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Lira cria comissão e acelera projeto bolsonarista que muda lei antiterror
Resumo da notícia
- Organizações não governamentais e bancada do PSOL denunciam que proposta do deputado Vitor Hugo (PSL-GO) amplia controle sobre sociedade civil
- Presidente da Câmara criou comissão especial para o projeto após a Mesa reconsiderar uma decisão de 2019 a pedido do próprio Vitor Hugo, líder do PSL
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial que vai acelerar um projeto de lei que estava parado desde outubro de 2019 de autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) e que altera vários trechos da legislação antiterrorismo no país.
O texto, segundo organizações não governamentais e bancadas de partidos de oposição na Casa, estabelece "novas modalidades de controle da sociedade", tem por objetivo criminalizar lideranças e movimentos sociais e se trata de uma reedição da proposta apresentada em 2016 pelo então deputado federal Jair Bolsonaro.
Na última quinta-feira (18) Lira assinou um Ato da Presidência pelo qual criou a comissão especial destinada a dar um parecer sobre o projeto de lei nº 1595/2019, que altera duas leis sobre antiterrorismo, de 2001 e 1999, e amplia a chamada Lei Antiterrorismo, de nº 13.260, de 2016.
Na gestão do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), a proposta foi distribuída a várias comissões, mas não foi criada uma comissão especial e o projeto parou de tramitar em outubro de 2019 na comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a partir de obstruções feitas pela oposição. Também não andou ao longo de 2020 muito em função da pandemia, que provocou alterações no funcionamento das comissões da Casa.
A decisão agora de Lira só foi possível a partir de uma manobra regimental. Vitor Hugo protocolou, em 1º de março, um requerimento para incluir uma outra comissão na análise de mérito da matéria, a de Ciência e Tecnologia. A Mesa então voltou atrás de decisão tomada em 2019 e incluiu a nova comissão. Com isso, sobre o projeto de lei passou a incidir o inciso II do artigo 34 do Regimento Interno da Casa, segundo o qual pode ser objeto de comissão especial a proposição que "versar matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito".
Na prática, a comissão especial "pula" toda a tramitação das comissões. O relatório pode ser apresentado em até 40 sessões e, se aprovado, vai direto para o plenário.
A partir do ato de Lira, a base governista correu e já indicou os 14 titulares para a comissão especial, incluindo Major Fabiana (PSL-RJ), Osmar Terra (MDB-RS) e Carlos Jordy (PSL-RJ), além do próprio Vitor Hugo. Normalmente a composição demora alguns dias porque os líderes têm que ser consultados. A rapidez na indicação denota um prévio acerto entre os partidos da base aliada.
De acordo com organizações não governamentais, a proposta "resgata o texto" do projeto de lei 5825/2016, de Bolsonaro. Na justificativa de 2016, Bolsonaro falou sobre "o estabelecimento de ações contraterroristas de caráter preventivo e de caráter repressivo a serem conduzidas por tropas das Forças Armadas, por efetivos dos órgãos de segurança pública e por oficiais e agentes de inteligência".
O projeto do militar da reserva Vitor Hugo - ex-líder do governo na Câmara e atual líder do PSL - amplia as hipóteses dos atos tipificados como terrorismo, permite punir meros "atos preparatórios", estabelece que ações contraterroristas possam ser consideradas "hipóteses de excludente de ilicitude", abre espaço para infiltração de agentes públicos e para "técnicas operacionais sigilosas", entre várias outras alterações na atual legislação.
Uma coalizão de organizações não governamentais já se manifestou contrária à criação da comissão especial e encaminhou na sexta-feira (19) uma carta ao deputado Arthur Lira para pedir que ele reconsidere sua decisão. Na carta, as ONGs afirmaram que "é essencial que a presidência da Casa reforce o posicionamento de não pautar e não permitir a tramitação acelerada de projetos de lei que objetivam - sob qualquer pretexto - a vigilância, o solapamento da liberdade de expressão, manifestação ou reunião e ou criminalização da sociedade civil por meio de alterações na Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016)".
"O direito ao protesto, à livre manifestação e à reunião é intrínseco à democracia e posicionar-se nesse sentido [não permitir a comissão especial] é sinalizar que essa presidência respeita esses direitos fundamentais e entende o dever do Estado de garanti-los."
De acordo com as ONGs, a proposta de Vitor Hugo faz parte de uma "extensa lista de projetos" que estão na Câmara e que, se aprovados, "trarão enormes retrocessos e prejuízos ao espaço democrático em nosso país".
