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Governo silencia sobre a denúncia de que esconde dados do desmatamento
Ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o professor e membro da Academia Brasileira de Ciências Ricardo Galvão foi demitido do cargo em meados de 2019 após reagir a declarações do presidente Jair Bolsonaro, que o acusou falsamente de divulgar "dados mentirosos" sobre o desmatamento na Amazônia (os dados depois foram amplamente confirmados, tanto pelo governo brasileiro quanto por ONGs e cientistas da Nasa).
Em entrevista à coluna nesta quarta-feira (17), Galvão disse que o instituto "certamente concluiu o relatório preliminar" sobre o desmatamento anual da Amazônia, que cobre o período de 1º de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021, e que o documento "já deve ter sido mandado ao ministro" de Ciência e Tecnologia, o militar Marcos Pontes. O dado considerado crucial para o monitoramento do desmatamento, porém, não havia sido divulgado pelo governo federal até a noite desta quarta-feira (17).
"Se o governo segurar esses dados, vai se colocar em muitos maus lençóis. Vai ser absolutamente ridículo. Outras instituições que trabalham com imagens de satélite, dentro e fora do Brasil, como o Imazon, por exemplo, podem consultar as mesmas bases de dados do Inpe e chegar ao número final. Esconder atingirá muito a imagem do governo [não do Inpe]. O trabalho do Inpe sempre foi excepcional", disse Galvão.
A apresentação do número tem sido cobrada por ambientalistas e especialistas em desmatamento porque o Brasil normalmente divulga o dado antes de cada COP, a conferência de lideranças mundiais sobre a emergência climática. Contudo, a última COP acabou neste sábado em Glasgow, na Escócia, sem que os números do Brasil tenham vindo a público. Apenas dados sobre alertas de desmatamento no mês de outubro, que são uma fotografia da devastação, foram divulgados durante a COP. Na ocasião, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse que desconhecia esses números.
As dúvidas sobre a retenção do relatório anual, que já eram enormes, explodiram nesta quarta-feira, quando o sindicato dos servidores do Inpe, o SindCT (Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial), denunciou, em carta aberta, que é "pura mentira" que o relatório anual do desmatamento ainda não tenha sido aprontado pelo Inpe.
Segundo a nota do sindicato, "informações seguras mostram que o relatório técnico para a estimativa preliminar da taxa anual foi finalizado no período normal, em meados de outubro". De acordo com o sindicato, o documento foi enviado pelo SEI (Sistema Eletrônico de Informações) do governo federal para o diretor do Inpe, que "enviou ao MCTI".
De acordo com o sindicato, "no dia 10 de novembro, quando fez seu pronunciamento, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, já deveria estar de posse da taxa anual de desmatamento. Não falou porque não quis; ou, para também não levar 'porrada'".
A coluna indagou ontem pela manhã ao Inpe, ao MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações) e ao MMA (Ministério do Meio Ambiente) se o relatório anual já foi concluído e quando será divulgado. Caso não tenha sido concluído, qual o motivo. Também foi pedido aos órgãos que comentassem a carta do sindicato. Não houve qualquer resposta dos três órgãos até o fechamento deste texto.
Embora veículos de comunicação e organizações não governamentais acompanhem e divulguem regularmente os alertas de desmatamento medidos pelo sistema Deter - uma importante ferramenta também do Inpe para orientar ações de repressão a crimes ambientais, considerada um termômetro da situação -, é outro o dado consolidado anual sobre o desmatamento na Amazônia Legal. Chama-se Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), sob comando do Inpe. É esse o dado aguardado pelos cientistas e ambientalistas.
O Prodes monitora o desmatamento na Amazônia Legal desde 1988. O número Prodes é calculado anualmente a partir dos desmatamentos ocorridos no "ano fiscal" que vai de agosto a julho. De outubro a novembro, quase sempre antes das reuniões da COP, o relatório preliminar é divulgado como a manifestação oficial do governo federal. Suas conclusões dão base aos debates públicos e científicos dentro e fora do país, inclusive para avaliação das políticas públicas brasileiras no enfrentamento do desmatamento.
No ano passado, por exemplo, soube-se que o desmatamento atingiu 11.088 km² de corte raso na Amazônia no período de 1º de agosto de 2019 a 31 de julho de 2020. O número representou um aumento de 9,5% em relação à taxa de desmatamento apurada pelo Prodes no período 2018-2019, que foi de 10.129 km² para os nove estados da Amazônia Legal.
O número no ano passado foi divulgado em 30 de novembro. Porém, no ano passado não ocorreu a COP, adiada em razão da pandemia do coronavírus. O número Prodes do período de 2018-2019 foi divulgado pelo governo em 18 de novembro de 2019. A COP daquele ano ocorreu em Madri, na Espanha, no início de dezembro. Portanto o número Prodes já era conhecido antes do início da conferência, situação muito diferente da atual.
O relatório que costuma ser divulgado em novembro é chamado de preliminar porque ainda passa a ser checado nos cinco meses seguintes. Em março de cada ano normalmente sai o relatório final e consolidado. A diferença entre os dois relatórios, contudo, é considerada mínima. O número de 11.088 km² apresentado no relatório em novembro do ano passado, por exemplo, foi corrigido depois para 10.851 km², uma diferença de apenas 2,2%.
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