Jamil Chade

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Bíblia é indicada como 'material escolar' em ato que antecipa governo Trump

Num iniciativa que está sendo vista como um possível prenúncio do que será o governo de Donald Trump, as autoridades do Texas aprovaram, nesta terça-feira, uma decisão preliminar que permite que escolas públicas incorporem em suas aulas a Bíblia como material escolar. Isso valeria do jardim de infância à quinta série.

O Conselho de Educação do estado chancelou a proposta, gerando críticas por parte de representantes outras religiões. A lei pode abrir caminho para que outros estados também dominado por republicanos sigam a mesma linha e que o governo Trump avalie uma implementação nacional.

Para que o processo seja concluído, uma aprovação final deve ainda ocorrer na sexta-feira. Mas a pressão de grupos cristãos sobre políticos republicanos pode garantir a adoção do novo currículo.

O livro de Gênesis, sobre a criação do mundo, poderia assim ser usado em aulas de redação, enquanto outros trechos poderiam ainda ser incorporados nas aulas de artes e línguas.

Ainda que caiba a cada escola escolher como fazer uso da Bíblia, os opositores insistem que a medida cria uma discriminação em relação às crianças de outra fé ou que simplesmente vêm de famílias ateias.

As escolas que optarem por aderir à proposta ainda ganharão um subsídio do estado de US$ 60 por aluno.

'Amar a Deus sobre todas as coisas e não ter outros deuses'

O governador republicano do estado, Greg Abbott, apoia a iniciativa, enquanto deputados estaduais também tramitam um projeto de lei que estabelece que escolas devem ter em suas paredes os Dez Mandamentos em cada casa de aula.

A medida começou a ser desenhada depois que o Texas se transformou no primeiro estado a permitir que capelães religiosos pudessem atuar em escolas públicas.

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Mas uma ala dos professores deixou claro que vai combater a medida. "A Federação Americana de Professores acredita que esses materiais não apenas violam a separação entre a igreja e o estado e a liberdade acadêmica de nossa sala de aula, mas também a santidade da profissão de professor", afirmou a entidade, em um comunicado. "Esses materiais não podem atender a todos os alunos em todos os contextos, e os professores devem ter o poder de se adaptar às necessidades de seus alunos", disse o grupo em um comunicado.

Para a Texas Freedom Network, que atua na liberdade religiosa, divulgou um comunicado contrário à decisão.

"A proposta beira o proselitismo cristão na medida em que sua cobertura extensa e desequilibrada do cristianismo e da Bíblia sugere que essa é a única tradição religiosa de alguma importância", alerta a entidade. "Essa não é uma mensagem que as escolas públicas do Texas, que são chamadas a atender a uma população religiosamente diversificada, devam transmitir", acrescentou o relatório.

Para os defensores da proposta, a iniciativa vai ampliar o conhecimento dos alunos sobre a religião e insistem que não se trata de proselitismo.

"A simples leitura de algumas passagens da Bíblia não fará com que alguém se converta, já que muitos estudiosos da Bíblia não são cristãos", disse Glenn Melvin, um dos principais nomes da campanha pela adoção do livro como material escolar.

Nacionalismo cristão apostou em Trump

O caso do Texas não é um fato isolado. Ao longo da campanha eleitoral nos EUA, grupos do nacionalismo cristão americano mergulharam numa ofensiva para conseguir que o republicano disse eleito. Agora, vão exigir de Trump retribuições pelo apoio fundamental em estados que poderiam ter dado a vitória para Kamala Harris.

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"Crentes por Trump" foi uma das iniciativas lançadas nos últimos meses para mobilizar os eleitores. A tentativa de assassinato do republicano ainda deu uma aura de missionário ao candidato, que teria sobrevivido por conta de uma "proteção divina".

Entre os grupos que passaram a fazer campanha por Trump estava a Nova Reforma Apostólica, um movimento que rejeita o secularismo e adota o "dominionismo cristão". Trata-se de um projeto no qual os cristãos são incumbidos por Deus de governar.

Trump ainda se beneficiou de uma suposta profecia de que ele seria a reencarnação do antigo rei persa Ciro, um pagão repleto de pecados e que, ainda assim, permitiu que os judeus construíssem seu templo. Em 2016, na primeira eleição do republicado, a tese disseminada era de que Ciro é mencionado em Isaías 45. Já Trump seria o 45º presidente dos EUA.

EUA vivem epidemia de censura de livros

A ofensiva pelo uso da Bíblia ocorre em um ambiente de uma crescente guerra cultural e pressão social por parte da extrema direita sobre professores e secretarias de educação.

No ano escolar entre 2023 e 2024, 10 mil livros foram banidos nos EUA. Os dados são da Pen America, entidade que reúne escritores e publicações americanas. Se, por anos, a instituição realizava campanhas e ajudava autores estrangeiros que viviam em regimes autoritários, a Pen America admite que, cada vez mais, seu trabalho passa a ser a defesa das liberdades fundamentais nos EUA.

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Ao apresentar o levantamento, a instituição deixou claro que jamais contabilizou um volume de censura de tal dimensão. Entre 2022 e 2023, por exemplo, o número de títulos banidos era de 3.300.

A conta inclui livros que foram proibidos por escolas públicas de serem adquiridos para aulas ou para suas respectivas bibliotecas. Uma parte significativa se refere à tradução na prática de motivações ideológicas adotadas por instituições de ensino. Mas, há ainda um volume importante de banimentos que ocorreram em decorrência da aprovação de leis que abriram caminho para a censura.

Pelo menos dez leis entraram em vigor nos Estados Unidos, facilitando o banimento de livros.

Dois casos estaduais chamam a atenção: as legislações aprovadas na Flórida e Iowa, dando o respaldo legal para que a direção de uma escola opte por banir certos livros, sob o pretexto de proteger crianças contra conteúdos considerados como "inadequados".

No caso de Iowa, a lei 496 entrou em vigor em meados de 2023 e prevê que escolas possam oferecer apenas livros que possam ser considerados como "apropriados para a idade", sem que uma definição clara seja estabelecida. A mesma lei ainda proíbe qualquer descrição de um "ato sexual" nas obras. Debates sobre gênero, portanto, foram excluídos do material escolar.

Como resultado, mais de mil livros foram banidos no estado, em menos de um ano após a entrada em vigor da lei. Um ano antes, apenas 14 obras tinham sido vetadas.

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Na Flórida, a lei criada em 2023 estipula que qualquer livro que debata a "conduta sexual" de um dos personagens deve ser suspenso imediatamente, enquanto um processo de revisão da obra é realizado para avaliar se ela pode ou não continuar nas prateleiras.

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