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Governo federal diz que pagar auxílio no Amazonas causaria 'grave lesão'
Em petição ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região nesta sexta-feira (5), a AGU (Advocacia Geral da União) pediu a suspensão da ordem da Justiça Federal de Manaus (AM) que determinou o pagamento de auxílio financeiro de R$ 300 em duas parcelas a fim de conter os efeitos sociais e econômicos da pandemia do novo coronavírus no Estado. A AGU argumentou que o pagamento causaria "grave lesão à ordem jurídica e administrativa", "violação grave à separação de Poderes" e "grave lesão à economia pública".
A AGU disse que o país "se encontra em uma posição frágil, inclusive para realizar políticas sociais necessárias" e que "a tomada de decisão de medidas com impacto fiscal requer o máximo de cautela, ponderando-se sempre os reflexos para a estabilidade econômica do país".
Nesta quarta-feira (3), o juiz da 3ª Vara Federal Cível de Manaus (AM), Ricardo Augusto de Sales, acolheu um pedido da DPU (Defensoria Pública da União) e ordenou que o governo federal prorrogue o pagamento de auxílio financeiro de duas parcelas de R$ 300 pelos próximos dois meses.
Na decisão, o magistrado rechaçou o argumento da União de que não há dinheiro para o auxílio emergencial ao mencionar os gastos com alimentos considerados não essenciais, como biscoitos, sucos, refrigerantes e sorvetes, e a política de não tributação sobre determinados "agentes que possuem capacidade contributiva", o que ocasiona, segundo o juiz, "a renúncia anual de bilhões de reais" em impostos federais.
"Atente-se que apenas com a aquisição desses itens não essenciais (biscoitos, sucos, refrigerantes e sorvetes) foram gastos R$ 148,1 milhões, valor suficiente para o pagamento de 493.905 benefícios de auxílio emergencial no valor individual de trezentos reais", escreveu o juiz.
Amazonas registrou, em janeiro, os piores números desde o início da pandemia no ano passado. Morreram em janeiro 2.832 pessoas por Covid-19 no Amazonas, contra 177 no mês de setembro passado, quando foi publicada Medida Provisória que prorrogou o auxílio financeiro no país.
A ação civil pública foi subscrita pelos defensores públicos federais Ronaldo de Almeida Neto, João Thomas Luchsinger, Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira, defensor regional de direitos humanos, e Raphael Caio Magalhães. Os defensores entendem que o pagamento do auxílio poderia fazer com que mais trabalhadores fiquem em casa, fazendo diminuir a circulação do vírus. Além disso, medidas emergenciais e temporárias de restrição de comércio não essencial já tomadas ou a serem tomadas por autoridades municipais e estaduais poderiam ser melhor aceitas pela população.
Na petição de 51 páginas entregue ao TRF-1 e subscrita pelos advogados da União Diogo Palau Flores dos Santos e Fábio Esteves Veiga Rua, a AGU argumentou que o pagamento determinado pelo juiz representaria um desembolso total de R$ 800 milhões. Para esse cálculo, a AGU faz referência a uma nota técnica feita pelo próprio órgão.
Além do valor, a AGU mencionou "o deletério e incomensurável efeito multiplicador, pois a cada nova situação emergencial poderia ser pleiteado junto ao Poder Judiciário, por qualquer indivíduo ou instituição, novo benefício emergencial em prol dos prejudicados".
Na petição, a AGU disse que a ação ajuizada pela DPU "abre um enorme espaço, sem autorização legislativa, para que o Auxílio Emergencial (Residual) seja pago após qualquer situação de emergência pública, gerando gastos sem qualquer previsão orçamentária e ensejando um efeito multiplicador incomensurável".
"A seguir a linha combatida [na petição], a cada nova situação emergencial o benefício emergencial seria devido aos respectivos prejudicados. Obviamente, não se está a dizer que o Estado não possa adotar, eventualmente - e por iniciativa própria do Poder Executivo -, medidas emergenciais para auxiliar a população que sofre com este tipo de acontecimento, mediante planejamento prévio; nada obstante, o Auxílio Emergencial (Residual) não pode ser agora implementado como uma potencial solução para qualquer problema relativo aos direitos sociais, muito menos, com a devida vênia a entendimento diverso, a partir de uma imposição feita pelo Poder Judiciário."
A AGU argumentou ainda que o Poder Judiciário "deve assumir um papel de autocontenção diante das escolhas administrativas, pois a sua interferência em uma função própria de outro Poder pode causar mais prejuízos à população".
Os advogados da União também abordaram a situação das finanças da União, ao afirmar que a ação "visa a impor à União gastos imediatos que simplesmente não foram planejados pelo ente público, o que ganha contornos ainda mais preocupantes em um cenário no qual os últimos esforços financeiros foram diversos daqueles de anos anteriores, em razão da necessidade de se combater a pandemia causada pela Covid-19".
Após citar números que constam do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) para 2021, encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional, a AGU disse que "o Governo Central vinha de um ciclo de déficits primários desde 2014, o qual deverá durar pelo menos até 2023. Com isso, fica demonstrado que a realização das políticas públicas por um período contínuo de 10 anos dependerá da disponibilização de fundos por parte dos investidores, uma vez que as receitas tributárias e outras de natureza primária (ou seja, exceto juros), são insuficientes para o pagamento desses gastos".
"Em resumo, a dívida pública está em patamar muito elevado. O nível de DBGG [Dívida Bruta do Governo Geral] está rompendo todos os níveis históricos do Brasil. Ainda, a dívida é muito alta em comparação com outros países [...]. A expectativa para 2020 revela que o endividamento brasileiro está próximo ao observado em países com classificação de alto risco [...] Fica evidente a urgência de se mudar o quadro fiscal do país, sobretudo evitando-se despesas novas que incrementem o déficit fiscal, bem como a necessidade de medidas que viabilizem a geração de resultados primários favoráveis à dinâmica de endividamento no médio prazo, por meio da aprovação de reformas estruturais."
Segundo a AGU, "o deferimento da medida liminar requerida repercutiria negativamente na economia pública, visto acarretar severos problemas de alocação de recursos públicos, alocação de pessoal e modificação formal de vários contratos administrativos".
Os advogados da União pediram a suspensão da liminar concedida em Manaus e o reconhecimento da "legitimidade constitucional do Poder Executivo e do Poder Legislativo na formulação e aplicação de políticas públicas, em especial as de cunho social". A petição da AGU está sob exame do desembargador e presidente do TRF-1 I'talo Fioravanti Sabo Mendes.
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