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Rubens Valente

REPORTAGEM

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MPF e DPU tentam adiar ação policial contra protesto de imigrantes no AC

Famílias acampadas na Ponte de Integração em Assis Brasil (AC) - Diego Gurgel/Secom Acre/Divulgação
Famílias acampadas na Ponte de Integração em Assis Brasil (AC) Imagem: Diego Gurgel/Secom Acre/Divulgação

Colunista do UOL

28/02/2021 19h09

Em duas petições protocoladas na noite deste sábado (27), o MPF (Ministério Público Federal) e a DPU (Defensoria Pública da União) tentam convencer a Justiça Federal do Acre a uma saída negociada para evitar o uso de forças policiais, solicitado pelo governo Bolsonaro em uma ação na sexta-feira (26), contra um grupo de imigrantes haitianos e de outros países que bloqueia a Ponte da Integração, entre Assis Brasil (AC) e Iñapari, no Peru.

O protesto começou no último dia 14 e, segundo o governo federal, impede a passagem de caminhões de carga. A crise é um desdobramento da pandemia do novo coronavírus, já que o Peru fechou suas fronteiras à entrada de estrangeiros. A partir daí, os imigrantes passaram a se concentrar na cidade de Assis Brasil à espera da reabertura da fronteira - hoje seriam cerca de 500, segundo estimativa do MPF.

De acordo com a socióloga Letícia Mamed, pesquisadora da UFAC (Universidade Federal do Acre), os imigrantes que estão acampados na ponte são de 50 a 60 e o protesto é pacífico, sem ataques a veículos ou motoristas. Letícia disse que os imigrantes pedem "desesperadamente atenção" para a situação que estão vivendo na cidade. Cerca de 150 estão em abrigo municipal, mas outros 100 vivem em situação de rua. O governo, a prefeitura e a comunidade têm prestado ajuda humanitária, mas o impasse persiste, já que o Brasil alega não ter recebido do Peru, pelas vias diplomáticas, nenhuma previsão sobre a reabertura da fronteira.

Após mobilizar a atenção de oito ministérios em Brasília, com relatórios e notas técnicas, a AGU (Advocacia Geral da União) pediu à Justiça Federal a autorização para o uso da força policial e que os líderes do movimento sejam identificados por oficial de Justiça, podendo ser multados em R$ 50 mil por hora. A AGU argumenta, entre outros pontos, que o protesto tem causado prejuízos econômicos.

Antes de decidir sobre o pedido, o juiz da 2ª Vara Federal do Acre, Herley da Luz Brasil, intimou o MPF e a DPU, citando que "o caso se refere a litígio coletivo que envolve situação delicada, em razão da vulnerabilidade social e econômica de imigrantes e do momento histórico da pandemia da Covid-19". As respostas chegaram no sábado e o magistrado pode decidir a qualquer momento sobre o pedido da União.

A DPU solicitou que seja realizada, antes de qualquer ação policial, uma audiência de justificação/conciliação na próxima quarta-feira (3) "visando a desobstrução consensual e pacífica da via pública", com a presença de representantes de todos os ministérios, prefeitura, governo estadual, polícias e "representantes do grupo de não nacionais que ocupa a Ponte de Integração".

A peça foi subscrita pelos defensores públicos federais Matheus Alves do Nascimento, do Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio, e Gabriel Saad Travassos do Carmo, secretário-geral de Articulação Institucional da DPU. A DPU deslocou para a região, a fim de acompanhar o caso, o coordenador nacional do GT, o defensor público federal João Chaves.

"Não basta à União meramente dizer que está destinando verbas para a Política de Migrações no Acre. É preciso mais: é preciso envio de servidores públicos para treinamento e capacitação dos agentes públicos estaduais e municipais, disposição de diálogo com todos os atores do sistema de migração, dentre muitas outras ações. Dentre os migrantes na Ponte, há crianças, adolescentes, mulheres, inclusive grávidas, e outras pessoas com necessidades especiais. Será que aguentar as fortes chuvas dos últimos dias, o medo do contágio por dengue ou Covid-19 é apenas um capricho?", indagou a DPU, na petição à Justiça.

A DPU explicou que a partir de 2010 milhares de haitianos vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor, mas isso mudou a partir da crise da pandemia e da economia no Brasil.

"Hoje há um contrafluxo: enganados pela falsa promessa de um novo futuro em outros países, ao chegarem à Ponte e verem a espartana negativa do Peru em abrir suas fronteiras, os réus [imigrantes] decidiram ocupar a Ponte de Integração Brasil/Peru e lá se revezam na esperança de uma mudança de decisão. Muitos, senão a maioria dos réus, não têm condições mais de se sustentar no Brasil, nem como voltar às cidades em que residiam. Tanto que têm dependido do fornecimento de alimentação pela Prefeitura de Assis Brasil, por organizações internacionais ou não governamentais, bem como abrigo público, chegando a ficar em situação de rua, conforme narrado pela Autora [União]."

Em sua manifestação, o procurador da República em Rio Branco (AC) Lucas Costas Almeida Dias neste sábado (27) pediu o indeferimento do pedido de tutela de urgência solicitado pela União, a fim de "garantir a permanência dos réus no local ocupado, como expressão máxima do direito de livre manifestação do grupo de migrantes" e a designação de inspeção judicial no local.

"No caso, a União não adotou nenhum plano prévio de remoção e de encaminhamento dos migrantes, caso a decisão judicial seja prolatada nos moldes requeridos. Aliás, a verdade é que o Governo Federal não fez praticamente nada para ajudar os migrantes até agora e, com certeza, não o fará depois de retirados à força da ponte", apontou o procurador.

"Tampouco está a se falar de desabastecimento completo ou de prejuízos financeiros de proporções gigantescas. É evidente que, sim, haverá algum tipo de prejuízo, mas a ponderação de interesses envolvidos - e a forte pressão que exercem sobre o governo peruano - pende em favor da autonomia dos indivíduos, da liberdade de expressão, do direito de reunião e da possibilidade de protesto pacífico", defendeu Dias.

"A partir de uma perspectiva consequencialista (que é justamente na qual se baseiam as premissas da AGU): caso este Juízo defira o pedido e autorize que as forças policiais retirem os migrantes da ponte, para onde é que irão essas pessoas? As crianças, idosos e mulheres que estão abandonados à própria sorte terão qual destino? Há plano de contingência? Há recursos destinados pelo Governo Federal para devida assistência, moradia e alimentos?", disse o representante do MPF.

Na petição ajuizada na sexta-feira, os advogados da AGU Natália Costa Aglantzakis, procuradora-chefe da União no Acre, e Iuri Marcondes Carvalho de Quadros, da Procuradoria Regional da União na 1ª Região, argumentaram que a União "se vê privada de exercer seu direito à posse e faculdades do domínio [sobre a ponte], o que já se afiguraria suficiente para caracterizar a urgência".

"A perpetuação de tal situação é injustificável, e representa, além de evidente violação à propriedade da União sobre o bem, uma premiação pela irregularidade da ocupação. A hipótese demanda atuação célere e firme do Egrégio Poder Judiciário, a fim de que se garanta o retorno do bem público ao controle da União Federal."