Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Falta de transparência e seguidas trocas sabotam a credibilidade da PF
A falta de explicações do governo Bolsonaro sobre o motivo da saída do cargo, nesta sexta-feira (25), do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, aprofunda a desconfiança dentro e fora do órgão sobre as reais intenções do ministro da Justiça, Anderson Torres, e do Palácio do Planalto a respeito da PF no ano eleitoral de 2022.
Em um órgão que depende, em boa parte, da credibilidade no desempenho de suas atividades, as repetidas movimentações do governo Bolsonaro também atingem a governança como nunca visto nas últimas duas décadas. Só há paralelo no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), quando a direção-geral foi ocupada por cinco delegados ao longo de 45 meses de 1999 a 2002.
A cada troca de diretor-geral, as diretorias, superintendências regionais e outros cargos de confiança devem ser igualmente substituídos, uma dança das cadeiras que leva, na prática, à paralisia de projetos e iniciativas. Um efeito colateral é alimentar as disputas internas, que sempre existiram em maior ou menor intensidade, mas ganham fôlego num ambiente de confusão administrativa.
Entender o motivo pelo qual foi trocado um diretor-geral não é nada desimportante. Um experiente ex-integrante da diretoria do órgão, ouvido pela coluna sob a condição de não ter o nome publicado, disse que o comando do órgão deve "a todo momento explicar porque agiu assim ou assado, conversar com a imprensa, deixar claros quais são os fundamentos e procedimentos da PF, sobre ela não pode pairar dúvida político-ideológica. A dúvida, quando aparece e não é atacada, pode ser fatal para uma gestão".
À substituição do diretor-geral se somam outras trocas determinadas de modo nebuloso pelos recentes ex-diretores, incluindo Maiurino, sem qualquer explicação pública. A mais duvidosa na última gestão talvez tenha sido a do superintendente da PF no Distrito Federal, Hugo de Barros Correia, que havia sido nomeado pelo próprio Maiurino poucos meses antes e foi abruptamente retirado da cadeira. Na superintendência tramitavam e tramitam inquéritos de interesse direto de Bolsonaro, como um que trata do seu filho, Jair Renan.
Antes do governo Bolsonaro sempre surgiu algum tipo de explicação mais ou menos convincente sobre o que ocorreu para que um diretor-geral fosse defenestrado do cargo.
Na maioria dos casos, o motivo da troca foi o próprio desgaste natural do cargo, pois raramente um diretor ficava pouco tempo na função, ao contrário do que se vê no governo Bolsonaro. Desde janeiro de 2019, quatro diretores foram nomeados, o que dá uma média de apenas nove meses e meio para cada gestor, quase igual à média turbulenta do final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Não há comparação possível nos últimos 20 anos. Nesse período, por exemplo, o delegado Paulo Lacerda passou 4 anos e oito meses no cargo (governo Luiz Inácio Lula da Silva) e o delegado Leandro Daiello Coimbra, seis anos e dez meses (governo Dilma Rousseff).
No governo de Michel Temer, o diretor Fernando Segovia ficou apenas 99 dias no cargo, mas a razão foi evidente: duas semanas antes, havia dado declarações no mínimo problemáticas em entrevista à agência de notícias Reuters que foram interpretadas como uma interferência indevida em um inquérito que investigava o presidente. Não ficou comprovada tal interferência, mas a mera sugestão já foi o suficiente para implodir a credibilidade do chefe do órgão. Melhor que saísse, e assim foi.
Eram outros tempos. Agora intervenções misteriosas se repetem, diretor após diretor, sem qualquer esclarecimento. Em 2019 e 2020, o próprio Jair Bolsonaro já havia investido diretamente contra a figura do então diretor-geral, Maurício Valeixo, quando exigiu sua demissão e por fim a executou, em abril de 2020, à revelia do então ministro da Justiça, Sérgio Moro.
