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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Defensoria alerta União sobre escassez de oxigênio em 28 municípios de MT

Motorista entrega cilindros de oxigênio no Hospital Municipal Antônio Batista da Silva, em Bela Vista de Goiás - Arquivo pessoal
Motorista entrega cilindros de oxigênio no Hospital Municipal Antônio Batista da Silva, em Bela Vista de Goiás Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

23/03/2021 17h16Atualizada em 23/03/2021 22h03

A empresa que fornece oxigênio medicinal para uma vasta região formada por 28 municípios com cerca de 700 mil moradores no norte de Mato Grosso informou, por meio de uma notificação extrajudicial ao governo e às prefeituras, que não deverá ter o produto à venda até a próxima quinta-feira (25).

Ao saber da notícia, divulgada por vários meios de comunicação de Mato Grosso nesta segunda-feira (22), a DPU (Defensoria Pública da União) e a DPE (Defensoria Pública do Estado de MT) ajuizaram uma ação civil pública na Justiça Federal de Cuiabá (MT) para que seja determinado com urgência "que a União forneça logística adequada, como por exemplo através do transporte de oxigênio medicinal em aviões da Força Aérea Brasileira ou outro meio, para garantir que o oxigênio medicinal, em quantidade suficiente" às 28 cidades.

(PS: na noite desta terça-feira, após a divulgação da primeira versão desta reportagem, o juiz federal Hiram Armênio Xavier Pereira acolheu o pedido das Defensorias e determinou à União, entre outros pontos, que "imediatamente forneça logística adequada pelo meio mais célere, considerando a urgência do caso, a fim de garantir que quantidade suficiente de oxigênio medicinal chegue quanto antes aos Municípios do Estado de Mato Grosso, articulando as ações com o Estado e Municípios"; e que "imediatamente, identifique em outros Estados a possibilidade de fornecer cilindros de oxigênio gasoso em condições de serem transportados pela via aérea para atender à demanda urgente dos Municípios de Mato Grosso em cumprimento à cooperação constitucional e legalmente imposta".)

A região conhecida como "Nortão" é caracterizada por grandes distâncias e diversas comunidades rurais e terras indígenas que são atendidos por poucos hospitais de referência e poucos leitos de UTI. Os municípios adquirem o oxigênio da empresa Dois Irmãos, sediada de Sinop, onde os cilindros são carregados e trazidos de volta aos hospitais em viagens diárias de até cinco horas.

'Aqui chegou o colapso na saúde', diz prefeito de MT

O prefeito de Guarantã do Norte, Érico Stevan Gonçalves (PRB), que também recebe pacientes do sul do Pará de localidades distantes mais de 200 km, disse por telefone ao UOL: "Aqui chegou o colapso na saúde. Temos seis pacientes intubados, 22 internados. Estamos indo de três a quatro vezes por dia a Sinop para carregar os cilindros. Antes [da segunda onda da pandemia], o consumo era em torno de 10 a 15 cilindros por semana. Hoje essa quantidade acaba a cada seis horas. A gente trabalha no limite".

A cidade não tem leitos de UTI e os pacientes são intubados em salas de estabilização. Segundo o prefeito, no final de semana a prefeitura soube do problema com a fornecedora de oxigênio em Sinop e também passou a pegar o produto "emprestado de outros municípios, estamos nos desdobrando". Cada viagem de camionete carregada com 40 cilindros a Sinop demora de 4 a 5 horas. De acordo com o prefeito, se o problema na empresa não for resolvido logo, será o caos.

"Essa variante da Covid, a P1, veio mais forte. Agora está tendo muitos casos de jovens com a doença. Agora não está escolhendo mais obesos nem portador de comorbidades." Segundo Gonçalves, a prefeitura trabalha em regime de urgência para montar uma usina e tanque que poderiam acondicionar até 6 mil litros de oxigênio, mas a obra deve demorar mais de 15 dias para ficar pronta. A prefeitura também pretende criar dez leitos de UTI.

O prefeito de Peixoto de Azevedo (MT), Maurício Ferreira de Souza (PSD), afirmou ao UOL que a situação "é preocupante" e, nos últimos 15 dias, "está bastante tensa". A prefeitura fez uma campanha de coleta de cilindros em empresas e indústrias da região. Eles foram transformados em 50 cilindros para oxigênio medicinal. A cidade recebe pacientes de inúmeras cidades, pois tem um hospital de referência.

"O hospital está com seus 30 leitos de enfermaria praticamente todos ocupados e os 10 leitos de UTI estão todos ocupados e com gente na fila de espera. Situação bastante complicada, bastante tensa. Eu diria que ainda não colapsou, mas o sistema está bastante preocupante. Ainda a gente consegue... Se houver um recuo dos casos nos próximos 15 dias, a gente pode até sair dessa. Bastante desesperadora a situação. Estamos ainda conseguindo contornar. Não sei até quando."

Apesar da escalada da pandemia, os dois prefeitos ainda não decidiram por um lockdown. Gonçalves disse que a medida "está descartada". Ambos afirmam que estão insistindo para que as pessoas evitem aglomerações e tomem medidas de higiene. Em Peixoto, segundo o prefeito, há toque de recolher noturno e proibição de bebidas alcoólicas. Ele disse que poderá adotar medidas rígidas contra pessoas que, segundo ele, mesmo doentes são vistas caminhando nas ruas.

