Zema diz não ter cobrado imposto da Localiza por temer insegurança jurídica
O governo de Romeu Zema (Novo) citou eventual risco de insegurança jurídica como justificativa para o atraso de cinco anos na cobrança de um imposto devido por locadoras de veículos em Minas Gerais.
Desde 2018 as empresas eram obrigadas a pagar um valor complementar de IPVA quando vendiam veículos, mas o governo só começou a cobrar os valores no fim de 2022, o que motivou uma denúncia de parlamentares ao Ministério Público, obtida pelo UOL.
Após ter recebido o pedido de providências, o procurador-geral de Justiça de Minas, Jarbas Soares, requereu esclarecimentos ao Executivo para avaliar a pertinência de abertura de um inquérito civil público. Em resposta, o governo argumentou ter temido ser alvo de processos judiciais caso aplicasse a lei desde o início do governo Zema, em 2019.
A omissão na cobrança é motivo de polêmica no estado porque beneficiou o grupo Localiza, controlado pela família do empresário Salim Mattar. Sócios da empresa bancaram 28% dos gastos eleitorais de Zema na campanha de 2022.
Em Minas, as locadoras pagam alíquota de 1% de IPVA. De acordo com a regra que vigorou até este mês de julho, as locadoras precisavam pagar uma complementação do IPVA em relação à alíquota padrão de 4% cobrada dos contribuintes em geral quando veículos eram transferidos a uma subsidiária para revenda.
Em vez de cobrar o imposto, o governo Zema ingressou em 2021 com ação liminar na Justiça para declarar a cobrança inconstitucional, mas não obteve sucesso. Apenas no fim de 2022 a cobrança começou a ser feita.
"As providências tomadas pelo Governo do Estado (...) tiveram motivações legítimas, vale lembrar, de possível inconstitucionalidade da norma, de possibilidade de incorrência em crime de responsabilidade pela expedição de ato contrário às disposições constitucionais, de criação de ambiente de insegurança jurídica e avolumamento de ações judiciais e de potencial perda significativa de arrecadação", escreveu o secretário Gustavo de Oliveira Barbosa, em ofício enviado em 14 de julho ao chefe do Ministério Público.
"Em paralelo às tentativas do governo em modificar ou suspender os efeitos da norma até então válida, é possível observar uma imobilidade fiscal desde 2019 para abonar as locadoras da obrigação tributária promulgada legalmente. Tal realidade precisa de maior investigação, de modo a ser possível apurar eventuais irregularidades praticadas na Secretaria de Fazenda" , escreveram a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) e o deputado federal Rogério Corrêa (PT-MG), na representação encaminhada ao MP mineiro.
Em julho deste ano, após pressão do governo, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou o fim da complementação de IPVA das locadoras. A lei foi sancionada pelo governador Romeu Zema. No entanto, os valores devidos entre 2018 e 2023 ainda seguem passivos de cobrança.
Para MP mineiro, cobrança é constitucional
A alegação do governo mineiro de que a cobrança era inconstitucional e que, por isso, não poderia ser realizada foi rejeitada pelo mesmo Ministério Público de Minas recentemente, no âmbito da ação judicial que tratou do tema.
O governo disse ter dúvidas, pela redação da lei, sobre quem deveria pagar a complementação do imposto - se a concessionária ou o novo proprietário do veículo, entre outros pontos.
Em parecer anexado ao processo, o promotor Rodrigo Alberto Azevedo Couto argumentou não haver dúvidas de que a complementação do IPVA deveria ser pago pelo proprietário do veículo "na data de ocorrência do fato gerador" do imposto, ou seja, em 1º de janeiro de cada ano. "Se na referida data a locadora é proprietária do automóvel, é ela a responsável pelo pagamento integral do tributo", escreveu.
Assinando o documento como assessor do procurador-geral de Justiça, Azevedo Couto registrou que a norma acabava por "garantir o princípio da isonomia", ao impedir que "as locadoras continuem a se beneficiar da alíquota reduzida - em detrimento dos demais contribuintes, que arcam com alíquota superior - quando deixam de utilizar o veículo para locação".
O UOL perguntou a Azevedo Couto que providências o MP deveria adotar diante do fato de que a cobrança complementar deste IPVA previsto em lei só ocorreu depois de cinco anos.
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Quero receber"É questionamento que deve ser endereçado, a meu ver, à Curadoria do Patrimônio Público", respondeu o promotor.
Lei é questionada por sindicato
A publicação da lei que proibiu a partir deste mês novas cobranças da complementação do IPVA e concedeu benefício fiscal às locadoras é alvo de críticas do Sinfazfisco-MG (Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais).
Para o sindicato, a lei de concessão do benefício concedido fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por não medir o impacto orçamentário-financeiro nas contas do Estado, uma exigência legal.
O novo benefício também fere, no entendimento do sindicato, o regulamento do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que obriga estados aderentes a reduzir em pelo menos 20% dos incentivos e benefícios fiscais dos quais decorram renúncias de receitas.
"Ao que parece, Zema prega austeridade fiscal para os pobres e benefícios fiscais para os ricos, ainda que isso ofenda a LRF e o RRF", argumentou o presidente do Sinfazfisco-MG, Hugo René de Souza.
A Emenda Constitucional 109, aprovada e promulgada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), também proíbe a ampliação de incentivos de natureza tributária quando a despesa corrente do governo é superior a 95% das receitas correntes, atual situação de Minas Gerais.
Aliados de Zema vêm argumentando que não consideram o fim da cobrança complementar um benefício às locadoras, mas uma resposta ao "ambiente de guerra fiscal" em que o estado se encontra, diante do risco de as empresas deixarem Minas por conta desta tributação específica.
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