As pressões foram o motivo alegado por Moro para sair do governo. Tudo começou porque Bolsonaro não conseguiu, tão rapidamente quanto queria, trocar o superintendente da PF no Rio. Ele na época alegou vagamente que o motivo era um problema de "produtividade" da PF no Rio, o que depois foi desmentido pelos números. Quase dois anos depois, um inquérito aberto no STF para investigar o assunto depois das reclamações de Moro não avançou a ponto de conseguir cravar os objetivos exatos de Bolsonaro com essas pressões e trocas. Um motivo plausível apontado na época foi a vontade do presidente de controlar investigações do seu interesse, mas até agora não está claro quais seriam tais apurações e como isso ocorreria.
Não se sabe exatamente por que caiu o diretor anterior a Maiurino, o delegado Rolando Souza. Ele foi substituído logo após Anderson Torres ter tomado posse no ministério, então é mais ou menos óbvio que a troca foi uma decisão do novo ministro. Mas Rolando vinha a ser o braço direito de um amigo do clã Bolsonaro, o diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem, que chegou a ter sua própria nomeação ao cargo assinada por Bolsonaro. Ela só não foi concretizada porque o ministro Alexandre Moraes, do STF, impediu a posse com uma decisão liminar. A saída de Rolando significa que ele perdeu o apoio de Ramagem? Se isso ocorreu, que fato levou à perda? Ou Bolsonaro não considerou mais o apoio de Ramagem como um dado relevante?
Enigma semelhante surge agora. Anderson Torres se encarregou de anunciar, em seu perfil numa rede social, o nome do novo diretor do órgão. Escolheu alguém de sua inteira confiança, Márcio Nunes de Oliveira, até então o "número dois" do Ministério da Justiça e relativamente pouco conhecido na PF. Mas, conforme amplamente divulgado na época da nomeação, em 2021, Maiurino também era da confiança de Torres, tanto que substituiu Rolando à revelia do apoio de Ramagem. Como compensação pela sua saída, Torres agora o convidou para assumir um cargo no Ministério da Justiça. O que de fato aconteceu entre Torres e Maiurino?
Mais de 24 horas depois, o governo nada informou sobre o motivo da saída de Maiurino. O comando da PF aparentemente foi pego de surpresa. O diretor-geral havia acabado de participar, em São Paulo, de um encontro com empresários para discutir um projeto de prevenção a ataques cibernéticos (o próprio fato de um diretor-geral se reunir com empresários já é insólito, mas no contexto atual passa como se nada fosse). A PF se limitou a divulgar uma nota burocrática confirmando a troca.
A falta de transparência abriu espaço para todo tipo de interpretação. Alguns observadores viram na queda de Maiurino um recado de Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal), já que o ex-diretor havia trabalhado na área de segurança do tribunal. Teria recebido até o aval do ministro Dias Toffoli para assumir seu cargo na PF.
Outros enxergaram uma intervenção deliberada do Palácio do Planalto nos rumos da PF em ano eleitoral - embora não estejam claras ainda quais as pretensões. Uma troca como essa dificilmente deixaria de ser combinada com Bolsonaro, do qual Torres é admirador e seguidor. Como Bolsonaro demonstrou no episódio Valeixo-Moro que a cadeira da PF é um assunto prioritário para ele, é muito improvável que uma troca no setor tenha ocorrido à sua revelia.
Há uma nota irônica nas turbulências vividas pela PF. Sem esclarecer decisões fundamentais sobre a PF, o governo desrespeita um dos setores do serviço público federal onde tem ou tinha mais admiradores. Após as eleições de 2018, experientes policiais calculavam que Bolsonaro teve de 80% a 90% de voto entre os integrantes da PF. Não há um estudo que possa confirmar essa impressão. Mas ela não deve estar muito longe da realidade. Basta ver a cerimônia de formatura de policiais federais em 2020, quando Bolsonaro foi entusiasticamente aplaudido e chamado de "mito". Em plena pandemia marcada pelo negacionismo do presidente da República.
Três anos depois das eleições, não se sabe a adesão atual ao presidente. Um ex-integrante da direção de Maiurino calculou, há um mês, que o apoio gira em torno de um terço dos quadros da PF, ou seja, teria ocorrido uma perda significativa de apoio a Bolsonaro dentro do órgão. Mas esse apoio estaria longe de ser nulo.
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