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Câmara faz andar projeto sobre terrorismo proposto por Bolsonaro em 2016
Por decisão do seu presidente, Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial que elegeu o presidente nesta terça-feira (29) e acelerou os trabalhos para tentar aprovar um projeto de lei que foi apresentado em 2016 pelo então Jair Bolsonaro e estava parado desde 2019 na Casa.
O projeto nº 1595/2019 altera duas leis sobre antiterrorismo, de 2001 e 1999, e amplia a chamada Lei Antiterrorismo, de nº 13.260, de 2016. O projeto foi condenado em pareceres do Ministério Público Federal e de diversas organizações não governamentais de direitos humanos. Segundo as ONGs, a iniciativa faz parte de uma "extensa lista de projetos" na Câmara que, se aprovados, "trarão enormes retrocessos e prejuízos ao espaço democrático em nosso país". Em carta, elas pediram que Arthur Lira abandonasse a ideia de criar a comissão especial sobre a matéria, mas o presidente da Câmara a manteve.
Submeter um projeto a uma comissão especial cria uma espécie de rito sumário, ao impedir que ele tramite em outras comissões e permitir que ele vá direto para análise do plenário da Câmara. O projeto estava parado desde 2019 na Câmara e passou a andar com a eleição de Arthur Lira, após uma manobra regimental.
A sessão desta terça-feira a princípio foi presidida pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS), que ganhou notoriedade pelo negacionismo durante a pandemia do novo coronavírus. Os deputados então elegeram um deputado da base bolsonarista para presidir a a comissão, Evair Melo (PP-ES), que por sua vez escolheu como relator outro bolsonarista, um escrivão da Polícia Federal, Ubiratan Sanderson (PSL-RS).
Presidente da comissão agradeceu a Bolsonaro
O texto do projeto original de Bolsonaro, protocolado em 2016 e nunca aprovado, foi copiado e reapresentado em 2019 pelo deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO). Na reunião desta terça-feira, o deputado Evair Melo contou que a proposta de 2016 também foi escrita por Vítor Hugo, quando ele era consultor na Câmara dos Deputados. O presidente da comissão elogiou Bolsonaro.
"Também fica nosso reconhecimento e nosso agradecimento ao então deputado Jair Bolsonaro, que apresentou esse tema aqui nessa Casa e sendo talvez então o parlamentar proponente para que iniciássemos o debate aqui nessa Casa e tendo na consultoria legislativa o hoje deputado, então consultor, Major Vitor Hugo."
O deputado Sanderson, escolhido relator da proposta, disse que é "amigo e admirador" de Vitor Hugo. Sugeriu que ele faça "um livro" sobre o assunto. "Cumprimento meu amigo, Major Vitor Hugo, que vai ser sempre major, afinal de contas está no seu DNA a caserna, e esse projeto - mesmo sendo aprovado, que será - dará certamente um livro porque tu traz na construção do projeto a história da sua vida desde jovem, indo para a academia militar, e depois chegando como consultor, construindo um anteprojeto assinado por alguém que nada mais é do que o presidente da República. Veja as coincidências da história que faz com que esse projeto, mesmo sendo aprovado depois, deve ser sim, essa iniciativa, ser transformada num livro."
Outro bolsonarista membro da comissão especial, o deputado federal General Girão (PSL-RN), disse durante a reunião que o foco do projeto de lei deverão ser "movimentos sociais" que, segundo ele, "praticam atos de terror".
"[No Brasil] não estamos livres [do terrorismo], porque movimentos sociais também praticam atos de terror, de maneira às vezes indiscriminada ou até mesmo às vezes de maneira seletiva, quando fazem invasões e depredações. Isso é aterrorizar as pessoas. É exatamente isso que a gente precisa, com esse projeto de lei, discutirmos e levarmos adiante porque o Brasil precisa ser mais rígido. Nossa Bandeira chama as duas palavras, ordem e progresso, então se nós queremos ter isso daí, temos que combater qualquer tipo de violência terrorista, quer seja urbana ou rural", disse Girão.
