Dados de prefeituras e do governo do PA expõem 'buraco' no balanço da Covid
Resumo da notícia
- Levantamento mostra que 28 prefeituras do Pará divulgam números maiores de óbitos e casos de Covid-19 do que o governo estadual
- A Secretaria Estadual de Saúde do Pará confirma as diferenças e diz que há dificuldade na alimentação on-line dos dados pelas prefeituras
- Pesquisador da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) vê deficiências no fluxo dos dados entre prefeituras e governo
Desde que o Ministério da Saúde alterou, na primeira semana de junho, a forma de divulgação dos números da pandemia do novo coronavírus - embora dias depois tenha voltado atrás, sob pressão da sociedade civil e do TCU (Tribunal de Contas da União) - a atenção se voltou para os números dos governos estaduais, que passaram a substituir o papel do governo de Jair Bolsonaro no quesito da transparência.
Uma olhada mais detalhada nos números acumulados pelos estados, no entanto, traz interrogações. A coluna comparou os boletins produzidos por prefeituras do interior do Pará com os números divulgados pelo estado e encontrou diversas incongruências. Em efeito cascata, os mesmos problemas foram parar no sistema do Ministério da Saúde, que recebe as informações da secretaria estadual, e nos balanços independentes feitos com base nos números do governo estadual.
Parte das 144 prefeituras do Pará costuma divulgar seus números sobre a Covid-19 em perfis oficiais de redes sociais ou em seus sites na internet, mas outra parte não divulga nesses meios. A coluna enviou e-mail para 12 prefeituras cujos dados não encontrou em lugar algum, mas apenas uma respondeu.
Os dados de outras 41 prefeituras foram localizados nas fontes abertas, normalmente páginas do Facebook e portais das prefeituras. A coluna selecionou esses municípios do Pará tendo por critérios o número de mortos e algumas regiões do estado onde a doença tem sido mais presente.
Das 42 prefeituras pesquisadas, foi encontrado algum tipo de discrepância em 28, na comparação entre o que as cidades registram e o que o Estado acumula e divulga. Em outros 14 casos, os números se mostram idênticos ou com diferenças ínfimas.
A coluna fixou o dia 15 de junho como a data da comparação, com exceção de um caso, o da prefeitura de Augusto Corrêa, que foi no dia 16 de junho. Na soma geral, foram localizados 104 óbitos e 4.387 casos confirmados e divulgados pelas prefeituras mas que não estavam no balanço da Secretaria de Saúde do Estado do Pará. No sentido contrário, a secretaria estadual divulgava naquele dia 2.940 casos de recuperados a mais do que os balanços das 42 prefeituras.
No tópico das mortes, a maior diferença foi verificada nos números da prefeitura de Itaituba, a cerca de 1,3 mil km de Belém (PA). No dia 12 de junho, o prefeito municipal, Valmir Climaco, e o secretário municipal de Saúde, Adriano Coutinho, informaram à coluna que já haviam sido registradas no município 35 mortes. No Painel da Covid-19 da Sespa (Secretaria Estadual de Saúde do Pará), contudo, o número divulgado era 11.
No dia 15 de junho, data fixada pela coluna para a pesquisa, o número de óbitos informado pela prefeitura permaneceu em 35, enquanto o da Sespa teve uma ligeira diferença, 13, o que resultava numa diferença de 22 óbitos.
Depois que a coluna procurou a Sespa na quinta-feira (19) para obter esclarecimentos sobre a diferença nos números, o balanço de Itaituba foi atualizado no site estadual, passando para 35 óbitos neste domingo (21). Mesmo assim, os problemas continuam. De acordo com o boletim divulgado pela prefeitura Itaituba em suas redes sociais, o total de óbitos já era de 47 neste domingo no município, uma diferença de 12 casos.
O professor de saúde coletiva da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), Rui Massato Harayama, que acompanha os números da Covid-19 no Pará, disse que o fluxo das informações da pandemia entre as prefeituras e o governo paraense "é bem polêmico" e que deveria obedecer um padrão único, mas na prática isso acaba não acontecendo. Por meio do seu Lapmat (Laboratório de Aplicações Matemáticas), a Ufopa desenvolveu um painel sobre os números da Covid-19.
