Topo

Thaís Oyama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dallagnol e Leo Lins não têm turmas para defendê-los: azar de todo mundo

O comediante Léo Lins: programa censurado - Reprodução / Internet
O comediante Léo Lins: programa censurado Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

18/05/2023 12h24Atualizada em 18/05/2023 20h31

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

No Congresso, parte dos parlamentares odeia Deltan Dallagnol por ter sido vítima da Lava Jato; outra parte o detesta por ter amigos que viveram essa situação; e os demais não suportam o ex-procurador por achá-lo presunçoso, messiânico ou simplesmente enfadonho.

Mesmo no PL, partido que abriga os poucos lava-jatistas que restaram, o ex-procurador filiado ao pequeno Podemos não é unanimidade, pelo contrário: na cúpula da sigla, há quem lhe deseje não menos que o fogo dos infernos.

Dallagnol não tem turma.

Anteontem, o ex-chefe da Lava Jato perdeu o mandato numa votação no Tribunal Superior Eleitoral que durou seis minutos, não suscitou pedido de vista por parte de nenhum ministro e resultou de uma leitura "extensiva" da Lei da Ficha Limpa.

Em resumo: a lei diz que membros do Ministério Público ficarão inelegíveis se, no intuito de evitar punição, pedirem exoneração enquanto respondem a Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Ocorre que Dallagnol não estava respondendo a nenhum processo do gênero quando pediu para sair. Mesmo assim, o ministro relator, Benedito Gonçalves, achou por bem considerá-lo culpado, dado que o ex-chefe da Lava Jato estava submetido a OUTRO tipo de investigação ("procedimento preliminar") e tentou evitar que esse outro tipo de investigação se transformasse num PAD. Com isso, entendeu o ministro, o ex-chefe da Lava Jato "agiu para fraudar a lei".

Um dos princípios do Direito é o de que uma lei que restringe direitos, liberdades e garantias (como a de exercer um mandato para o qual se foi eleito) deve ser interpretada de forma restritiva — ou seja, deve ser interpretada de forma a reduzir, e não ampliar, o seu alcance.

O que o TSE fez foi o contrário: interpretou de forma extensiva uma lei restritiva.

Um segundo e notório princípio é o de que uma fraude deve ser comprovada, nunca presumida — precisamente o que fez o TSE, no entender de alguns poucos especialistas que vieram a público criticar a decisão do TSE sobre Dallagnol.

E o fato de muitos especialistas terem preferido fazê-lo pedindo a jornalistas que preservassem o sigilo da fonte diz muito sobre os tempos que vivemos.

Ontem, o comediante Léo Lins teve o seu programa censurado na internet e foi impedido de sair dos limites da cidade sem autorização judicial por ter "reproduzido discurso e posicionamentos que hoje são repudiados", segundo escreveu em sua decisão a juíza Gina Fonseca Correa, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A juíza se referia a piadas feitas por Lins sobre escravidão e minorias, cuja provável falta de graça agora é impossível constatar, dado que a magistrada ordenou a retirada do material do ar.

Assim como no caso de Dallagnol, tirando um punhado de bolsonaristas, não se ouviu um coro de vozes se erguer na defesa do comediante vitimado pela censura virtuosa.

Ortega Y Gasset já via algo de muito errado num mundo em que a direita defende as liberdades e a esquerda propõe tiranias.

E o fato de que, no caso brasileiro, quem vem flertando com elas não é o Executivo, mas o Judiciário, torna o horizonte ainda mais plúmbeo — e para todas as turmas.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O nome do comediante é Leo Lins, e não Léo Dias como informou incorrentamente a primeira versão deste texto.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL