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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Lira blinda Bolsonaro ao barrar tramitação de 55 projetos

22.jun.2021 - O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em evento no Palácio do Planalto - Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
22.jun.2021 - O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em evento no Palácio do Planalto Imagem: Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

03/10/2021 07h00

Desde que tomou posse na presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro, o deputado Arthur Lira (PP-AL) já devolveu aos próprios parlamentares autores um total de 55 PDLs (Projetos de Decreto Legislativo), conforme levantamento feito pela coluna. Com isso, os projetos não são enviados a nenhuma comissão e deixam de existir antes de começar a tramitar na Casa.

Lira se vale de uma manobra regimental que permite a devolução sob o argumento genérico de "inconstitucionalidade". Nos atos de devolução, contudo, ele não explica qual é o ponto exato da suposta afronta à Constituição.

Os PDLs rejeitados pretendiam suspender, alterar ou revogar diversas medidas tomadas pelo governo Bolsonaro em temas variados como meio ambiente, economia, indígenas, cultura e educação. É uma segunda camada de blindagem ao governo de Jair Bolsonaro aplicada por Arthur Lira. A mais importante é impedir a tramitação de dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente.

O deputado Arthur Lira, a assessoria da presidência da Câmara e a assessoria da Casa foram procuradas pela coluna na quarta-feira (29) sobre o assunto, mas não houve resposta até o fechamento deste texto.

Dos 55 PDLs rejeitados desde fevereiro, apenas 11 foram subscritos por parlamentares da base aliada de Bolsonaro, que tem a ampla maioria na Câmara. Eram também pedidos para ampliar ou mudar medidas tomadas pelo governo. Os autores podem recorrer ao plenário, mas as chances da oposição são mínimas, pois a Casa é hoje dominada pela base de apoio a Bolsonaro.

A rejeição dos PDLs é inédita nesse volume. A coluna pesquisou, como amostra, os PDLs apresentados por parlamentares do PSOL de 2017 a 2021. O partido é um dos principais alvos de Lira. Nos oito primeiros meses da gestão de Lira foram 11 rejeições de PDLs. Em dois anos da gestão do seu antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apenas dois do PSOL foram rejeitados de janeiro de 2019 a fevereiro de 2021.

A deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, teve três PDLs rejeitados por Arthur Lira desde fevereiro.

"Desde o início da gestão do deputado Arthur Lira como presidente da Câmara dos Deputados, temos percebido um movimento de blindagem do governo Bolsonaro, na perspectiva desses PDLs, que não acontecia na gestão do ex-presidente Rodrigo Maia. O presidente Lira passou, no despacho inicial, a devolver os projetos de decreto legislativo alegando inconstitucionalidade", disse a deputada à coluna, por meio de sua assessoria.

A parlamentar explicou que os PDLs, como toda proposição legislativa, "depende de despacho do presidente da Câmara para que sejam encaminhados às comissões e, por sua vez, tenham sua tramitação iniciada".

"Constitucionalmente, os decretos legislativos são uma ferramenta à disposição do Poder Legislativo para ser usada com o objetivo de sustar atos do Poder Executivo quando este exorbita suas prerrogativas de regulamentação. Desde o início do meu mandato, já assinei 19 Projetos de Decreto Legislativo (PDL) que objetivam reverter decisões do Governo Bolsonaro que atentam contra os direitos sociais, ambientais e os dos povos indígenas", disse a deputada.

Os PDLs de Joenia rechaçados por Lira foram os seguinte:

"nº 423/2020 - Contra aprovação do Programa Mineração e Desenvolvimento - PMD;

nº 330/2020 - Contra a mudança na composição das Câmaras do Conselho Nacional de Educação;

nº 174/2020 - Contra Instrução Normativa da Funai sobre Declaração de Reconhecimento de Limites de Terras Indígenas".

Para Joenia, a alegação de que os PDLs afrontam a Constituição deveria caber justamente à comissões temáticas. Com a decisão de Lira, as propostas nem chegam às comissões. Joenia considera "estranho" esse tipo de decisão de Lira, pois ele "avoca para si uma análise que cabe regimentalmente ao colegiado".

Ao mesmo tempo, porém, a oposição verifica que as atividades das Comissões Permanentes da Câmara têm sido presididas por parlamentares aliados e alinhados com o governo.

"Esse é um jogo muito bem orquestrado para impedir que proposições na linha mais republicana e de defesa da democracia se esvaiam e sucumbam naturalmente em sua tramitação ou que, no caso das devoluções por suposta inconstitucionalidade, nem tenham sua tramitação iniciada."