscriminado a civis como resposta também.
Segue a íntegra:
O Conselho de Segurança,
Guiado pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas;
Relembrando as resoluções 242 (1967), 338 (1973), 446 (1979), 452 (1979), 465 (1980), 476 (1980), 478 (1980), 1397 (2002), 1515 (2003), e 1850 (2008) e 2334 (2016);
Reafirmando que quaisquer atos de terrorismo são criminosos e injustificáveis, independentemente de suas motivações, quando e por quem quer que sejam cometidos;
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Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberExpressando profunda preocupação com a escalada da violência e a deterioração da situação na região, em particular as consequentes pesadas vítimas civis, enfatizando que civis em Israel e nos territórios palestinos ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, devem ser protegidos, de acordo com o direito internacional humanitário;
Expressando profunda preocupação com a situação humanitária em Gaza e seus graves efeitos sobre a população civil, em grande parte composta por crianças, destacando a necessidade de acesso humanitário completo, rápido, seguro e sem obstáculos;
Reiterando sua visão de uma região onde dois Estados democráticos, Israel e Palestina, vivam lado a lado em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas;
Relembrando que uma solução duradoura para o conflito israelense-palestino só pode ser alcançada por meios pacíficos, com base em suas resoluções pertinentes:
- Condena veementemente toda violência e hostilidades contra civis e todos os atos de terrorismo;
- Rejeita inequivocamente e condena os ataques terroristas atrozes do Hamas que ocorreram em Israel a partir de 7 de outubro de 2023 e a tomada de reféns civis;
- Exige a imediata e incondicional libertação de todos os reféns civis, demandando por sua segurança, bem-estar e tratamento humano em conformidade com o direito internacional;
- Insta todas as partes a cumprirem integralmente suas obrigações nos termos do direito internacional, incluindo o direito internacional dos direitos humanos e o direito internacional humanitário, incluindo aqueles relacionados à conduta das hostilidades, incluindo a proteção de civis e infraestruturas civis, bem como trabalhadores e ativos humanitários e permitir e facilitar o acesso humanitário a suprimentos e serviços essenciais para aqueles necessitados;
- Insta fortemente a contínua, suficiente e sem impedimentos provisão de bens e serviços essenciais para civis, incluindo eletricidade, água, combustível, alimentos e suprimentos médicos, enfatizando o imperativo, de acordo com o direito internacional humanitário, de garantir que civis não sejam privados de objetos indispensáveis à sua sobrevivência;
- Insta à imediata revogação da ordem para que civis e pessoal da ONU evacuem todas as áreas ao norte de Wadi Gaza e se reloquem no sul de Gaza;
- Pede pausas humanitárias para permitir acesso humanitário total, rápido, seguro e sem obstáculos para agências humanitárias das Nações Unidas e seus parceiros implementadores, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e outras organizações humanitárias imparciais, e incentiva o estabelecimento de corredores humanitários e outras iniciativas para a entrega de ajuda humanitária a civis;
- Enfatiza a importância de um mecanismo de notificação humanitária para proteger instalações da ONU e todos os locais humanitários, e garantir o movimento de comboios de ajuda;
- Pede o respeito e proteção, de acordo com o direito internacional humanitário, de todo o pessoal médico e pessoal humanitário exclusivamente envolvido em tarefas médicas, seus meios de transporte e equipamentos, bem como hospitais e outras instalações médicas;
- Enfatiza a importância de prevenir a expansão na região e, a esse respeito, pede a todas as partes que exerçam o máximo de contenção e a todos aqueles com influência sobre elas que trabalhem para esse objetivo;
- Decide continuar a se ocupar do assunto.
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