Thiago Herdy

Thiago Herdy

Reportagem

Conheça Xingozinho, o ex-vereador que virou diretor de estatal nuclear

A falta de experiência em energia nuclear, setor elétrico, gestão de empresas ou sustentabilidade não impediu o ex-vereador de Coronel Fabriciano (MG), Leandro Xingó Tenório de Oliveira, 41 anos, de tomar posse há duas semanas como diretor de gestão e sustentabilidade da ENBPar, estatal que controla a Eletronuclear e é dona de 50% da Usina de Itaipu.

Xingozinho, como é conhecido no meio político, ganhará R$ 55,9 mil por mês, conta que inclui salário (R$ 41,2 mil), previdência complementar (R$ 6,1 mil), auxílio-moradia (R$ 4,3 mil), plano de saúde (R$ 3 mil) e auxílio-alimentação (R$ 1,2 mil).

Ele alcançou o posto no governo Lula pelas mãos de Alexandre Silveira (PSD), ministro de Minas e Energia, que em duas décadas dedicadas à política fez seu patrimônio crescer 30 vezes e alcançar quase R$ 80 milhões, conforme mostrou recentemente o UOL.

Com as usinas de Itaipu e Angra no portfólio, a ENBPar teve receitas de R$ 19,8 bilhões no ano passado.

Entre os desafios da alta administração da estatal estão a conclusão das obras de Angra 3, de expansão de Angra 1 e da estrutura de enriquecimento de urânio, além de projetos de fabricação de combustível nuclear.

Experiência

Ao apresentar-se ao Comitê de Pessoas, Elegibilidade, Sucessão e Remuneração da estatal, Xingozinho foi instado a comprovar o exercício de quatro anos em cargo de comissão ou função equivalente ao nível DAS-4 na administração pública.

Com base nos documentos apresentados, o comitê somou curtos períodos de colaboração dele como "consultor geral" da Prefeitura de Ipatinga, quatro meses em postos de secretário municipal no interior mineiro e quase dois anos na Secretaria de Governo da Prefeitura de Belo Horizonte.

Por fim, entraram na soma 508 dias exercidos por ele na função de secretário parlamentar de Alexandre Silveira na Câmara dos Deputados, em seu primeiro mandato, entre fevereiro de 2007 e junho de 2008.

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Os integrantes do Comitê não perceberam que ele só ocupou o cargo de secretário parlamentar em função apta à contagem na ENBPar, com o código SP25, a partir de 7 de maio de 2008, ou seja, por 55 dias. Antes desta data ele tinha cargos que não contam para a ENBPar (SP04 e SP05).

A reportagem encontrou mais um erro no documento: a ata registrou que Xingozinho foi nomeado para cargo de chefia na prefeitura da capital mineira a partir de 12 de maio de 2021. O diário oficial da Prefeitura de BH informa uma outra data: 28 de maio de 2022, mais de um ano depois.

Em outras palavras, há indícios de que ele não poderia ter tido seu nome aprovado pelo comitê de elegibilidade, tampouco ter sido empossado diretor da ENBPar, de acordo com o documento que motivou sua aprovação e que foi obtido pelo UOL.

Assessor

Nos últimos dois dias, a reportagem questionou a ENBPar sobre as inconsistências na nomeação do diretor.

O conselho de administração da estatal divulgou uma errata da ata, assinada anteontem (26), adicionando à contagem o período em que ele atuou como assessor de Silveira na Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana de Minas, entre 2011 e 2012. Não o fizeram antes por "erro material", informou o conselho.

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Há indícios de outras razões: não se tratava de um cargo de direção, mas assessoramento simples na secretaria, com salário código DAD-7 (R$ 4,4 mil), de acordo com o diário oficial estadual.

Na estrutura da secretaria, tinham salários melhores e também atuavam subordinados a Silveira o diretor-geral da Agência Metropolitana (R$ 9 mil), o corpo de diretores (R$ 8 mil), ocupantes dos cargos DAD-10 (R$ 7,7 mil) e DAD-8 (R$ 5,6 mil).

Ainda que o político argumentasse despachar diretamente com seu padrinho, e contasse com uma gratificação temporária extra de R$ 1 mil, na hierarquia salarial ele chegava em quinto lugar. Para estar na ENBPar, o mínimo exigido é o quarto.

Os equívocos na contagem da passagem de tempo do político pela Câmara dos Deputados e pela prefeitura de BH foram ignorados na errata.

Organograma

A falta de experiência do novo diretor na área nuclear ou em projetos de sustentabilidade surpreendeu parte dos funcionários da estatal.

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Ao ser questionado pelo UOL sobre a crítica, ele mencionou ter sob seu guarda-chuva no organograma da empresa as áreas de gestão de recursos humanos, tecnologia da informação, administração de bens da União e aquisição de suprimentos.

"Se você falasse pra mim: 'Você vai ser gestor de comercialização de energia'. (Eu responderia que) não tenho experiência nenhuma a respeito disso", disse o indicado, ressaltando considerar ter "segurança total" para atuação nas outras áreas.

