Topo

Rubens Valente

Cotado para o MEC brigou com olavista para deixar administração de empresa

Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização no MEC, ao lado de Olavo de Carvalho - Reprodução/Facebook
Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização no MEC, ao lado de Olavo de Carvalho Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

19/06/2020 11h46

O atual secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Francisco de Paula Nadalim, cotado para substituir Abraham Weintraub no cargo de ministro, foi à Justiça para deixar a administração de uma empresa que mantém com o dono de um site lançado pelo autor de livros bolsonarista Olavo de Carvalho, influenciador da família Bolsonaro que mora nos EUA.

Nadalim argumentou, na ação, que seu sócio estava trabalhando em prol de outro olavista, Ítalo Marsili, e que precisava deixar a gestão da empresa para conseguir ser nomeado no MEC no ano passado. Pela legislação, servidor público pode ser sócio de empresa privada, desde que não exerça função administrativa.

Nadalim era, até o ano passado, sócio do produtor digital Arno Rocha de Alcântara Júnior, nascido em Joinville (SC) e morador de Maringá (PR), em uma microempresa de cursos on-line. Quando foi lançado em dezembro passado, o site de internet "Brasil sem medo" foi anunciado por Olavo de Carvalho como "o maior" endereço conservador do país. Na época, o site informou, na parte da "política de privacidade", que pertencia à "empresa brasilisemmedo.com, propriedade do Arno Alcântara Júnior".

A referência a Alcântara não aparece mais publicamente no site "Brasil sem medo". A política de privacidade informa agora apenas que "o site www.brasilsemmedo.com é uma iniciativa do filósofo e escrito [sic] Olavo de Carvalho, com Paulo Briguet como editor-chefe e Silvio Grimaldo como diretor executivo".

Em dezembro de 2019, Alcântara disse ao jornal "O Estado de S. Paulo" que, apesar de ser o dono da "BSM", quem respondia pelo site era Grimaldo, que também foi contratado do MEC na gestão do então ministro Ricardo Vélez Rodríguez.

'Meu professor'

Em 2014, Olavo de Carvalho postou na internet uma mensagem na qual atribuiu a capa de um livro seu a Alcântara. Ex-ator de um grupo de teatro em Blumenau (SC), Alcântara se mudou para Maringá há cerca de 15 anos, onde passou a trabalhar com criação publicitária.

Em um vídeo postado na internet em 2014, Alcântara diz que era aluno de Olavo de Carvalho há mais de dez anos. "Ele é meu professor, e nesse tempo ele sempre insiste no sentido da vida, fechar os aspectos todos da sua vida em um centro que leve à realização do seu ideal."

Alcântara diz que passou a trabalhar com "infoprodutos" e, a partir daí, conheceu Carlos Nadalim, que também era aluno de Olavo de Carvalho. Nadalim é um seguidor de Olavo, visitou-o na Virgínia (EUA) e divulgou uma entrevista em vídeo com o escritor. "Eu sou aluno do professor há anos, e graças a tudo o que o professor me ensinou, eu fui estudar, fui pesquisar assuntos relacionados à educação e graças a isso que o blog está hoje no ar", diz Nadalim no vídeo de 2016.

Nesta quinta-feira (18), o perfil da "Brasil sem medo" na rede social Twitter anunciou Nadalim como um dos principais cotados para o cargo de ministro. O texto diz que "pressionado, Bolsonaro se despede de Abraham Weintraub, que deixa MEC para assumir função no exterior. Carlos Nadalim e Ilona Becskeházy são cotados para sucedê-lo. Centrão e generais têm outros planos para o governo".

Alcântara e Nadalim são sócios desde 2014 em uma microempresa chamada Alcântara e Nadalim Cursos On-line Ltda., sediada em londrina (PR).

Nadalim se apresenta como o coordenador pedagógico da escola Mundo do Balão Mágico, em Londrina (PR). Junto com Alcântara, foi co-fundador do blog "Como Educar seus Filhos", em que publica "vídeos, entrevistas e artigos com dicas para os pais sobre educação infantil, especialmente no tocante à alfabetização domiciliar". Alega ter ajudado, "pela internet, 1630 pais e mães a alfabetizarem seus filhos em casa", por meio de um curso online.

'Promover terceiro'

Nadalim entrou no MEC pelas mãos de Vélez Rodríguez em fevereiro de 2019 no cargo de secretário de Alfabetização (salário mensal: R$ 16,9 mil). Embora o ministro tenha deixado o órgão, Nadalim continuou.

Quando foi indicado para o cargo, Nadalim tentou se desvencilhar da sociedade com Alcântara e aí começaram os problemas.

"Há alguns meses, as partes começaram a apresentar fortes desentendimentos, situação que se intensificou a tal ponto que a confiança recíproca não mais existe, ocasionando a quebra da 'affectio societatis'", disse o advogado de Nadalim, Gerson João Zancanaro, numa petição à Justiça em fevereiro de 2019. "Affectio societatis" é a intenção que as pessoas manifestam para constituir uma sociedade.

Segundo o advogado, "uma das razões que acarretou na discordância entre as partes foi o fato de que o sócio requerido Arno vem há um ano utilizando-se da estrutura da empresa para promover terceiro, estranho à sociedade, principalmente através do blog 'Como educar seus filhos', para instrumentalizar e desenvolver uma nova empresa, divulgando e direcionando os alunos ao nome de 'Ítalo Marsili', conforme está comprovado no anexo".

Também olavista e bolsonarista, Marsili é um influenciador digital. Há dois meses, uma campanha de bolsonaristas na internet pediu ao presidente Jair Bolsonaro que nomeasse Marsili ministro da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus. O escolhido foi Nelson Teich.

O advogado de Nadalim diz ainda que Alcântara "está se utilizando da empresa para divulgar e direcionar alunos ao nome 'Samia Marsili', que apresenta em sua página pessoal conteúdo extremamente semelhante ao desenvolvido pelo blog 'Como educar seus filhos'". Samia é mulher de Ítalo e se apresenta na internet como "mãe de seis filhos, médica e palestrante".

Na ação, por meio de seu advogado, Nadalim citou o segundo motivo para deixar a administração da sociedade, o convite para o cargo de secretário nacional de alfabetização. "Para assumir o referido cargo público, o requerente não pode figurar no contrato social da empresa como administrador", diz o defensor. Alcântara, contudo, teria "se recusado a atender ao pedido, agravando ainda mais a relação entre os sócios".

O advogado disse que Nadalim tentou "resolver o impasse amigavelmente", mas "não obteve resposta" de Alcântara. O advogado disse ainda que "a dissolução da sociedade", com "a consequente apuração de haveres" é a tutela final da ação.

O juiz da 1ª Vara Cível de Maringá, Mário Seto Takeguma, acolheu o pedido de Nadalim e determinou a exclusão de Nadalim como administrador da sociedade. Na sequência, a Junta Comercial fez a modificação.

Contudo, nos registros oficiais da Junta Nadalim ainda aparece como sócio da microempresa.

A coluna enviou uma série de perguntas a Nadalim nesta quinta-feira (18), por meio da assessoria do MEC, mas não houve resposta até o fechamento deste texto. Alcântara, procurado, não foi localizado.