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Rubens Valente

Em depoimento, Ramagem defende Bolsonaro e investe contra Moro

Alexandre Ramagem em Brasília - Reprodução
Alexandre Ramagem em Brasília Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

12/05/2020 01h34

Resumo da notícia

  • Diretor da Agência Brasileira de Inteligência prestou depoimento à Polícia Federal nesta segunda-feira
  • Inquérito apura suposta interferência indevida de Jair Bolsonaro no comando da Polícia Federal
  • Ramagem fez diversas declarações que poderão ser usadas pela defesa do presidente da República contra acusações de Moro

O diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, defendeu o presidente Jair Bolsonaro e investiu contra o ex-ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), dizendo que ele criou uma "celeuma entre Poderes da União" e que deveria "se ater a princípios e valores de hierarquia, lealdade e preferência da lei".

A segunda parte das afirmações foi feita "sob protestos dos advogados" de Moro, do escritório de Rodrigo Sánchez Rios, presentes ao depoimento ocorrido na Polícia Federal em Brasília nesta segunda-feira (11). Os defensores do ex-ministro afirmaram que as declarações eram uma "emissão de juízo incompatível com a condição de testemunha" de Ramagem.

Ao longo de um extenso depoimento, que ocupou 12 páginas, Ramagem fez várias declarações que poderão ser usadas pela defesa de Bolsonaro. Apresentou, por exemplo, um levantamento sobre a origem de informações recebidas pela Abin para dizer que "a Polícia Federal, através da Diretoria de Inteligência Policial, não ocupa as primeiras posições dentre aqueles que repassam informações com mais frequência à Abin". Com isso, Ramagem forneceu um suposto álibi para Bolsonaro.

Na rede social Twitter, Bolsonaro já argumentou que cobrava de Moro relatórios da PF de inteligência estratégica como aqueles enviados ao Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), coordenado pela Abin, e não relatórios que integravam inquéritos policiais sob sigilo. A declaração de Ramagem quer fazer crer que Bolsonaro teria motivos para cobrar mais "produtividade" da PF.

Sobre esse tópico, Ramagem acrescentou que Bolsonaro reclamava "dos relatórios de inteligência do dr. [Maurício] Valeixo", o então diretor-geral da PF. Essa versão entra em choque com o depoimento de Valeixo, que declarou não ter recebido qualquer reclamação ou demanda de Bolsonaro sobre relatórios de inteligência, embora os dois se falassem eventualmente.

Ramagem disse que soube pelo ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, seu superior hierárquico no GSI, "que o presidente estava reclamando do encaminhamento de poucos relatórios, não só da PF, mas também de outros setores de inteligência dos ministérios, reclamando ainda por uma maior participação e integração entre ministérios". Ramagem diz que Bolsonaro reclamava "que os aspectos positivos ficavam com os ministérios e os problemas apenas com a Presidência da República".

'Assuntos de trabalho'

O diretor da Abin reconheceu que seu nome foi escolhido pelo presidente para o cargo de diretor-geral da PF, mas a todo momento procurou negar que seja amigo de Bolsonaro ou de seus familiares. Quando foi perguntado sobre a frequência de seus encontros com Bolsonaro fora do Palácio do Planalto, disse que "sempre que foi chamado ao Palácio da Alvorada nos finais de semana, os encontros tiveram o condão principal de assuntos de trabalho".

Negou manter contatos telefônicos com os filhos de Bolsonaro, "ainda que esporadicamente", com exceção de "contatos de trabalho" com o deputado Eduardo Bolsonaro, "em razão de sua função como presidente da Creden (Comissão de Relações Exteriores) para possível auxílio de emendas de comissão para a Abin".

Sobre uma foto do Revéillon de 2018 divulgada em rede social na qual aparece junto com um dos filhos de Bolsonaro, o vereador Carlos, do Rio de Janeiro, Ramagem argumentou que foi uma confraternização, "não uma festa", e que Carlos só passou no local onde estavam os policiais para uma despedida, já que seria o último trabalho da equipe da PF destacada para fazer a segurança do então presidente eleito, que tomaria posse no dia seguinte e passaria a ser escoltado por gente do GSI.

