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Thaís Oyama

É mentira que a esquerda defende pedófilos

"Lindinhas": o filme da Netflix que Damares quer proibir é a mais nova ferramenta eleitoral do bolsonarismo - Reprodução
'Lindinhas': o filme da Netflix que Damares quer proibir é a mais nova ferramenta eleitoral do bolsonarismo Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

17/09/2020 11h15

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A esquerda defende os pedófilos.

É o que dizem, com mais ou menos clareza, ministros do governo, representantes da direita bolsonarista, olavistas e comentadores políticos patrocinados ou simplesmente mal informados.

Para disseminar essa mentira, uns se baseiam numa exótica teoria conspiratória que prega a existência de um "deep state" secretamente controlado por "multibilionários globalistas" adeptos do satanismo e do sexo com crianças, cujo propósito maior é derrubar o presidente Donald Trump.

Outros recorrem a um argumento mais malandro que lunático: o de que a Califórnia acaba de aprovar uma lei que "flexibiliza" a punição para pessoas LGBTQ+ que fazem sexo com menores de idade - e o fato de a proposta ter sido sugerida por um senador do Partido Democrata "prova" que o avanço esquerdista em prol dos predadores de crianças apenas começou. Logo, logo chegará ao Brasil.

Trata-se de uma mentira deslavada.

Na Califórnia, é crime — passível de punição com cadeia— uma pessoa maior de 18 anos fazer sexo com outra menor de idade, ainda que com o seu consentimento.

Isso não mudou e nem foi "flexibilizado".

Lista do FBI

A emenda que o estado americano aprovou no mês passado trata de outra coisa.

Nos Estados Unidos, todos os criminosos sexuais têm seus nomes incluídos numa lista do FBI, a polícia federal norte-americana. Essa lista está na internet e é aberta a consultas para qualquer cidadão - por exemplo, pais preocupados com as companhias em que andam seus filhos ou filhas.

Na Califórnia, a inclusão do nome de agressores sexuais nessa lista é obrigatória e automática.

Há apenas uma exceção.

Se o autor do crime for até dez anos mais velho que a sua vítima, se a vítima tiver no mínimo 14 anos, se a relação for consensual e se tiver ocorrido por via vaginal (não anal ou oral), a inclusão do nome do agressor na lista do FBI deixa de ser obrigatória e automática.

Essa exceção foi concebida para evitar, por exemplo, casos em que um homem heterossexual de, digamos, 27 anos, que tenha uma relação afetiva com uma menina de 17 anos e faça sexo consensual com ela, seja exposto como agressor sexual na lista do FBI. Nesse caso, ele manterá o status de criminoso e continuará sujeito às penalidades da lei (que vão da prisão à proibição de se aproximar de parques ou escolas, por exemplo), mas seu nome poderá ficar fora do registro nacional de predadores a critério de um juiz.

Críticas sim, fake news, não, por favor

A emenda aprovada na Califórnia no mês passado APENAS estende essa possibilidade aos agressores homossexuais, ao incluir no texto da lei já existente a prática do sexo anal e oral. A mudança, diz seu autor, visa a impedir situações em que uma pessoa LGBTQ+ seja obrigatoriamente incluída no registro do FBI, enquanto um heterossexual na mesma situação tem a chance de ficar de fora da lista. A proposta foi aprovada e aguarda sanção do governador da Califórnia.

No Brasil, no entanto, graças sobretudo à ação de bolsonaristas, a história virou pretexto para sustentar um silogismo sofístico com propósitos eleitoreiros.

A esquerda defende os pedófilos.

Os pedófilos ameaçam nossas crianças.

Para proteger nossas crianças, portanto, é preciso votar na direita.

À medida que se aproximam as eleições, o presidente Jair Bolsonaro irá orar com mais frequência em público. A ministra Damares Silva divulgará mais histórias acerca da "explosão da pedofilia no Brasil". E inocentes úteis serão cada vez mais enganados por políticos e "formadores de opinião".

A esquerda merece a irrelevância em que se encontra. Mas, em respeito aos cidadãos pensantes, não deve ser combatida com golpes de fake news.