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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Em vídeo, Braga Netto disse que envio de cloroquina combatia pandemia

e Eduardo Militão, do UOL, em Brasília

10/08/2021 07h00

O então ministro da Casa Civil, hoje ministro da Defesa, o general da reserva Walter Braga Netto, incluiu, em junho do ano passado, o envio de cloroquina para o Rio de Janeiro como uma das medidas positivas tomadas pelo governo federal no enfrentamento à pandemia do coronavírus.

A menção à cloroquina foi feita pelo ministro dentro de um balanço das ações do governo contra a pandemia que ele apresentou em uma videoconferência gravada em 16 de junho de 2020 com diretores da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

"Enviamos a cloroquina, outros tipos de remédios, né, oseltamivir. Leitos de adultos, os senhores têm todos [os dados] no slide aí. São apoios que foram dados pelo governo para o estado do Rio de Janeiro", disse Braga Netto. Na transparência apresentada pelo ministro, aparece o número de 224.000 "cloroquinas" para o Rio - não especifica se é o número de caixas ou de pílulas.

Na condição de ministro da Casa Civil, ele era o responsável por um comitê interministerial criado em 16 de março daquele ano por decreto do presidente Jair Bolsonaro para o enfrentamento do vírus. O Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19, que se reunia na Casa Civil, ajudou a esvaziar a liderança do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na condução da crise.

O ministro Braga Netto foi procurado na manhã desta segunda-feira (9), por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Defesa, para que se manifestasse a respeito das suas declarações de junho de 2020. Não houve retorno até o fechamento deste texto. Caso ele se manifeste, o texto será atualizado.

Desde a segunda metade de março de 2020, quando a cloroquina passou a ser disseminada em redes sociais bolsonaristas como indicada para o tratamento da Covid-19, a comunidade científica já alertava sobre a ineficácia e os riscos colaterais do medicamento.

Em maio de 2020, a especialista Natalia Pasternak, por exemplo, publicou no site do instituto Questão de Ciência um artigo intitulado: "Forçar a adoção da cloroquina contra Covid-19 viola a lei e a ciência".

Natalia foi uma das testemunhas ouvidas pela CPI da Covid, em andamento no Senado. Ela disse, em seu depoimento à comissão há dois meses, que "em junho e julho de 2020 a gente já tinha respostas suficientes de outros ensaios que foram feitos pra testar a cloroquina e que já mostravam que ela não tinha plausibilidade biológica pra funcionar e que não, efetivamente, funcionava em diversos estudos clínicos".

braga netto - Agência Brasil . - Agência Brasil .
Braga Netto defendeu cloroquina mesmo quando cientistas apontavam que não havia evidência de eficácia no combate à covid-19
Imagem: Agência Brasil .

Crise estava gerenciada, disse Braga Netto

Em junho de 2020, Braga Netto disse aos dirigentes da Associação Comercial do Rio que a crise no Brasil estava "gerenciada". Até aquele dia, a pandemia já havia matado ao todo 45.456 brasileiros. Um ano depois, o país registraria 493 mil mortos. Atualmente são mais de 560 mil. No vídeo, ele disse que pretendia passar uma mensagem "de otimismo".

"Esse quadro, isso aqui não é maquiado, os números não tão maquiados. São dados oficiais, tá. É só mostrando que existe uma análise... Porque simplesmente a notícia que chega pros senhores... Eu tô querendo levar uma mensagem de otimismo no gerenciamento da crise, tá. Existe a crise, nós nos solidarizamos com as famílias enlutadas, tá, mas ela tá gerenciada", disse o ministro.

Braga Netto procurou minimizar a pandemia e culpou a imprensa por supostamente divulgar "somente a catástrofe". O quadro que ele apresentou na videoconferência era uma comparação do índice de mortos por milhão de habitantes do Brasil com cinco países da Europa: Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália e França.

Um ano depois, contudo, toda a comparação feita por Braga Netto se revelou inútil no sentido de minimizar a pandemia. O Brasil ultrapassou todos esses países também no quesito de mortos por milhão. Entre os países com mais de 30 milhões de habitantes, apenas o Peru apresenta números piores que os do Brasil.

"Nós sempre discutimos aqui a questão dos dados, né. O pessoal apresenta os países... Normalmente esses países que os senhores estão vendo na transparência - Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália, França - são citados como exemplos no combate ao Covid. Só [que] o senhor não pode comparar um país do tamanho da Bélgica, que tem 11,6 milhões de habitante, com o Brasil, né, que tem 212 milhões. Então se os senhores observarem o número de casos e o resultado, né, e compararmos o óbito por milhão a partir da centésima morte, os senhores terão um dado que realmente os senhores conseguem comparar", disse Braga Netto.

Por duas vezes, na videoconferência, Braga Netto criticou os meios de comunicação. Ele chegou a dizer que informações eram sonegadas aos brasileiros.

"Nós temos uma frase aqui que foi usada desde o início, que 'não faltarão recursos para salvar vidas, empregos e empresas'. Então os senhores têm na transparência aí alguns exemplos, são só alguns exemplos do que foi feito. Nós temos um problema hoje que nós passamos pra mídia e a senhora sabe que notícia boa não vende jornal, né? Então normalmente as notícias boas não são difundidas. Somente a catástrofe é colocada. Então nós passamos essas notícias mas elas não são apresentadas ao público", disse o ministro, sem apresentar nenhuma prova.

Ao contrário do que disse o ministro, a imprensa inúmeras vezes destacou, em artigos de opinião e reportagens, os desembolsos feitos pelo governo para conter os efeitos da pandemia, incluindo inúmeras reportagens sobre o pagamento do auxílio para famílias e empresários em dificuldades.

A íntegra do vídeo pode ser vista aqui.