A possibilidade de que o projeto de lei de Bolsonaro/Vítor Hugo seja usado para perseguição de movimentos sociais e críticos do governo é justamente o principal temor dos críticos do projeto.
Na sessão, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) repudiou a fala de Girão. "O deputado falou, dando a entender, do movimento sem-teto, seis milhões de pessoas que não tem onde dormir, não tem casa. Num país que tem mais imóveis desocupados do que pessoas sem casa. Na verdade, o que nós temos aqui é um projeto eivado de vícios, uma lista imensa de enormes projetos que tem como intuito criminalizar os movimentos sociais, as lideranças, as bases, as organizações da sociedade civil. Um projeto que regulamenta o que o presidente vem tentando fazer de maneira ilegal, o aparelhamento dos órgãos policiais para objetivos pessoais e políticos", disse a parlamentar.
Melchionna disse que o projeto de Bolsonaro-Vitor Hugo "é claramente inconstitucional". Ela disse lamentar que a Câmara crie uma comissão especial para discutir projeto sobre terrorismo em um momento "gravíssimo" de crise com a pandemia do novo coronavírus. Para a parlamentar, a bancada de Bolsonaro acelera a aprovação do projeto a fim de impedir manifestações de rua contra o presidente que começam a ganhar corpo no país.
"Ele [Bolsonaro] tenta a todo momento suprimir as liberdades democráticas e no momento em que ele é mais questionado. 60% do povo rejeitam esse governo. Nós temos manifestações gigantes, 750 mil brasileiros que foram às ruas. [...] Tenta, no seu enfraquecimento, endurecer a legislação para criminalizar os que lutam. É a tentativa de fechar a liberdades democrática por dentro do regime político", disse a deputada.
Em notas técnicas, ONGs criticaram o projeto
Em 2019, o projeto de lei também foi alvo de críticas do MPF (Ministério Público Federal). Em nota técnica, a então procuradora da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), Deborah Duprat, afirmou que "o fundamental, em todo esse processo, é que o exercício de legislar em tema com tamanho impacto na vida coletiva se faça acompanhar de estudos técnicos, avaliações e informes, sempre abertos à consulta pública".
Em outra nota técnica conjunta de 2019, a Conectas, o IBCCRIM, a Rede Justiça Criminal e o Artigo 19 pontuaram que, no projeto de Vitor Hugo, "não há qualquer elemento que diferencie o 'ato terrorista' de crimes comuns, pois os únicos requisitos para a sua configuração são resultados genéricos como 'perigo para a vida humana' e 'afetar a definição de políticas públicas', que sequer precisam se concretizar, uma vez que basta que o agente 'aparente ter a intenção' de causá-los".
Na reunião de hoje, o deputado Sanderson disse que já foi o relator do mesmo projeto na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara e que, por isso, considera a proposta de Vitor Hugo "muito qualificada". Disse que é "um projeto acabado, ele tem poucas críticas a serem tecidas". Segundo Sanderson, naquela comissão o projeto foi aprovado "por unanimidade de votos", inclusive "a votação foi simbólica, ninguém obstruiu".
"Todos [deputados] compreenderam lá na comissão de Segurança Pública que não é um projeto de governo, não é um projeto ideológico, é um projeto de nação. E nós como somos aqueles que acreditamos que o Brasil tem todas as condições de logo ali adiante se tornar uma das maiores nações do mundo, em todos os sentidos, precisamos sim ter um regimento que trate das questões contra o terrorismo. [...] Para termos uma democracia sólida e valorizada, precisamos sim ter um regimento que trate daqueles que, sendo nacionais ou não sendo brasileiro, pensem, tenham ações engendradas no sentido de usar o Brasil para cometer terrorismo.", disse Sanderson. Ele afirmou que vai ouvir "as forças militares, Exército, Marinha, Aeronáutica", as polícias e também ouvirá "algum movimento contrário" e "certamente levará ao plenário [o projeto] acabado, com todas as arestas aparadas".
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