Topo

Thaís Oyama

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

No novo embate entre PT e militares, Múcio sai na frente

José Múcio Monteiro, ministro da Defesa: antes os aneis - FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
José Múcio Monteiro, ministro da Defesa: antes os aneis Imagem: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

14/03/2023 11h57Atualizada em 15/03/2023 17h11

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O deputado do PT Carlos Zarattini tenta conseguir apoio para uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) cujo objetivo é, segundo ele, afastar os militares da política. O texto da PEC do deputado transfere para a reserva todo militar que assumir cargo público e prevê a alteração do famigerado artigo 142 da Constituição.

O ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, planeja finalizar hoje, terça-feira, o texto de uma PEC concorrente.

Seu objetivo é, segundo o ministério, reduzir a politização das Forças. Pela proposta, os militares que optarem pela carreira política (aceitando virar ministro, por exemplo, ou candidatando-se a cargo eleitoral) terão de abrir mão da carreira militar — mas aqui não se mexe no artigo 142.

As propostas do deputado Zarattini e do Ministério da Defesa se chocam, portanto, não apenas na intenção, mas sobretudo na ideia de o que fazer com o artigo da Constituição que apoiadores de Jair Bolsonaro usaram em manifestações recentes como pretexto para pedir a "intervenção militar".

O artigo 142, inalterado na proposta da Defesa, perde, na proposta de Zarattini, o trecho que atribui às Forças Armadas a responsabilidade pela "garantia da lei e da ordem". São duas as principais consequências da retirada do trecho:

1. elimina-se, segundo o deputado, a possibilidade de interpretações espúrias do artigo, como a de que ele autorizaria as Forças Armadas a atuar como "poder moderador" em caso de conflitos entre poderes;

2. encerram-se as operações de GLO. A sigla para operações de intervenção militar em lugares específicos, como a que ocorreu em 2018 no Rio de Janeiro, se refere precisamente à "garantia da lei e da ordem" citada no artigo 142. Para o deputado, operações como essas não deveriam estar a cargo de militares porque a categoria não teria preparo para "agir internamente" (o que significa, eventualmente, entrar em combate com civis brasileiros).

Integrantes do PT e do governo, incluindo o presidente Lula, torcem o nariz para a GLO por enxergar nela uma "escada" para militares golpistas. No pós 8 de janeiro, Lula rejeitou recorrer à operação dizendo que, se o fizesse, "aí, sim, aconteceria o golpe que essas pessoas queriam".

Por enquanto, no embate entre Zarattini e o Ministério da Defesa, o segundo está levando de 1 x 0.

O deputado do PT até agora obteve o apoio de apenas 65 deputados para a sua PEC. Numa Câmara de maioria conservadora, é pouco provável que consiga chegar às 171 assinaturas necessárias para o projeto começar a tramitar.

Já o ministro Mucio conseguiu para a sua proposta três apoios de peso.

Os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica endossaram o projeto da Defesa depois de ouvirem o argumento de Múcio de que as pressões por mudanças nas regras militares fatalmente partiriam de grupos petistas e, sendo inútil resistir a elas, o melhor a fazer seria tomar a dianteira no assunto. Se necessário, perdendo alguns anéis para preservar os dedos, que é o que o ministério faz agora ao propor a "despolitização" das Forças preservando o artigo 142 e as operações GLO.

A decantada habilidade de Múcio, no entanto, pode em breve ser submetida a outra prova de fogo.

Fez soar sirenes na caserna o anúncio do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, de que o governo retomará as recomendações feitas pela Comissão da Verdade para "averiguar se estão sendo cumpridas".

A Comissão Nacional da Verdade, criada no governo Dilma, produziu ao final de dois anos e meio de funcionamento um relatório em que recomenda aos governos 29 medidas destinadas a evitar a repetição das violações cometidas na ditadura.

A primeira recomendação é que as Forças Armadas "reconheçam sua responsabilidade institucional pelos abusos ocorridos" no período. A segunda é de que os agentes do Estado envolvidos em episódios de tortura sejam investigados e punidos (para a Comissão, a Lei de Anistia não se aplicaria a esses casos).

As recomendações da Comissão incluem ainda a proibição de celebrações militares como o 31 de março e a modificação dos currículos das academias militares para que passem a incluir conceitos de democracia e direitos humanos.

A declaração do ministro Silvio Almeida foi feita no dia 1º de março em um evento na ONU, em Genebra, na presença de representantes e embaixadores de diversos países, e representa um perfeito compêndio de tudo o que os militares mais rejeitam. A ser levada a ferro e fogo pelo governo, fará o embate em torno da GLO parecer um passeio no parque.