"Acontece muito de uma pessoa, de maneira irresponsável, sabe que está com Covid mas vai ao mercado, sai à rua normalmente. Chegamos a pensar em tomar alguma medida de monitoramento mais duro desses pacientes, estamos avaliando."

Mapa entregue ao governo de MT pela empresa de oxigênio Dois Irmãos mostra as cidades que ela atende no norte de Mato Grosso - Reprodução - Reprodução
Mapa entregue ao governo de MT pela empresa de oxigênio Dois Irmãos mostra as cidades que ela atende no norte de Mato Grosso
Imagem: Reprodução

De acordo com a petição entregue pela DPU e DPE à Justiça Federal, a empresa Dois Irmãos fornece oxigênio para Colniza, Aripuanã, Nova Bandeirantes, Juruena, Castanheira, Nova Monte Verde, Apiacás, Paranaíta, Carlinda, Nova Guarita, Nova Canaã do Norte, Colíder, Itaúba, Juara, Brasnorte, Tapuara, Lucas do Rio Verde, Vera, Sinop, Cláudia, Marcelândia, Terra Nova, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte, Diamantino, Nova Mutum e Água Boa.

No dia 22, a empresa informou por escrito o risco do colapso no fornecimento do produto. Ela disse que seu estoque de 20 mil m³ poderia abastecer a região por dez dias se fosse mantida a média diária normalmente registrada de 2 mil m³. Porém, a pandemia explodiu em toda a região e "a demanda no líquido/oxigênio passou abruptamente em 18 de março para 10 mil m³/dia".

A empresa explicou que colhe o oxigênio em caminhões em Cubatão (SP), na sede da empresa Messer. No dia 15, porém, a Messer informou uma mudança na logística de abastecimento, o que forçou a empresa de Sinop a pegar o produto em Santa Cruz (RJ), um acréscimo de 463 km na viagem, que tem um total de 2.900 km. Assim, a Dois Irmãos só conseguirá suprir seu estoque na quinta-feira (25). Considerando o atual consumo diário, a Dois Irmãos calculou que não deverá haver oxigênio no "apagão" entre os dias 22 e 25.

A DPU e a DPE afirmaram na ação civil pública ajuizada contra União, governo do Estado e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária): "No caso em análise salta aos olhos o interesse federal na questão trazida a juízo, pois estamos diante de falha no abastecimento de oxigênio em nível nacional que atingiu o Estado de Mato Grosso, sendo responsabilidade da União a tomada de providências visando a regularização do fornecimento de tal insumo, nos termos da legislação acima citada".

"Diante de uma pandemia grave que já perdura mais de um ano, com o triste exemplo do Estado de Amazonas onde houve falta de oxigênio que comoveu todo o país, a falha na prestação do serviço de fornecimento de oxigênio no Estado de Mato Grosso se mostra inadmissível e deve ser sanada de forma imediata e definitiva", diz o órgão na petição subscrita pelo defensor público federal Renan Vinicius Sotto Mayor, defensor regional de direitos humanos, e pelo defensor público estadual Fábio Barbosa.

Governo de MT diz que já avisou ao Ministério da Saúde

Em nota à imprensa nesta segunda-feira (22), o governo de Mato Grosso confirmou que o problema envolve não 28, mas 50 municípios do Estado, disse que já acionou o Ministério da Saúde para "ajudar a restabelecer as condições e garantir o abastecimento [de oxigênio] nestas cidades".

A nota do governo, na íntegra, foi a seguinte:

"Sobre a falta de oxigênio e medicamentos para UTIs, o Governo de Mato Grosso esclarece:

1- A Secretaria de Estado de Saúde tomou todas as providências necessárias para garantir o contínuo fornecimento de oxigênio nos hospitais de sua responsabilidade. Entre as medidas adotadas estão os aditivos contratuais, aumento de reservatórios e diálogo com fornecedor sobre logística. Apesar do consumo 250% maior que a média normal, neste momento, o abastecimento na rede estadual está garantido.

2- Nos últimos 3 dias, dois distribuidores privados de oxigênio, que atendem à aproximadamente 50 municípios, alertaram para a dificuldade de logística, pois o abastecimento das cargas era realizado na cidade de Cubatão, em São Paulo, e foi transferido para o Rio de Janeiro. O fato está causando um tempo maior de transporte e, com isso, risco de desabastecimento. Neste momento não existem veículos disponíveis no país para ampliação da frota;

3- O Governo já acionou o Ministério da Saúde, que coordena a logística de fornecimento de oxigênio no país, para ajudar a restabelecer as condições e garantir o abastecimento nestas cidades. Segundo os dois distribuidores, se for resolvida a logística do local de embarque o problema estará solucionado;

4- A falta ou os baixos níveis de estoque de medicamentos para UTI é uma realidade em todo o país;

5- A Secretaria de Estado de Saúde já realizou compra antecipada destes medicamentos em 2020 e não existe, até o momento, risco de desabastecimento para as UTIs sob sua responsabilidade.

6- O Governo também monitora as UTIs privadas e dos hospitais municipais para ajudar a evitar o desabastecimento.

7- O Ministério da Saúde também é quem coordena, neste momento, todas as ações para tentar garantir o fornecimento desses medicamentos no país."