"Já tínhamos notado algumas discrepâncias. No site da secretaria, por exemplo, vários municípios estão com uma letalidade muito alta, acima dos 10%. Provavelmente está havendo um problema na informação dos casos confirmados, o que faz elevar a letalidade", disse o professor.
Segundo Harayama, houve problemas na definição sobre o fluxo e cada prefeitura adotou um critério. "Cada um faz do seu jeito. Os municípios tiveram que criar um método e agora estão seguindo. Acho que agora vão tentar homogeneizar esse fluxo de informação. Esse fluxo não foi pactuado, azeitado. Se colocar na sua sopa a discussão da saúde indígena, aí piorou. Quando morre um indígena, tem lugares que estão somando como mortes de indígenas e outros não estão somando. Porque não teve esse fluxo."
O professor da Ufopa salienta que "muitas prefeituras ficaram desassistidas nessa parte dos dados, sem informação sobre como agir. Várias não têm uma pessoa que entenda da manipulação e análise de dados".
Harayama contou que há municípios ainda trabalhando com fichas de papel que vão para uma unidade central, onde uma pessoa então as digita no computador. Muitos problemas podem ocorrer no meio do caminho. "Tem lugar que tem que mandar os dados de barco. Esse delay já é tradicional. Depois tem que colocar no sistema que tem que atualizar. Assim como as mortes pregressas. Há ainda os problemas de internet. Estou em Santarém, terceiro município mais populoso do Estado, e ficamos aqui três dias sem internet porque um avião que espalha agrotóxico caiu e bateu numa torre de transmissão."
Em email à coluna, a Sespa reconheceu a discrepância de números e apontou os motivos. "As diferenças ocorrem devido a não alimentação do sistema estadual de monitoramentos de casos de Covid-19 por parte das Secretarias Municipais de Saúde, ou seja, os casos ocorrem nos municípios, mas são registrados no sistema com atraso, ocasionando uma diferença entre os boletins emitidos pelas prefeituras e o que existe de dados nos sistemas de informações oficiais de Estado e Ministério da Saúde".
A coluna quis saber de que forma exatamente a secretaria é alimentada por esses números, e o órgão respondeu: "O sistema do Portal é on-line e pode ser alimentado pelos profissionais das secretarias municipais de Saúde, munidos das fichas de notificação dos casos positivos para Covid-19 dos seus municípios".
Conforme a secretaria, a definição de um caso de Covid-19 está a cargo dos profissionais de saúde, que "devem atender as definições de casos que são estipuladas pelo Ministério da Saúde, tanto pelo critério clínico como o laboratorial". "É importante salientar que os dados apresentados no Portal da Covid-19, estão em constante revisão e qualificação, conforme as investigações epidemiológicas, de forma que podem ocorrer mudanças na apresentação gráfica das informações publicadas anteriormente."
Os buracos nos números da Covid-19 no Pará
Menos óbitos e menos casos no site da secretaria
Itaituba
Santarém
Tailândia
Limoeiro do Ajuru
Breu Branco
Augusto Corrêa*
Menos casos no site da secretaria
Rurópolis
Belterra
Rondon do Pará
Jacareacanga
Moju
Barcarena
Parauapebas
Oriximiná
Mocajuba
Menos óbitos no site da secretaria
Castanhal
Juruti
Mais recuperados no site da secretaria
Canaã dos Carajás
Cametá
Tucuruí
Portel
Tomé-Açu
São Caetano de Odívelas
Alenquer
Salvaterra
São Geraldo do Araguaia
Menos casos e menos óbitos e mais recuperados no site da secretaria
São João de Pirabas
Menos óbitos e mais recuperados no site da secretaria
Maracanã
Fonte: sites e redes sociais das prefeituras e Painel Covid-19 da Sespa-Pará na data de 15/6 e *16/06
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