"Por essas razões, é ainda mais preocupante que sejam discutidos e negociados sem um debate público plural e amplo com todos os setores interessados. A tramitação do PL 1595/19 por comissão especial e no contexto do avanço e agravamento da pandemia de Covid-19 no Brasil torna essas questões ainda mais latentes."
A carta é subscrita por ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), Aliança Nacional LGBTI+, Artigo 19, Coalizão Direitos na Rede, Conectas Direitos Humanos, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesas), Instituto Sou da Paz, Intervozes, Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, Rede Justiça Criminal e Terra de Direitos.
Para ONGs, projeto não diferencia terrorismo de um crime comum
O projeto de lei de Vitor Hugo também já foi alvo, em 2019, de análises e críticas por parte do MPF (Ministério Público Federal) e da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados. Uma nota técnica de 2019 da então procuradora da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), Deborah Duprat, afirmou que "o fundamental, em todo esse processo, é que o exercício de legislar em tema com tamanho impacto na vida coletiva se faça acompanhar de estudos técnicos, avaliações e informes, sempre abertos à consulta pública".
Em nota técnica conjunta de 2019, a Conectas, o IBCCRIM, a Rede Justiça Criminal e o Artigo 19 pontuaram que, no projeto de Vitor Hugo, "não há qualquer elemento que diferencie o 'ato terrorista' de crimes comuns, pois os únicos requisitos para a sua configuração são resultados genéricos como 'perigo para a vida humana' e 'afetar a definição de políticas públicas', que sequer precisam se concretizar, uma vez que basta que o agente 'aparente ter a intenção' de causá-los".
"Outras definições estipuladas pelo projeto relacionam-se diretamente a este conceito, a exemplo das noções de 'infraestrutura crítica' ('estrutura física, construída pela ação humana, cuja destruição ou neutralização traria impactos significativamente negativos em um ou mais dos seguintes aspectos: político, econômico, social, ambiental ou internacional') e 'recurso-chave' ('bem ou o sistema garantidor da sobrevivência do ser humano ou de seu bem-estar'), igualmente genéricas e imprecisas."
Em nota técnica de 2019, a bancada do PSOL apontou que:
1) "O PL cria um novo conceito de 'ato terrorista', tornando impossível diferenciá-lo de um crime comum (art. 2º), e criminaliza a mera intenção (art. 1º), violando o princípio da taxatividade do direito penal e abrindo espaço para ainda mais violações de direitos fundamentais;
2) "O PL determina que ações contraterroristas em geral configuram hipóteses de excludente de ilicitude e de culpabilidade do Código Penal (art. 13). O que, somado à amplitude dos conceitos que propõe, abre espaço para a licença para matar já negada pelo GT Penal e Processual Penal desta Casa;
3) "O PL inclui acesso indiscriminado a dados privados de pessoas suspeitas (art. 11) e cria mecanismos de infiltração de agentes públicos (art. 6º) de modo altamente lesivo aos direitos fundamentais constitucionais."
Deputado do PSOL diz que projeto 'fortalece a linha autoritária' do governo
O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) afirmou à coluna que o ato de Arthur Lira "é preocupante e exige toda nossa movimentação e acompanhamento para derrotar essa matéria".
"É um projeto de Vitor Hugo em aliança com o governo Bolsonaro para ampliar o processo de controle de comunicações e só teoricamente de enfrentamento ao terrorismo. Na verdade a gente sabe que essa turma não tem limites para a perseguição de adversários políticos. O projeto é mais um elemento que fortalece a linha autoritária e a tentativa de fechamento do regime por parte do governo", disse o parlamentar.
Procurado pela coluna no seu telefone celular neste domingo (21), Vitor Hugo não foi localizado. Na justificativa do seu projeto de 2019, ele escreveu que "o fenômeno terrorista é extremamente complexo" e que "está cada vez mais visível no país e isso não se resume à realização de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016".
O deputado escreveu que houve "ameaças terroristas" quando da posse de Bolsonaro, em 2019, e mais ameaças "contra o presidente da República, seus familiares e membros do primeiro escalão do governo". Sem apresentar nenhuma prova sobre a afirmação, o parlamentar procurou criminalizar os grupos denominados antifascistas sob o argumento de que eles e "grupos similares pedem a luta armada para a tomada do poder".
"Lamentavelmente, o país tem sido palco de sucessivas manifestações motivadas pelo extremismo e até pelo ódio, onde se tem verificado mortes e onde o vandalismo e as agressões têm sido a tônica", argumentou o parlamentar na justificativa.
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