Ronilso Pacheco

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Opinião

Não foi um novo Haddad: a violência irônica bolsonarista ocupou a política

Todos nós nos surpreendemos com o desempenho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua última audiência no Congresso. Diante de bolsonaristas que lotaram a sala da comissão prontos para o enquadramento, Haddad pareceu ter herdado o manto sagrado da ironia de Flávio Dino.

Mas eu acho que é um pouco mais que isso. Não sei se Haddad poderia agir diferente. Nós não vimos outro Haddad. Nós estamos vendo outro Parlamento. A extrema direita impôs um estilo.

É preciso levar a sério que a extrema direita ocupou o Parlamento. O bolsonarismo, queira ou não, estabeleceu uma nova gramática de discussão no Congresso, principalmente nas comissões.

A transformação do Haddad cordial e discreto no Haddad debochado e irônico à la Dino diz pouco sobre o ministro da Fazenda e mais sobre o ambiente que o Parlamento se tornou.

Enquanto houver bolsonaristas no Congresso, não esperem embates razoáveis, técnicos ou mesmo provocações com algum limite. O bolsonarismo transformou o deboche, o desrespeito, a zombaria e os palavrões em linguagem comum.

É o arquétipo do deputado que diz que não "estupraria" uma colega de Parlamento de partido opositor porque ela "não merecia" porque era "muito feia".

O mesmo que faz questão de saudar um oficial torturador na ditadura militar, no plenário, no microfone. O filho deste mesmo parlamentar disse, em 2022, ter "pena da cobra" que foi usada para torturar uma jornalista durante a ditadura.

Se este é o arquétipo — a desumanização, a ridicularização, a escolha pelas expressões mais violentas — como você imaginaria que poderia ser diferente a "linguagem corrente" do Parlamento mais conservador/extremista da história?

Se já estamos familiarizados com o fato de o bolsonarismo ter empurrado o Brasil para uma crise que "também é estética", eu diria que, tristemente, a crise é também "linguística". O bolsonarismo introduziu e naturalizou a violência no Parlamento.

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Só isso justifica um senador da República, em uma audiência no Senado, entregar um boneco de um feto de 12 semanas a um ministro de Estado. Eduardo Girão protagonizou essa infâmia deslocada, em uma audiência em que sequer o aborto era um tema.

Vale dizer que o ministro Silvio Almeida e a esposa estavam grávidos e às vésperas do nascimento da filha. Teatro? Não. Foi pura violência. A gramática da ridicularização extremista sempre "em nome da vida".

O que está no Congresso hoje é um espírito de violência permanente. De gente que sequer se constrange de gritar "Acabou, porra!!" para impor o silêncio sobre qualquer manifestação em memória de uma colega parlamentar brutalmente assassinada.

Busque qualquer coisa assim, nesse mesmo nível, de qualquer parlamentar, chegando perto disso se referindo ao ambientalista Chico Mendes ou à missionária Dorothy Stang. O tempo mudou. O tempo das palavras na política parlamentar também.

Portanto, não é sobre o estilo de Flávio Dino ou o novo estilo de Fernando Haddad. É sobre o Parlamento hoje. Os estragos do bolsonarismo não estão apenas nas propostas esdrúxulas, antidireitos ou de supremacismo cristão. Também estão na implosão do diálogo simétrico e humano.

Mesmo o recurso narrativo sarcástico e ríspido deve guardar alguma coerência e humanidade. Não para o bolsonarismo.

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A "qualidade" está na performance da humilhação e do deboche violentador, está no negacionismo e no "frame". Tudo é feito visando um corte postável.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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