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Rubens Valente

No interior do Amazonas, "uma situação extrema ainda pior do que 2020"

Governo do Amazonas transfere paciente para Curitiba em avião da FAB - Lucas Silva/Secom/Governo do Amazonas
Governo do Amazonas transfere paciente para Curitiba em avião da FAB Imagem: Lucas Silva/Secom/Governo do Amazonas

Colunista do UOL

29/01/2021 04h02

Resumo da notícia

  • Defensores públicos no interior do Amazonas relatam batalha para transferir pacientes a hospitais com leitos de UTI e garantir estoques de oxigênio

"A cada 12 horas estamos no limite crítico de oxigênio."

"O Amazonas é esquecido pelo país e o interior do Amazonas é esquecido dentro do próprio Estado."

"Todos os dias estamos lutando para garantir a vida dessas pessoas."

"É uma situação extrema ainda pior que a do ano passado."

Quatro defensores públicos no interior do Amazonas, que assistem judicialmente os pacientes mais pobres, sem recursos para contratar advogados, relatam o medo de que mais pessoas morram sem oxigênio ou à espera de um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em Manaus (AM), em meio à segunda onda da pandemia do novo coronavírus.

Não há UTI em todo o interior do estado, onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas. São localidades às vezes a vários dias de distância da capital em viagens de barco. A OMS (Organização Mundial de Saúde) preconizava, em tempos normais fora de uma pandemia, em média de um a três leitos de UTI a cada grupo de 10 mil habitantes. Assim, onde há zero seriam necessários de 200 a 600 leitos de UTI.

Sem UTI, os portadores de Covid-19 em situação mais grave são mantidos em leitos semi-intensivos até que o governo do Estado, por meio da Secretaria de Saúde, faça a remoção do paciente para Manaus (AM). As viagens ficam a cargo de um órgão específico que, na capital, se encarrega de organizar as planilhas de voos diários. Enquanto a remoção não ocorre, os pacientes recebem oxigênio medicinal que, assim como na Capital, também vive sob risco de desabastecimento no interior.

Duas prioridades: transferências e estoques de oxigênio

A Defensoria Pública funciona como o último recurso para garantia de direitos de muitas famílias que vêem seus parentes definhando nos hospitais à espera da UTI. A Defensoria está organizada em pólos, que englobam vários municípios com uma população que pode chegar a 250 mil pessoas em cada pólo. Defensores ajuizaram inúmeras ações nos últimos meses, desde o início da pandemia, para garantir direitos de pacientes e de seus parentes.

Os defensores atuam basicamente em duas frentes ao mesmo tempo: garantir remoções e cobrar do poder público a conferência e constante atualização dos estoques de oxigênio e de outros insumos dos hospitais.

Márcia Mileni é defensora em Tefé (AM), cujo hospital regional funciona como local de referência para cerca de 200 mil amazonenses de oito municípios do Médio Solimões.

"A situação do hospital é de colapso iminente. Temos um aumento expressivo da necessidade de um atendimento mais rigoroso dos pacientes. Temos o agravamento da pandemia com velocidade maior. Pacientes estão precisando ficar mais tempo hospitalizados. Estamos trabalhando no hospital de Tefé no limite. Já recebemos a informação de que alguns insumos estão em falta", disse Márcia à coluna na semana passada.

O abastecimento do oxigênio no município "é uma luta diária". Os cilindros são enviados continuamente a Manaus, onde são preenchidos e devolvidos em viagens de barcos que demoram de três a quatro dias. Qualquer erro na operação significa pôr em risco a vida dos pacientes.

A outra frente de batalha é garantir as remoções, por avião, dos pacientes mais graves. A Defensoria ajuizou uma ação para obrigar o estado a fazer a remoção dos casos urgentes.

"Chegamos a perder cinco pacientes que estavam na fila. Pacientes há mais de sete dias esperando um atendimento de urgência, mesmo assim não receberam a remoção. E chegaram a óbito aguardando uma resposta do estado."

'Espera angustiante' porque os familiares não sabem o lugar do paciente na fila

Os pacientes com quadro moderado da doença podem ser removidos por lancha ou barco, mas os casos graves de Covid-19 precisam de UTIs aéreas, que levam cerca de duas horas até Manaus. Porém, para autorizar o vôo a Secretaria de Saúde precisa ter certeza de que há leito de UTI disponível na capital.

Diariamente o sistema informa a rota que o avião vai fazer e quantos pacientes serão resgatados em cada município. Porém, até chegar esse dia as famílias e a Defensoria não têm como saber qual a posição do paciente dentro da fila das prioridades.

"É uma espera angustiante porque não temos essa transparência. A gente consegue, vez por outra, uma informação a respeito dessa fila, mas não é sistemático. Precisamos saber qual a colocação do nosso paciente entre todos os pedidos realizados no sistema. Qual a previsão de espera? Sabemos que é uma lista que se modifica com frequência. Alguns agravam, outros milagrosamente melhoram. A regra é que agravem. Então a gente precisa ter uma percepção mínima de como essa fila está andando, a ordem de preferência", disse a defensora Márcia.

