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Órgão do Exército tira do ar análises sobre a guerra na Ucrânia
O Exército tirou do ar uma página na internet pela qual vinha divulgando, desde o começo da invasão da Rússia na Ucrânia, análises diárias sobre o que chamava eufemisticamente de "conflito na Ucrânia".
As análises estavam hospedadas no site do C Dout Ex (Centro de Doutrina do Exército), vinculado ao Coter (Comando de Operações Terrestres), na página destinada ao "Observatório de Doutrina". A coluna apurou que a página foi desabilitada na última quarta-feira (16), no mesmo dia em que o UOL publicou uma reportagem crítica sobre o conteúdo de alguns dos textos.
A página passou a exibir o seguinte texto: "Este site está fora do ar para manutenção. Tente novamente mais tarde". Também passou a exigir nome de usuário e senha. Indagado pela coluna no mesmo dia 16 sobre os motivos do bloqueio, o Comando do Exército não havia se manifestado até o fechamento deste texto.
Antes de ser tirada do ar, a página informava que o "Observatório" é formado por cerca de 60 especialistas, incluindo "militares da ativa, veteranos e oficiais de ligação de doutrina no exterior", ou seja, militares que atuam em embaixadas brasileiras fora do país. O Coter tem o objetivo de "orientar e coordenar o preparo e o emprego da Força Terrestre, em conformidade com as políticas e diretrizes estratégicas do Exército e do Estado-Maior do Exército".
Até a quarta-feira (16) haviam sido publicados 16 textos com tamanhos que variavam de 5 a 24 páginas cada um. Os textos creditavam as fontes de informação usadas pelos analistas - que iam de agências internacionais de notícias a perfis oficiais no Twitter - e sugeriam cenários futuros da guerra. Órgãos de comunicação como a CNN Brasil repercutiram os primeiros textos.
Nos últimos dias, os textos vinham repetindo, por exemplo, no campo da "hipótese de prosseguimento de conflito", que "o teatro de operações passará à configuração similar ao de conflitos de uma guerra irregular com menor intensidade e combates urbanos".
Três especialistas em estudos militares ouvidos pela coluna antes da retirada da página do ar haviam dito que a iniciativa do Centro de Doutrina era inédita e, por isso, causara surpresa entre os especialistas.
Especialista lamenta retirada
O cientista político Eduardo Heleno de Jesus Santos, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), via com bons olhos a divulgação e depois lamentou a retirada da página.
"Uma pena. A página poderia servir, a partir dos seus links externos e da análise do centro de conjuntura, como material preliminar para os interessados sobre a dinâmica da guerra. Em outros países, há páginas de instituições, 'think tanks' civis, que funcionam também como observatório, mapeando e atualizando os dados preliminares do conflito", disse Santos.
O professor entende que não havia problema na divulgação pública porque os textos "não estão falando como o Exército brasileiro será empregado, e sim como outros Exércitos foram empregados em determinado contexto".
"Como pesquisador e professor universitário, encontro muitas serventias na divulgação. Como documento de pesquisa, como informação à sociedade, porque hoje a demanda de informações sobre o conflito é enorme, por exemplo, em cursos de história e de geografia. Também é uma forma de a instituição mostrar o que produz de informação e qual a natureza de seus dados. E permite ao público interno uma percepção da aplicação e da leitura da doutrina. Quando eu vi pela primeira vez, fiquei impressionado pela iniciativa em si", disse o professor, antes de a página sair do ar.
Normalmente, esse tipo de avaliação tem difusão e apreciação internas - e não pública -, nas escolas de altos estudos, como a Eceme e a ESG (Escola Superior de Guerra), em instituições como a Esao (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais), e nas escolas de instrução de cadetes, como a Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
Nas últimas análises, o "Observatório" havia listado na "hipótese de prosseguimento do conflito", além da possível "guerra irregular", três cenários:
"1. Rússia mantém a pressão sobre Kiev para conquista do objetivo político, com o êxito no ressuprimento de suas tropas;
"2. A manobra de isolamento de Donbass [região no leste da Ucrânia] prossegue para garantir a conquista desse território, o que pode ocorrer por meio do fluxo logístico proveniente do sul (envolvimento) e do leste;
"3. Nova rodada de negociações para garantir tempo para ambos os contendores conquistarem seus objetivos estratégicos."
Textos não representavam "necessariamente" opinião da instituição, disse Exército
Em nota enviada à coluna antes da retirada da página, o Comando do Exército informou que os "textos são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da instituição". Segundo o Exército, "especialistas do Instituto Meira Mattos, vinculado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), e do Centro de Doutrina do Exército, vinculado ao Comando de Operações Terrestres, têm acompanhado e produzido documentos a respeito da atual situação na Europa para fins acadêmicos e de análise de doutrina militar".
Um texto divulgado pelo Exército no início de março mostra que a iniciativa tinha o apoio do comandante do Coter, o general de Exército Marco Antônio Freire Gomes. No último dia 3, o Coter realizou uma videoconferência do "Observatório de Doutrina" com a finalidade de "atualizar as informações doutrinárias no contexto do conflito na Ucrânia".
A videoconferência foi presidida por Freire Gomes e teve a participação de diversos oficiais, como o comandante de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, general de brigada Ivan de Sousa Corrêa Filho, "oficiais formuladores do Centro de Doutrina do Exército e integrantes do Centro de Inteligência do Exército (CIE)", entre outros.
O texto diz que o "Observatório" foi criado "para acompanhar o recente conflito no Leste Europeu, colhendo lições nos níveis operacional e tático, com vistas a contribuir com a constante evolução da Doutrina Militar Terrestre".
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