Topo

Thaís Oyama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro mira no calo de militares ao falar que Lula porá Dilma na Defesa 

Colunista do UOL

01/02/2022 11h21

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

"Alguém acha que, se o cara [Lula] voltar, Zé Dirceu não vai para a Casa Civil? Dilma para o Ministério da Defesa?", perguntou ontem Jair Bolsonaro em discurso durante um evento da Petrobras, no Rio.

No mesmo dia, Dirceu, o ex-ministro de Lula condenado por corrupção, apressou-se em afirmar ao blog da colunista Bela Megale, do Globo, que não pretende ocupar nenhum cargo público na hipótese da vitória do petista.

O também ex-ministro de Lula, Guido Mantega, esconjurado pelo mercado, repetiu o gesto em entrevista à Bloomberg, negando as especulações de que estaria aconselhando o petista.

Já Dilma Rousseff não deu um pio para desmentir Bolsonaro. A ex-presidente, anticabo-eleitoral de Lula, já avisou que não pretende pedir desculpas pelo seu governo nem se esconder na campanha.

Bolsonaro quer tirar proveito disso.

Ao cogitar a improvável hipótese de Lula, vitorioso, nomear a petista para a pasta da Defesa, o ex-capitão sabe que força o coturno na direção do calo dos militares.

Generais do Exército, em especial, detestam Dilma sobretudo por dois motivos.

No final do segundo mandato do governo Lula, quando se começou a discutir a criação da chamada Comissão da Verdade, um acordo costurado pelo então ministro da Defesa, Nelson Jobim, previa que a investigação das violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar, como a tortura, incluiria os crimes cometidos pela esquerda — em especial os "justiçamentos", como eram chamados os assassinatos cometidos por militantes da esquerda contra companheiros acusados de traição.

Em 2011, no entanto, os integrantes da Comissão da Verdade, nomeados por Dilma, decidiram que as investigações se restringiriam aos crimes cometidos por agentes de estado — ou seja, ficariam de fora os cometidos por militantes da esquerda.

A decisão, somada ao relatório final da Comissão, que listou como responsáveis "indiretos" pelos crimes de tortura nomes como o de Eduardo Gomes, ministro da Aeronáutica à época, e outros sem vinculações com fatos ou vítimas e que tiveram sua presença no documento mais tarde contestada na Justiça, como o do general Leo Guedes Etchegoyen (pai do também general e ex-ministro-chefe do GSI no governo Temer, Sérgio Etchegoyen), abriram uma chaga jamais cicatrizada nas fileiras da Força.

Militares consideraram "leviano" e "revanchista" o relatório, visto, em última análise, como uma "obra" de Dilma, que teria selecionado a dedo nomes da "esquerda vingativa" para compor a Comissão.

O segundo motivo a explicar a ojeriza que grande parte dos militares nutre pela petista está no fato de que, ao final do seu governo, a categoria era a mais mal paga entre todas as de nível superior no serviço público.

Enquanto um perito da Polícia Federal tinha salário inicial de R$ 21,6 mil, um coronel do Exército ganhava R$ 8,2 mil, o mais baixo do ranking, segundo dados do Ministério do Planejamento à época.

Ao evocar o nome de Dilma no ministério da Defesa, a intenção de Bolsonaro foi tornar frescas essas memórias na cabeça dos oficiais das Forças Armadas.

O ex-capitão sabe que Dilma, vista pela categoria como criação de Lula, personifica um dos maiores temores dos militares num eventual governo petista: a possibilidade de virarem alvo de retaliação — moral e financeira.