Murilo Menezes do Monte, defensor público do pólo de Itacoatiara, que envolve cerca de 180 mil habitantes, disse que "a situação deste ano efetivamente está mais grave do que a do ano passado".

"Em dezembro, tínhamos pouco mais de 20 leitos para Covid-19. Em janeiro, o número saltou para 103 leitos. Uma demanda de quatro a cinco vezes mais do que era em dezembro. Já há duas semanas o risco do desabastecimento de oxigênio era diário. Chegamos alguns dias em que o estoque ficou extremamente crítico. Quinta-feira [último dia 14] foi um dos piores dias aqui", disse o defensor na semana passada.

"A demanda da saúde [no ano passado] não estava tão sufocante como está sendo hoje. Há uma gravidade bem evidenciada na situação atual. Tanto de internação quanto de contaminação. Estamos vendo muita gente contaminada, em número que não foi visto na primeira onda. E muitos jovens também."

A Defensoria Púbica ajuizou uma ação civil pública em conjunto com o Ministério Público a fim de garantir o fornecimento de oxigênio. "O Estado estava recebendo o oxigênio, ainda que de forma escassa, mas o produto não estava chegando normalmente ao interior. Pedimos a remoção dos pacientes considerados graves."

Desde o início de janeiro, quando a segunda onda passou a atingir Itacoatiara, a luta da Defensoria é no sentido de garantir a transferência dos pacientes graves. "Essa é a nossa maior preocupação. Todos os dias estão morrendo pacientes, inclusive pessoas jovens. Uma grávida, que estava aguardando transferência, chegou a conseguir, mas veio a óbito em Manaus. São muitas histórias, não há como não se envolver. Mas continuamos aqui, inclusive brigando para o comércio [não essencial] ficar fechado."

'Pandemia agravou o que já era caótico'

Gabriela Gonçalves, defensora pública de Parintins no pólo do Baixo Amazonas, que compreende quatro municípios com cerca de 250 mil habitantes, passou a trabalhar na região há cerca de um ano e meio. "Desde que cheguei, acompanho o caos na saúde no interior do estado. A pandemia só recrudesceu, só agravou, aquilo que já era caótico", disse a defensora à coluna na semana passada.

Parintins fica a cerca de 370 km de Manaus. São 24 horas de barco, 12 horas de lancha e cerca de uma hora de avião.

"O resgate aéreo é feito por um sistema regulatório, que fica em Manaus. Uma equipe fica selecionando quem será socorrido. O paciente do interior enfrenta uma fila dupla diante do colapso de leitos: Primeiro, passar pela regulação, 'conseguir o leito'. Depois é 'hoje tem avião para te buscar'."

Em Parintins não há UTI mas alguns centros de atendimento conseguem intubar o paciente até a chegada do resgate aéreo. Porém, como os leitos não são específicos de UTI, "o paciente começa a definhar, não tem hemodiálise, nutrição". "Várias pessoas morreram à espera do resgate aéreo" desde o início da pandemia, diz a defensora.

No hospital referência da região foram destinados 52 leitos para pacientes com Covid. Na semana passada, os doentes passaram de 120.

"Os familiares dos pacientes que estão em estado grave e que dependem 100% de oxigênio ficam o tempo todo angustiados. Depois de ajuizar a ação civil pública, depois da ação dos órgãos de controle, começou a ter um movimento maior, um avião da FAB com leitos de UTI. Foi a minha briga no ano passado inteiro."

'Todos os esforços são envidados para as remoções', diz governo do Amazonas

Em nota à coluna nesta quinta-feira (28), a Secom (Secretaria de Comunicação Social) do governo do Amazonas afirmou, na íntegra:

"A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) informa que as remoções obedecem a critérios definidos pelos médicos da Central Única de Regulação de Agendamento de Consultas e Exames (CURA), entre eles o de gravidade do caso e condições clínicas para que seja realizada a transferência.

"Todos os esforços têm sido envidados para remoção dos pacientes com maior celeridade, de acordo com a disponibilidade de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na capital do Amazonas.

"As transferências são autorizadas pelos médicos reguladores, de acordo com as informações repassadas pelas equipes médicas das unidades hospitalares, que avaliam a prioridade de remoção seguindo critérios definidos pela CURA.

"A SES-AM ressalta que os sistemas de saúde de 11 municípios são independentes, sendo gestão plena das Prefeituras Municipais. Ainda assim, o Governo do Estado nunca se furtou a auxiliar a administração local.

"Os 61 municípios do interior receberam recursos dos governos estadual e federal para o enfrentamento da Covid-19, totalizando R$ 346.017.747,65 em 2020. Somente o Estado, repassou às prefeituras R$ 76.486.187,44, do Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Estado do Amazonas (FTI), além de investir na estruturação de leitos, medicamentos, insumos e recursos humanos para a rede de saúde do interior.

"O Governo do Amazonas, ao longo do ano de 2020, implantou leitos de Unidades de Cuidados Intermediários (UCIs) equipadas com respiradores em todos os municípios do interior do Estado."