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Rubens Valente

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Há 7 dias governo descumpre ordem de proteção permanente aos ianomâmis

Colunista do UOL

19/05/2021 04h01

Em ofício dirigido nesta segunda-feira (17) ao Ministério da Defesa, o Ministério Público Federal disse que a União descumpre, desde o último dia 12, uma ordem da Justiça Federal de Boa Vista (RR) para que a União providencie segurança permanente aos indígenas da região do Palimiú, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

A aldeia foi atacada várias vezes nos últimos dias por garimpeiros que ilegalmente atuam na terra indígena. De acordo com os ianomâmis, duas crianças, de um e cinco anos de idade, morreram afogadas na confusão que se seguiu a um ataque a tiros promovido por garimpeiros no último dia 10. Segundo os indígenas, outras cinco pessoas saíram feridas, das quais quatro garimpeiros e um ianomâmi.

No dia 11, o procurador da República em Boa Vista Alisson Marugal requisitou à Justiça Federal que a União fosse obrigada a deslocar tropa policial ou militar "para segurança ininterrupta, vinte e quatro horas por dia" na região do Palimiú. O pedido foi feito no bojo da Ação Civil Pública pela qual o MPF pede a retirada dos garimpeiros da terra indígena — são mais de 20 mil invasores, segundo os indígenas denunciam há mais de dois anos.

A 2ª Vara Federal de Roraima acolheu o pedido do MPF no dia 12 e determinou que a União "mantenha efetivo armado de forma permanente na comunidade Palimiú para evitar novos conflitos e garantir a segurança de seus integrantes", segundo texto distribuído pelo MPF à imprensa no dia 13. "Foi estabelecido prazo de 24 horas para que a União informe e comprove nos autos o envio de tropa para a comunidade da Terra Indígena Yanomami (TIY), sob pena de multa a ser fixada", informou o MPF no dia 13.

A Polícia Federal havia deslocado na mesma terça-feira (11) um efetivo para a região. Os policiais chegaram a trocar tiros com os garimpeiros. Mas, de acordo com os líderes indígenas, em seguida os policiais se retiraram e o governo não providenciou uma base permanente. Tanto que, na noite de domingo (16), novamente a comunidade foi atacada, inclusive com bombas de gás lacrimogêneo, segundo as denúncias das lideranças ianomâmis.

Na quinta-feira (13), um grupo de militares esteve na região do Palimiú mas novamente foi embora horas depois, sem erguer um acampamento ou uma base de fiscalização. Assim, pelo menos desde quarta-feira da semana passada não há policiais ou militares no Palimiú. Teriam ocorrido apenas sobrevôos até o dia 14. A tensão é crescente na região e os indígenas agora dizem que vão revidar a novos ataques dos garimpeiros.

O descumprimento da decisão judicial da Justiça Federal de Roraima foi lembrado ao ministro da Defesa, Braga Netto, pela subprocuradora-geral da República, Eliana Peres Torielly de Carvalho, por meio de um ofício encaminhado nesta segunda-feira (17).

"Ainda no dia 11/05/21, o procurador da República que atua em Roraima, Alisson Marugal, requereu judicialmente que a União destacasse imediatamente tropa policial e/ou militar para permanência ininterrupta, vinte e quatro horas por dia, na comunidade indígena Palimiú, a fim de zelar pela segurança daquela população e responder a novos ataques por parte de garimpeiros. O pedido foi deferido em 12/05/21 (autos n.º 1001973- 17.2020.4.01.4200, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima), porém a decisão judicial segue sem cumprimento", explicou a subprocuradora, que coordena a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, vinculada à PGR (Procuradoria Geral da República).

"Imprescindível o imediato destacamento de força pública à localidade e sua permanência na localidade, a fim de garantir a segurança de seus membros, debelar novos atos de vingança dos garimpeiros e assegurar a utilidade do processo em relação à comunidade Palimiú. Considerando a recalcitrância da União em cumprir a ordem judicial e atuar permanentemente na TI [terra indígena], solicito, com urgência, apoio desse Ministério da Defesa, com envio de aeronave para possibilitar deslocamento de grupo tático da Polícia Federal para atuar
na região", escreveu a subprocuradora.

Nesta terça-feira (18), a PGR informou que o Ministério da Defesa se comprometeu a enviar uma aeronave para dar apoio a uma equipe da Polícia Federal. O meio mais usado de acesso ao Palimiú pelos órgãos públicos é o aéreo. Os garimpeiros, contudo, chegam à aldeia em barcos pelo rio Uraricoera.

Na tarde desta terça-feira ocorreu em Boa Vista (RR) uma audiência na Justiça Federal entre representantes de órgãos do governo federal, indígenas e o MPF de Roraima. Os órgãos do Executivo apresentaram justificativas e citaram supostas dificuldades para cumprir a ordem judicial de erguer uma base permanente. Alegaram ainda dificuldades meteorológicas para realizar os vôos.

Com a notícia de que o avião será liberado pela Defesa, o MPF espera que alguma ação policial seja desenvolvida na região do Palimiú ainda nesta quarta-feira (19). Desde o relato do novo conflito, no domingo, nenhum órgão do Executivo esteve na região sequer para apurar oficialmente o que aconteceu.

Mas ainda não está claro se e quando a União pretende cumprir a ordem judicial da Justiça Federal de Roraima de montar uma base permanente de proteção. O Exército tem dito nas reuniões que vai atuar no apoio logístico necessário assim que for requisitado pelos outros órgãos e que não seria sua função instalar uma base no Palimiú a fim de proteger os indígenas de forma permanente.

Argumento semelhante — de que não seria sua função fazer segurança permanente dos indígenas — foi apresentado pela PF nas reuniões. Ao mesmo tempo, a PF se disse pronta a deslocar uma equipe ao Palimiú a qualquer momento, desde que consiga o deslocamento aéreo.

Segundo a PGR, o ministro da Defesa, Braga Netto, respondeu à 6ª Câmara do MPF sobre o pedido de um avião que o ministério "já realizou ações neste escopo", "empregando parcela de tropa e aeronave do Exército brasileiro", entre os dias 10 e 14 de maio. "Em virtude das novas demandas operacionais da PF, a pasta informa que irá disponibilizar uma aeronave para, caso as condições meteorológicas permitam, prestar apoio logístico às ações da instituição", informou a PGR.

Os indígenas temem justamente que o trabalho pontual das tropas policiais ou militares, sem pernoite no Palimiú, dê aos garimpeiros a chance de escolher o melhor momento para um ataque, principalmente à noite, como ocorreu no domingo. Além disso, revela aos garimpeiros o descompromisso da União na proteção efetiva dos indígenas e da própria terra indígena.