Topo

Rubens Valente

Defesa não fornece detalhes sobre satélite que comprará por R$ 145 milhões

14.mar.2015 - Vista aérea da Amazônia, no Brasil - Getty Images
14.mar.2015 - Vista aérea da Amazônia, no Brasil Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

25/08/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Segundo especialistas, a faixa de frequência é crucial para saber se aparelho será útil na Amazônia, mas governo não divulga o dado
  • O valor já foi empenhado e será coberto por recursos recuperados pela Operação Lava Jato para ajudar no combate a ilícitos na região amazônica
  • Em nova nota sobre o assunto, ministério agora diz que o satélite também poderá ser usado para fiscalizar oceanos e regiões costeiras

O Ministério da Defesa não forneceu detalhes sobre o satélite pelo qual pretende desembolsar R$ 145 milhões para ajudar, segundo o governo, na fiscalização de ilícitos ambientais na Amazônia. De acordo com especialistas, a banda, ou faixa de frequência, do satélite é determinante para saber qual a sua capacidade de detecção de desmatamentos e queimadas na Amazônia.

Desde sábado (22) a coluna indaga ao Ministério da Defesa qual é a banda do satélite que a pasta está buscando, mas não houve resposta até o fechamento deste texto.

Conforme a coluna divulgou na sexta-feira (21), a Defesa fez em 30 de junho o empenho de R$ 145 milhões, que deverá ser coberto por recursos recuperados pela Operação Lava Jato. Especialistas levantam a suspeita de que governo pretende esvaziar ainda mais o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão que tradicionalmente mede desmatamentos e queimadas no Brasil.

A Defesa divulgou genericamente que irá comprar um satélite-radar. Esse tipo de aparelho consegue captar imagens "através" de nuvens. Mas a qualidade das imagens está vinculada à banda usada pelo satélite.

Um dos principais especialistas em satélites de observação do país, o cientista Gilberto Câmara, que dirigiu o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de 2005 a 2012 e é o atual diretor do GEO (em português, Grupo de Observação da Terra), uma parceria intergovernamental entre mais de cem países-membros, a Comissão Europeia e 115 organismos internacionais, disse que há satélites-radares com três faixas de frequência disponíveis no mercado, sendo a banda X a mais barata, dividida em três tipos, e a banda L a mais cara.

Para Câmara, o valor empenhado pela Defesa indica que deverá ser um satélite da banda X de capacidade mais baixa entre todos, que ele considera "totalmente inadequado" para a região amazônica porque um satélite desse porte não conseguiria discernir, por exemplo, árvores de gramíneas.

"O satélite-radar é um sensor ativo. Ele manda um sinal e recebe de volta. É um pulso que vem do radar. Mas não é qualquer pulso que consegue discernir o que está no chão. Um satélite com pulso de 3 cm, da banda X, terá dificuldade de distinguir, por exemplo, se é a variação de uma copa de árvore ou se é um conjunto de pedaços de tocos que está no chão. Só começa a melhorar na banda com 30 cm, porque é possível separar os tocos das árvores. Mas, por esse valor de R$ 145 milhões, ou pouco mais de US$ 30 milhões, deverá ser o de 3 cm", disse Câmara.

'Cloroquina da Amazônia'

O especialista disse que hoje é possível encontrar inclusive imagens gratuitas de satélites-radares da Amazônia. Ele afirmou que nunca foi procurado prelo governo federal para conversar sobre o assunto.

"Se eles querem esse tipo de imagem-radar, tem de graça. No ano passado, foi decidido que uma empresa japonesa ajudaria na cooperação internacional. Ou seja, se os militares tivessem pelo menos perguntado, eu diria que se querem usar imagem-radar, podemos falar com os japoneses que os dados são livres. Vamos aprender com os japoneses. E vamos usar os recursos onde o Brasil realmente precisa mais", disse Câmara.

O cientista questiona a necessidade e a utilidade de um microssatélite tal qual o ambicionado pelo Ministério da Defesa.

"É a cloroquina da Amazônia. Não há nenhuma evidência de que essas tecnologias estejam aptas a fazer o que o ministério está achando que elas vão fazer. É simplesmente o jogo de achar que vai comprar um avião, um satélite, e pronto. Há ideias novas e boas. Nesse caso não são novas nem boas. Esse filme a gente já viu em 1990 [com o Projeto Sivam]. A ideia é tirar o monitoramento da Amazônia do Inpe e fazer o monitoramento militar. Não conseguiram na época, não vão conseguir de novo."

Em nota à coluna, o Ministério da Defesa disse que "não comenta detalhes de licitação em andamento". A informação contradiz a Nota de Empenho publicada no dia 30 de junho, que afirma que a licitação não será exigida nessa aquisição. A coluna pediu então acesso aos dados da licitação "em andamento", mas eles não foram liberados.

'Licitação internacional'

Nesta segunda-feira (24), o ministério emitiu uma nova nota à imprensa sobre o satélite. Mais uma vez não informou a banda e outros detalhes do aparelho que está buscando no mercado.

Diferentemente do que vinha divulgando até então, o ministério acrescentou a "Amazônia Azul", ou seja, regiões costeiras e Oceano Atlântico, também como áreas de interesse do novo satélite.

"Embora planejado para monitorar a região amazônica, o satélite terá a capacidade de ser empregado no monitoramento de outras regiões estratégicas do País. Como exemplo dessa aplicação, o equipamento poderá ser utilizado no monitoramento da Amazônia Azul, constituindo importante ferramenta ambiental durante eventos como as manchas de óleo detectadas no litoral brasileiro, em 2019."

O ministério afirmou que o processo de compra "cumprirá todos os requisitos legais e será viabilizado por meio de uma licitação internacional". O satélite ficará com o Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), vinculado à Defesa, criado em 2002 "para promover a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal".

"Desde 2016, o Censipam desenvolve o projeto SipamSAR. A tecnologia SAR é capaz de enxergar o terreno, mesmo que ele esteja sob nuvens. Dessa forma, mesmo na época de fortes chuvas na Amazônia, que duram cerca de oito meses, o radar consegue melhor monitoramento. O SipamSAR nasceu em complemento ao sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no período de maior cobertura de nuvens, já que o Deter utiliza imagens de satélites óticos. Portanto, não haverá sobreposição de funções do Inpe, mas sim complementaridade."

A nota da Defesa fala ainda em "soberania nacional". "A possível aquisição contribui também, diretamente, para a soberania espacial, cumprindo objetivos da Estratégia Nacional de Defesa, por meio do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), que elencou diversas carências no segmento aeroespacial brasileiro, entre elas a ausência de um satélite com sensor radar operado pelo Brasil. Em suma, a possível aquisição do novo satélite representa, para o País, uma importantíssima ferramenta tecnológica, permitindo significativa ampliação da capacidade de proteger a Amazônia, além de contribuir diretamente para a soberania nacional, especialmente no campo espacial."