Ramagem declarou ainda que "não possui amizade com os filhos do presidente", mas que tem "ciência de que goza da consideração, respeito e apreço da família do presidente Bolsonaro pelos trabalhos realizados e pela confiança do presidente no trabalho do depoente, mas não possui intimidade pessoal com seus entes familiares".

Nesse ponto aproveitou para dar estocadas em Sérgio Moro. Ele considera que o ex-ministro o "desqualificou" publicamente quando disse que não seria qualificado para o cargo de diretor-geral e salientou sua suposta amizade com o clã Bolsonaro. Para Ramagem, a afirmações de Moro surgiram "apenas como subterfúgio para indicação própria sua de pessoas vinculadas ao seu núcleo diretivo de sua exclusiva escolha".

'Produtividade'

Ao longo do depoimento, Ramagem diversas vezes procurou blindar Bolsonaro de suspeitas de interferência indevida na Polícia Federal. Quando foi indagado, por exemplo, se tinha conhecimento do interesse do presidente em substituir o superintendente da PF no Rio, o delegado Carlos Henrique, Ramagem respondeu vagamente que "tinha ciência da preocupação do presidente com a produtividade operacional, não apenas do Rio de Janeiro, mas também das outras superintendências".

O diretor da Abin reconheceu ter sido consultado tanto por Bolsonaro quanto pelo novo ministro da Justiça e da Segurança Pública, André Mendonça, sobre a escolha do delegado Rolando Souza para o cargo de diretor-geral da PF - seu próprio nome acabou barrado por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. Rolando Souza era o braço direito de Ramagem na Abin e foi nomeado por Bolsonaro na PF.

Ramagem disse que, nas conversas que manteve com Bolsonaro sobre assumir a direção-geral da PF, o presidente teria alertado que ele seria "cobrado por uma maior produtividade em todas as superintendências" da PF. A principal preocupação de Bolsonaro, segundo Ramagem, é "o desvio dos extensos recursos públicos destinados à sociedade no enfrentamento ao Covid-19".

O presidente tem seguidamente falado do tema em público. Ele acusa genericamente governadores e prefeitos que adotaram a estratégia do distanciamento social para diminuir o contágio do novo coronavírus. O tema dos supostos desvios é usado pelo presidente para desqualificar os políticos que divergem da sua orientação, que prega o retorno dos brasileiros às atividades normais no meio da pandemia.

'Sem prerrogativa'

O diretor da Abin deixou para o final os principais ataques a Sérgio Moro. Pouco antes de encerrar o depoimento, pediu para incluir em seu termo de declarações um longo trecho com observações negativas sobre Moro. Disse que o ex-ministro era "agente político não inserido na estrutura da PF" e que, por isso, "agente político investigado na qualidade de auxiliar do presidente da República, este também agente político, mas investido pelo voto popular".

Para Ramagem, o ex-ministro "não possuía prerrogativa para nomeação do diretor-geral [da PF], pois se trata de prerrogativa exclusiva e expressa em lei do presidente da República". "O ex-ministro Moro, ao adentrar ao Executivo federal, e tratar especificamente de Polícia, poderia se ater a princípios e valores de hierarquia, lealdade e preferência da lei, até porque não houve qualquer comando ilegal emanado do Presidente da República, conforme frisado pelo ex-ministro Moro em seu depoimento."

Embora a lei estabeleça que cabe ao presidente a nomeação do diretor da PF, é uma prática de décadas em Brasília que o nome do chefe da PF seja definido ou pelo ministro da Justiça ou em conjunto com o ministro da Justiça, que sempre assina o ato da nomeação ao lado do presidente da República. Pela primeira vez desde a redemocratização, a saída do diretor-geral e a escolha do nome do novo diretor-geral ocorreram à revelia do ministro da Justiça e foram feitas diretamente pelo presidente da República.

Os delegados responsáveis pelo depoimento de Ramagem, Fabiano Emídio de Lucena Martins e Luciana Matutino Caires, advertiram o diretor da Abin "sobre sua condição de testemunha", posição reforçada pelos protestos dos advogados de Moro.

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