Topo

Rubens Valente

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Minoria e oposição cobram de Lira motivo da devolução de 86 projetos

09.agosto.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) posa ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao entregar a MP do novo Bolsa Família - Divulgação
09.agosto.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) posa ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao entregar a MP do novo Bolsa Família Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

13/10/2021 07h00Atualizada em 13/10/2021 10h20

Os deputados líderes dos partidos que formam os blocos da minoria e da oposição na Câmara dos Deputados cobraram do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), uma resposta sobre a devolução de PDLs (Projetos de Decreto Legislativo) sob a alegação genérica de "inconstitucionalidade". Lira adotou a devolução, prevista no regimento interno, como uma prática corriqueira desde que tomou posse na presidência da Câmara, em fevereiro.

Os PDLs são instrumentos utilizados pelos parlamentares para sustar ou modificar medidas tomadas pelo Executivo. Ao devolver as iniciativas sem permitir que tramitem em qualquer comissão da Casa, Arthur Lira atua na blindagem ao governo Bolsonaro.

Os projetos rejeitados pretendiam sustar atos do governo federal "que afetam áreas sensíveis para os direitos fundamentais e para a ordem democrática, tais como questões quilombolas e indígenas, meio ambiente, saúde, economia, direitos humanos, educação, pesquisa, cultura, entre outros".

No ofício enviado a Lira no último dia 6, os parlamentares listaram 86 PDLs devolvidos sob a presidência de Lira em 2021 e que haviam sido apresentados em 2019, 2020 e 2021. A título de comparação, mencionam que, em 2018, apenas nove projetos foram devolvidos pela presidência da Casa sob o mesmo argumento.

Segundo os parlamentares, "um número demasiado" de PDLS foram "devolvidos por ofícios sem justificativas, que mencionam apenas uma suposta 'inconstitucionalidade insanável', sem discorrer minimamente sobre o mérito".

"Fica claro, então, o aumento no uso desse artifício como forma de blindagem das medidas inconstitucionais e ilegais do governo atual. Este panorama nos leva a crer que há uma ação orientada para impedir a livre atuação parlamentar da oposição, na medida em que impossibilita o trâmite de diversas matérias que visam frear ações inconstitucionais e ilegais do Poder Executivo. Impedir o curso desses projetos significa tolher parte da própria função fiscalizatória do Poder Legislativo, a qual é exercida basicamente pelos partidos de oposição ao governo. Isso, sim, nos parece inconstitucional."

Arthur Lira foi procurado pela coluna, por meio da assessoria na Câmara, na noite do dia 28 de setembro, mas não houve resposta sobre o assunto até o fechamento deste texto. A assessoria da Casa pediu que a mensagem fosse redirecionada para a assessoria da presidência da Câmara, o que foi feito no início da tarde da quarta-feira (29), também sem resposta até o momento. Outra mensagem foi enviada ao gabinete de Lira, igualmente sem resposta.

No ofício a Lira, os parlamentares disseram que a devolução em série dos PDLs trouxe "bastante preocupação". Eles lembraram "as competências exclusivas do Congresso Nacional para a) fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo; b) sustar aqueles que ultrapassem os limites do poder regulamentar; e c) zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes (Constituição Federal, art. 49, V, X e XI) decorrem do próprio sistema de freios e contrapesos e, por isso, são parte fundamental da mecânica que busca manter o necessário equilíbrio entre os Poderes da República".

As decisões assinadas por Arthur Lira para a rejeição dos projetos são todas curtas, de poucos parágrafos, e repetem a alegação de que são "inconstitucionais". No ofício a Lira, os deputados pontuaram que a medida "parece dotar-se de um caráter enviesado", já que, por outro lado, diversos projetos tramitam normalmente na Câmara sem a pecha de "inconstitucionais". Por exemplo, "o PL (Projeto de Lei) 5398/2013 (castração química), o PL 4826/2019 (criminalização do socialismo e do comunismo), PL 730/2021 (responsabilização criminal de jornalista por suas publicações), PL 2649/2021 (garante às Policiais do sexo feminino o direito de se abster de realizar abordagem em 'homens fantasiados de mulher ou que se intitule como trans ou travestis, sejam eles hetero ou homossexual')".

Os parlamentares lembraram que, regimentalmente, a presidência da Câmara tem a prerrogativa de devolver ao autor proposições que sejam "evidentemente inconstitucionais". Mas para isso "deve haver um vício gritante para que a proposta não tenha sequer a chance de tramitar e ter sua inconstitucionalidade sanada oportunamente, como acontece em inúmeros casos".

"Essa análise mais aprofundada é competência da Constituição de Justiça e de Cidadania, ou do próprio plenário. Note-se que ambos os órgãos competentes para tanto são colegiados, o que deixa clara a incoerência de o presidente, em decisão monocrática, determinar tal devolução", escreveram os parlamentares a Lira.

"Resta muito claro que os PDLs relacionados estão longe de serem 'evidentemente inconstitucionais', assim como também está claro que a praxe da Casa não é, nem nunca foi, a devolução em massa desse tipo de matéria, até por uma questão de coerência com as atribuições constitucionalmente determinadas ao Congresso Nacional. Solicitamos, portanto, que sejam revistos os despachos e que seja determinado o prosseguimento do trâmite regimental das propostas respectivas", escreveram os parlamentares.

O ofício dos parlamentares foi subscrito pelos deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da Minoria, Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, Bohn Gass (RS), líder do PT, Danilo Cabral (PE), líder do PSB, Wolney Queiroz (PE), líder do PDT, Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL, Renildo Calheiros (PE), líder do PC do B, e Joenia Wapichana (RR), representante da Rede.