Thiago Herdy

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Reportagem

Empresa de novo dono do Cruzeiro viabilizou pagamentos ilegais da JBS em MG

A empresa Supermercados BH, do empresário Pedro Lourenço, foi usada pela JBS - maior exportadora de carnes do mundo - para realizar pagamentos ilegais a políticos de Minas Gerais nas eleições de 2014, de acordo com relatos de executivos da JBS e do próprio supermercado.

Lourenço, que tem 68 anos, ganhou projeção nacional no último mês, ao comprar a SAF dona do Cruzeiro do ex-jogador e empresário Ronaldo Fenômeno. Ele fundou seu primeiro negócio em 1996 e hoje comanda a quinta maior rede de supermercados do país, com faturamento anual de R$ 17 bilhões.

O envolvimento dos Supermercados BH com pagamentos ilegais a políticos foi revelado em um dos capítulos da colaboração premiada assinada por dirigentes do grupo J&F, em 2017, e homologada pelo STF.

Os relatos seguem válidos para uso em ações penais em andamento sobre corrupção, apesar do debate atual em torno do valor da multa a ser pago pelas empresas que confessaram corrupção no país, desde a Lava Jato.

Logo após a delação da JBS, um executivo da própria empresa Supermercados BH e sócio de Lourenço, Waldir Rocha Pena, confirmou o uso da empresa para realizar os pagamentos em dinheiro a interlocutores indicados pela JBS, mas alegou desconhecer o motivo dos repasses.

Segundo ele, funcionava assim: a JBS quitava parte do débito que o supermercado tinha com ela, por conta da venda de carnes. Em troca, funcionários dos Supermercados BH, de Lourenço, repassavam o mesmo valor, em espécie, a emissários indicados pela JBS.

Em seu depoimento, Pena forneceu mais detalhes da operação revelada pela empresa de carnes. Disse que o dinheiro era guardado em um cofre e acondicionado em caixas de sabão em pó para ser repassado aos emissários indicados pela JBS.

O presidente da divisão de carnes da JBS à época, Renato Costa, confirmou o depoimento e disse ter cumprido ordens de seus superiores. Documentos obtidos junto à contabilidade da JBS e dos Supermercados BH também confirmaram a operação de lavagem.

Mais que sócio de Pedro Lourenço no Supermercados BH, Pena é homem de sua confiança. Tanto que também figura como sócio da BPW Sports, nova empresa que será dona do Cruzeiro, segundo informou o colunista do UOL Rodrigo Mattos.

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Em seus relatos, a JBS informou ter usado os Supermercados BH para fazer pagamentos ilegais em duas ocasiões, ambas em 2014:

  • pagar políticos do MDB mineiro que apoiaram a candidatura de Fernando Pimentel (PT) ao governo mineiro
  • repassar recursos ao PSDB mineiro e a interlocutores do então candidato à Presidência Aécio Neves.

A investigação sobre os pagamentos ao MDB mineiro ainda está em curso e o processo tramita no TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília.

Ainda que o caso caminhe a passos lentos, ele ainda poderá trazer dor de cabeça para Lourenço: autoridades com acesso aos autos disseram ao UOL que existem no processo elementos de corroboração da delação dos executivos da JBS.

E mais: há indícios de envolvimento do novo dono do Cruzeiro com o assunto. Na condição de principal administrador da rede de supermercados, sempre cabia a ele a palavra final em decisões importantes relacionadas à empresa. O processo tramita sob sigilo.

A investigação sobre o PSDB foi arquivada no início deste ano pelo ministro do STF Flávio Dino, seguindo proposta feita pela PGR. O processo, de número PET 11335, também tramita sob sigilo.

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O caso começou a tramitar no STF, depois ele foi encaminhado à Justiça Federal e retornou ao STF recentemente.

Desde a época das apurações iniciais dos dois casos, o maior desafio era obter elementos de provas sobre o caminho percorrido pelo dinheiro após a saída do caixa dos Supermercados BH.

O UOL perguntou a Waldir Pena se ele mantinha o que declarou às autoridades a respeito do uso do supermercado para realizar pagamentos ilegais.

"Eu não sei o que eu disse, eu não lembro, tem muitos anos. Só meus advogados podem te confirmar essa informação", ele informou.

O advogado de Pena e de Lourenço, Maurício Campos Jr., informou que os dois não se manifestariam sobre o caso.

"A defesa de Pedro Lourenço de Oliveira e Waldir Rocha Pena não comentará publicamente fatos que constituam ou que tenham constituído objeto de procedimentos administrativos ou judiciais, findos ou em curso".

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A reportagem perguntou ao gabinete de Dino, à assessoria da PGR e também ao advogado do deputado federal Aécio Neves (PSDB), Alberto Toron, qual a razão do arquivamento do processo que investigava o pagamento ao político. Os três informaram que não seria possível informar, por conta do sigilo do processo.

A mesma pergunta foi feita a Aécio, por meio de sua assessoria, que informou que a decisão de arquivamento não estava disponível. A assessoria divulgou a seguinte nota:

"A falsa acusação foi desmascarada no curso das investigações e, em razão disso, o STF arquivou o inquérito isentando o Deputado Aécio Neves de qualquer responsabilidade. No entanto, é lamentável que, mesmo desmentidas pela Justiça, acusações inconsequentes e sem qualquer tipo de prova, continuem sendo reproduzidas com reiterados danos a quem desde o início foi na verdade vítima dessas falsas histórias".

O grupo J&F, controlador da JBS, informou que não vai se manifestar sobre o caso.

Reportagem

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