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Rubens Valente

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com 3 diretores em 2 anos, governo Bolsonaro faz da PF um terreno movediço

Vídeo divulgado pela Polícia Federal em 8.abril.2021 mostra o então diretor-geral da PF, Rolando Souza, representando a inauguração da nova sede do órgão, em um prédio alugado em Brasília - Polícia Federal/redes sociais
Vídeo divulgado pela Polícia Federal em 8.abril.2021 mostra o então diretor-geral da PF, Rolando Souza, representando a inauguração da nova sede do órgão, em um prédio alugado em Brasília Imagem: Polícia Federal/redes sociais

Colunista do UOL

18/04/2021 18h52

O último diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza, foi defenestrado do cargo de forma tão rápida e surpreendente que não teve tempo de inaugurar o que imaginava ser a maior realização do seu mandato: a "nova sede" do órgão, na verdade um prédio alugado na Asa Norte de Brasília.

A cerimônia oficial, para a qual Rolando planejava contar com as presenças do ministro da Justiça e do presidente Jair Bolsonaro, entre outros convidados, foi adiada e por fim cancelada. Como consolo, a PF divulgou um vídeo no qual Rolando e seus auxiliares aparecem "inaugurando" sozinhos o prédio. Rolando surge no final da gravação se despedindo melancolicamente com um chavão: "As pessoas passam, mas as instituições ficam". Têm passado cada vez mais, aliás.

Naquilo que já demonstrou ser muito efetivo - semear a divisão e produzir confusão -, Bolsonaro tumultuou o ambiente administrativo e político na Polícia Federal com a nomeação de três diretores-gerais num espaço de apenas dois anos e quatro meses. Cada nomeação de um diretor-geral significou a alteração de todas as cinco diretorias vinculadas ao diretor, em Brasília, e de vários superintendentes nos Estados, incluindo servidores que haviam acabado de mudar de cidade com família e tudo.

O único paralelo sobre tamanha instabilidade no órgão só é encontrado no final do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) quando, de março de 1999 a dezembro de 2002, cinco delegados diferentes ocuparam a cadeira. Antes disso, contudo, FHC havia mantido o delegado Vicente Chelotti por quatro anos no cargo.

(Bolsonaro fez até uma quarta nomeação, a do delegado Alexandre Ramagem, que só não tomou posse porque o ministro do STF Alexandre Moraes impediu.)

A coluna conversou com delegados, agentes e peritos nos últimos dias - pediram para não ter os nomes publicados. Eles disseram que a principal consequência do entra e sai no comando da PF é o adiamento da elaboração e apresentação de projetos de médio ou longo prazos que poderiam aprimorar o trabalho da PF.

Principalmente durante as operações da PF, que sempre ganham uma dimensão pública, um pequeno erro pode ser um enorme erro porque tratam de vidas e reputações. Uma prisão e uma busca e apreensão na casa ou empresa são traumas que acompanharão para sempre um inocente. Além disso, há o eterno risco do uso de inquéritos para perseguições político-ideológicas.

No decorrer dos últimos 18 anos, desde quando as operações se tornaram mais comuns a partir do primeiro ano do governo Lula, em 2003, na gestão do delegado Paulo Lacerda (2003-2007), a PF afirma que busca constantemente o aprimoramento de seus métodos de investigação e de desencadeamento da operação - se tem sido bem sucedida ou não, é outra história.

O mantra repetido na instituição ao longo dos anos é que o policial deve seguir padrões tanto nos inquéritos quanto na fase de cumprimento das ordens judiciais. Quanto mais dentro do padrão, menor a chance de um erro. Por isso, sublinham os policiais, uma gestão mais sólida e previsível tem melhores condições de identificar os erros, pela experiência acumulada, e aprimorar os mecanismos de planejamento e controle interno. Se a PF identifica corretamente seus problemas, pode tentar as soluções de consenso, a partir de estudos e debates internos, dentro de um plano de trabalho mais ou menos conhecido por todos.

Isso fica muito mais difícil, dizem os policiais, num ambiente politicamente tumultuado como o instalado pelo governo Jair Bolsonaro dentro da Polícia Federal. Em primeiro lugar, pela dança das cadeiras que a própria mudança da direção-geral provoca em toda a instituição. Até os novos diretores e superintendentes tomarem pé da situação em seus novos cargos, diz um policial antigo na ativa, são necessários no mínimo seis meses.

Para um ex-diretor, "o ano de 2021 já está perdido", levando em conta o tempo que será necessário para a ambientação dos novos ocupantes de cargos de chefia.

Um policial comenta que a área mais atingida com as constantes substituições é a técnico-científica da perícia criminal federal, que depende de programações orçamentárias e administrativas de médio e longo prazos, num setor que necessita de constante atualização. A cada troca de diretor, as propostas são novamente apresentadas e debatidas. Além disso, precisam ser defendidas junto ao Ministério da Justiça, ao qual a PF está subordinada.

Se não houver a aprovação do diretor-geral e do ministro, os projetos simplesmente não vão para frente. Uma proposta previamente aprovada por um ex-diretor precisa novamente ser explicada e defendida ao novo gestor. E assim os meses vão passando.

Para um ex-integrante da direção geral ouvido pela coluna, há uma lógica nessa sequência de trocas durante os dois anos do governo Bolsonaro. Seria tão somente uma estratégia para instalar o caos administrativo a fim de atrapalhar o órgão, dificultando o pleno exercício de suas funções. Entre as quais está a de identificar e reprimir eventuais crimes dentro do próprio coração do Executivo, em Brasília.

Para quem duvida da hipótese, diz o policial, basta olhar para outros órgãos de fiscalização e controle na área ambiental, como o Ibama e o ICMBio, nos quais vários diretores foram trocados por policiais militares nomeados pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Além disso, esses órgãos tiveram seu papel substituído, na prática, pelas Forças Armadas, na figura do vice-presidente, Hamilton Mourão, que criou um certo "Conselho Nacional da Amazônia Legal" - do qual o Ibama e a Funai não participam - e operações militares.

A PF não está esvaziada como os órgãos de controle ambiental nem dominada por servidores estranhos aos quadros do órgão. Até porque uma lei aprovada durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2016) prevê que o cargo de diretor-geral é privativo de delegado da PF de classe especial. A medida, aparentemente banal, impede que a PF seja comandada, por exemplo, por um general de Exército. Isso não garante, contudo, que não esteja sendo sabotada por paralisia momentânea gerada pelas constantes trocas, exatamente para que não funcione como deveria.

Está cada vez mais claro que o entra e sai é um teste de fogo para a Polícia Federal. Motivados por toda essa instabilidade, grupos internos com uma agenda ideológica e a intenção de mudar os rumos do órgão podem ganhar força.

Antigos e atuais gestores estão convictos de que o órgão suportará uma ameaça nesse sentido, pois teria construído uma governança segura ao longo dos anos. Alguns dos novos gestores setoriais, como o delegado Luís Zampronha - que, por exemplo, não cedeu às pressões em redes sociais bolsonaristas e se recusou a indiciar jornalistas no caso da Vaza Jato, já que não havia nenhuma prova contra eles - já demonstraram ter estofo e disposição para contornar situações do gênero não republicanas.

Mas o problema nem são os nomes, e sim o processo político do governo central que tornou a PF um campo minado e um terreno movediço, sobre o qual ninguém consegue prever o dia seguinte.