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Rubens Valente

Invasores de terra indígena cercam base e ameaçam fiscais do Ibama no Pará

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Colunista do UOL

19/11/2020 12h03Atualizada em 19/11/2020 17h39

Um grupo de invasores da Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará, cercou uma base de fiscalização utilizada por equipes do Ibama, Funai e Força Nacional. Vídeos mostram um grupo de homens hostilizando a equipe de fiscalização e incendiando uma ponte de madeira que dá acesso à terra indígena.

No início da tarde desta quinta-feira (19), o juiz federal de Redenção (PA) Francisco Antonio de Moura Junior acolheu pedido do MPF (Ministério Público Federal) e ordenou a retirada do bloqueio no entorno da base e uma multa de R$ 20 mil por hora em caso de descumprimento. Ele requisitou apoio da Polícia Militar e da Polícia Federal do Pará.

O juiz escreveu que "a existência da turbação resta devidamente comprovada" e os indícios mostram que a base "é objeto de turbação ou ameaça de turbação, [...] com iminente possibilidade de ser esbulhada".

Uma barricada com pneus e madeira foi feita na frente da base e os invasores ameaçam fazer um incêndio para impedir que os fiscais continuem seu trabalho. A coluna apurou que foi solicitado a Brasília um reforço urgente da Força Nacional. O clima é de tensão e os servidores públicos temem pela sua segurança física.

O UOL apurou que os servidores estão impedidos de entrar e sair da base, e não podem mais receber mantimentos e combustíveis, um quadro que evoluiu "de obstrução da fiscalização para cárcere privado", segundo servidores que pediram para não ter os nomes divulgados.

A equipe está na região para reprimir desmatamentos dentro da terra indígena. Na vizinha Terra Indígena Trincheira-Bacajá, os fiscais conseguiram conter os focos de desmate. Na terça-feira (17), contudo, a equipe passou a receber ameaças de que a base será invadida e os carros da fiscalização serão queimados.

Ao tentar passar por uma ponte, os fiscais sofreram "uma emboscada", com tiros para o alto, possivelmente de espingardas, e os invasores incendiaram a ponte e serraram um dos pilares. A equipe teve que retornar à base.

O cerco ocorre na frente da base São Francisco, que integra o plano de proteção territorial da empresa Norte Energia como parte das condicionantes para a obra da hidrelétrica de Belo Monte, e atualmente é cedida ao Ibama.

Grupo de invasores cerca base de operações do Ibama e da Funai dentro da Terra Indígena Apyterewa, no Pará - Reprodução - Reprodução
Grupo de invasores cerca base de operações do Ibama e da Funai dentro da Terra Indígena Apyterewa, no Pará
Imagem: Reprodução

Ocupação ilegal reúne cerca de 1.500 pessoas na região

"Vocês tá trabalhando pro Lula ainda, é? O Lula já foi, rapaz", diz um morador à equipe do Ibama, conforme registrado em vídeo. Um policial armado se aproxima e pede para as pessoas se afastarem, mas não é atendido. "Não vamos recuar, não. Eu sou trabalhador", diz um dos manifestantes. Um outro vídeo mostra invasores dizendo que vão erguer um barraco na frente da base.

A Terra Indígena Apyterewa, no município de São Félix do Xingu (PA), fica a cerca de 1 mil km de Belém (PA). Reconhecida como território tradicional dos índios parakanãs desde 1982, é hoje ocupada ilegalmente por mais de 1.500 não indígenas, segundo estimativas.

A retirada dos invasores era uma condicionante judicial para que a União obtivesse a licença ambiental de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

A usina foi inaugurada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, mas a retirada dos invasores nunca foi cumprida integralmente. O governo de Michel Temer (2016-2018) iniciou mas depois abandonou o plano de retirada.

Grupo de invasores apela a Damares e ao presidente Bolsonaro

A partir de janeiro do ano passado, segundo os indígenas, a ocupação ilegal recrudesceu porque os invasores viram no governo de Jair Bolsonaro uma oportunidade de tentar rever a demarcação do território, de 770 mil hectares.

O advogado e procurador do município de São Félix do Xingu (PA), Igor Franco, que defende o que ele considera "3.000 famílias de produtores rurais" que ocupam a terra indígena, disse que "nós estamos em contato com ministra Damares [Mulher, Família e Direitos Humanos] para relatar os acontecimentos e buscando apoio do presidente da República [Jair Bolsonaro] para ver o que ele pode ajudar".

O advogado afirmou que "os ânimos estão exaltados e o governo precisa olhar pelo lado dos direitos humanos". Ele disse que "o pessoal do Ibama está chegando juntamente com a Força Nacional batendo no povo, queimando as casas, teve uma casa queimada com um cachorro dentro".

"Os produtores rurais são pessoas de bem que querem a paz acima de tudo", disse Franco.

Nos vídeos enviados à coluna pelo advogado, contudo, não aparece nenhuma agressão física dos fiscais do Ibama contra os moradores nem casas sendo queimadas com animais dentro.

Indígenas afirmam não ter sido informados sobre decisão do STF que afeta terras

A posição dos não indígenas que ocupam ilegalmente a terra indígena ganhou mais força no último mês de maio, quando o ministro do STF Gilmar Mendes acolheu um pedido da prefeitura de São Félix do Xingu sobre uma suposta "conciliação" entre indígenas e invasores. Um mandado de segurança tramitava no tribunal desde 2007 e os limites atuais da demarcação já haviam sido reconhecidos em diversas outras decisões judiciais.

Porém, agora no governo Bolsonaro, com apoio decisivo da AGU (Advocacia Geral da União), as famílias de invasores e a prefeitura obtiveram a decisão favorável de Mendes, que autorizou o envio do processo para um certo "núcleo de conciliação" — não explicou qual núcleo, mas seria uma referência a um setor da AGU —, informando que há "predisposição dos entes públicos litigantes para uma provável conciliação".

Mendes mandou intimar a União. Com a decisão, ficou adiado o julgamento do processo, que chegara a ser marcado para ocorrer virtualmente no STF no dia 24 de abril.

Os indígenas não são parte do processo e só descobriram a decisão casualmente, porque indigenistas monitoram a movimentação dos processos no STF que afetam direitos dos índios. Em carta aberta divulgada em junho, os parakanãs repudiaram a decisão do STF e disseram que "atos de conciliação" são "redução da terra indígena, atendendo os interesses de não indígenas que vêm invadindo, desmatando e garimpando ilegalmente o território".

Procurada para falar sobre a tensão registrado na terra indígena, a Funai respondeu: "Recomendamos entrar em contato com o Ibama, que é responsável pela operação".

A Secretaria de Comunicação da Presidência informou que "este assunto é de competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão responsável pela Funai".

O ministério de Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) também afirmou que "o tema é tratado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão responsável pela Funai. Por favor, envie a demanda para a assessoria de comunicação daquele órgão".

O Ibama informou que sua atividade na terra indígena está ligada ao cumprimento de uma decisão judicial, mas outros detalhes não foram divulgados.

A Vice-Presidência, ocupada pelo general Hamilton Mourão, que coordena o CNAL (Conselho Nacional da Amazônia Legal), disse que "a Vice-Presidência está acompanhando a questão. Os planejamentos e ações a serem adotados estão a cargo dos Ministérios competentes".

Procurado desde o final da manhã, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública não havia se manifestado até o fechamento deste texto.