Mas e o tema da sustentabilidade?, perguntou a reportagem.

"A minha proposta é tirar a sustentabilidade da minha diretoria, não sei se será aprovada. Se você analisar friamente e minuciosamente, verá que a sustentabilidade não tem força dentro do organograma atual", sugeriu.

Quando perguntado sobre erros na contagem de experiências de gestão pública para sua aprovação como diretor da ENBPar, Xingozinho disse que ia verificar a situação, mas não retornou.

Parceria antiga

Na época secretário de Saúde de Minas, Alexandre Silveira cumpre agenda com o então vereador Leandro Xingó, em 2014
Na época secretário de Saúde de Minas, Alexandre Silveira cumpre agenda com o então vereador Leandro Xingó, em 2014 Imagem: Divulgação

Ex-delegado de polícia, Alexandre Silveira foi aliado de longa data do pai de Xingozinho, João Xingó, ex-delegado regional de Ipatinga, base eleitoral de Silveira.

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O filho do delegado Xingó construiu sua história na política à sombra do político mineiro.

Quando Silveira foi eleito pela primeira vez deputado federal, foi secretário parlamentar do gabinete do político em Brasília.

Entre 2011 e 2012, atuou como assessor na Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana de Minas, liderada pelo padrinho.

Quando Silveira era secretário de Saúde, cumpria as agendas no Vale do Aço na companhia de Xingozinho, então vereador.

A editora do livro biográfico "Alexandre Silveira - a Trajetória de um líder" é a mesma que confeccionava o informativo "A vez de todos", jornal do mandato de Xingozinho na Câmara dos Vereadores.

Quando Silveira assumiu a presidência do PSD-MG, em 2021, Xingozinho lá estava, como integrante da assessoria política.

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Foi para atender a Silveira que o colega de partido, Alexandre Kalil (PSD), nomeou Xingozinho para a prefeitura em 2021. No ano seguinte, ele assumiria a gerência de captação de emendas parlamentares.

Mesmo sem ter qualquer cargo, nos primeiros meses deste ano Xingozinho despachava no gabinete de Silveira, segundo registros de visitantes da portaria do Ministério de Minas e Energia obtidos pelo UOL.

"Eu estava no ministério porque desde fevereiro meu nome era ventilado para ser diretor dessa área e eu tinha que tomar par da situação", justificou Xingozinho.

Mas até a nomeação para o cargo, o senhor não tinha o que fazer lá, tinha?, insistiu a reportagem.

"Eu achei que ia ser nomeado mais rapidamente", argumentou.

O político perdeu as duas últimas eleições: em 2018 teve 5,4 mil votos e não se elegeu deputado estadual; em 2020 foram 554, e perdeu a disputa para vereador.

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Currículo

Em defesa de sua nomeação ao cargo, Xingozinho compartilhou um ofício encaminhado ao ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, indicando seu nome ao cargo na ENBPar.

"Reafirmo a importância do encaminhamento do nome mencionado para o cargo postulado, e reitero, ainda, o apoio da Bancada do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais ao pleito", registra o documento.

O texto menciona qualidades de Xingozinho como "pós-graduado em direito administrativo e licitações e também em direito público, com vasta experiência no setor público", e é assinado por dez parlamentares do partido.

O UOL perguntou a um dos signatários, o deputado Rogério Correia (PT-MG), por que ele apoiou Xingozinho ao cargo na alta administração da estatal mais importante do setor elétrico brasileiro, apesar da falta de conexão dele com o tema.

"Sendo (um quadro) do estado, é comum realizar o que chamamos de apoiamento. A análise técnica fica a cargo do responsável pela contratação", respondeu.

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"Vocês não apoiam qualquer pessoa que faz essa solicitação, estou certo?", perguntou a reportagem.

"A não ser que tenhamos alguma restrição ética ou política. Como ele apoiou Lula e tem ligação política com o ministro Alexandre Silveira, não haveria motivo para veto", explicou.

A pós-graduação em direito administrativo e licitações de Xingozinho mencionada na carta petista foi também levada em consideração pelo comitê de elegibilidade, ao considerar "notório conhecimento compatível com o cargo".

Ele a realizou na modalidade à distância, na Faculdade Única de Ipatinga, entre 2020 e 2022, com carga horária de 500 horas/aula.

Atualmente ela é vendida no site da faculdade, com maior carga horária, 720 horas. Por WhatsApp, a reportagem recebe um post publicitário:

"Conclusão em seis meses mínimos, entrega do certificado 24 horas após conclusão, video aulas com resolução cinema (prêmio inovação 2020), TCC opcional", entre outras observações.

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Custa 12 parcelas de R$ 114,90 no cartão, já inclusa matrícula. Para quem aderir ainda nesta semana, uma promoção está em curso:

"Ganha de bônus + uma pós-graduação de sua escolha!", arvora-se a vendedora.

Reportagem

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