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Tales Faria

Enquanto Lula visita o papa, Bolsonaro vai ao encontro dos evangélicos

Papa Francisco já recebeu em Roma a evangélica Michelle Bolsonaro, num encontro com primeiras-damas latino-americanas - Reprodução/Ansa
Papa Francisco já recebeu em Roma a evangélica Michelle Bolsonaro, num encontro com primeiras-damas latino-americanas Imagem: Reprodução/Ansa

Colunista do UOL

14/02/2020 10h01

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São tantos os encontros, que nem os assessores do presidente Jair Bolsonaro ouvidos pelo blog conseguem contar o número de vezes que ele participou de eventos com evangélicos desde que resolveu se candidatar ao Palácio do Planalto.

Apesar de Bolsonaro se dizer católico, a aproximação dos evangélicos é considerada pelo presidente um trunfo eleitoral do qual ele não pode e não quer abrir mão.

Neste sábado, Bolsonaro participa de um megaevento evangélico na Enseada de Botafogo, no Rio de Janeiro: a comemoração dos 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus, liderada pelo missionário R. R. Soares.

A denominação é uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Macedo, cunhado de R. R. Soares. O prefeito do Rio de Janeiro, bispo Marcelo Crivella, estará presente. Crivella é sobrinho de Edir Macedo e ensaia uma aliança com Bolsonaro pela sua reeleição à Prefeitura.

Principal adversário político do atual presidente da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva investe em outra direção. Nesta quinta-feira, foi recebido no Vaticano pelo papa Francisco, a maior autoridade mundial da igreja católica.

Para desagrado dos bolsonaristas, o papa tratou Lula com uma deferência reservada a pouquíssimos políticos.

Afinal, a igreja católica teve grande influência na fundação do Partido dos Trabalhadores. Especialmente as Comunidades Eclesiais de Base, um movimento de inspiração católica e esquerdista que teve seu auge na década de 70.

Incentivadas pelo Concílio Vaticano 2º, pela chamada "opção preferencial pelos pobres" que marcou o catolicismo naqueles anos, e pela Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais de Base tiveram papel decisivo na resistência à ditadura militar no Brasil.

O papa Francisco chegou a ser antipatizado pela esquerda católica na Argentina, mas se reaproximou do grupo quando assumiu o comando do Vaticano.

Hoje a luta prioritária da igreja católica na América Latina já não é o combate a ditaduras, mas o enfrentamento ao avanço das denominações neopentecostais na região.

Por trás dessa dicotomia -de um lado PT e igreja católica, de outro, Bolsonaro e evangélicos- está a disputa pela hegemonia religiosa no Brasil entre o Vaticano e os neopentecostais.

Lula e Bolsonaro sabem disso e tentam explorar essa disputa. Mas enfrentam também uma grande dificuldade: como se aproximar de um dos lados sem perder apoios já obtidos no outro?

Edir Macedo, R. R. Soares, Crivella e bispos neopentecostais não têm o menor problema em declarar apoio a um dos lados. O papa, por sua vez, trata apoios políticos com mais reserva.

O resultado desse jogo é que, por enquanto, os laços de Bolsonaro com os evangélicos estão mais consolidados, do ponto de vista eleitoral.

Já os laços do PT com a igreja católica, embora mais antigos, ainda não se traduzem numa aliança eleitoral. A essa altura, mesmo com todos os gestos de carinho, nem o papa sabe se a aproximação poderá se transformar em votos contra o bolsonarismo.