Ministro desiste de divulgar declaração que ganhou sigilo de 100 anos
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, desistiu de tornar públicos os dados da Declaração de Conflito de Interesses (DCI) entregue por ele ao assumir o cargo no governo, no início do ano passado.
Ele havia prometido divulgar detalhes do documento após a divulgação de decisão da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), formada por integrantes do governo Lula, que citou uma previsão de sigilo de cem anos para negar de forma definitiva acesso a qualquer parte da declaração.
De acordo com reportagem da Globonews da última sexta-feira (19), diante da repercussão negativa do fato, Silveira informou que divulgaria a íntegra do documento de forma voluntária nesta semana.
Nos últimos três dias, esta coluna solicitou o envio das informações à assessoria do ministério e também diretamente ao ministro. Nesta quarta-feira (24), a assessoria informou que os dados solicitados não seriam divulgados.
"A Lei de Acesso a Informação classifica automaticamente informações de caráter pessoal com o status reservado. Dessa forma, o ato não decorre de ação do governo e sim do citado dispositivo legal", escreveu, em nota, a assessoria.
A assessoria também enviou ofício do governo federal afirmando que os documentos foram analisados na época em que foram enviados, sem que houvesse indicação, por parte da CEP (Comissão de Ética Pública), de conflito de interesses na atuação de Silveira à frente do MME.
Ao assumir cargo no Executivo, todos os ministros são obrigados a informar ao governo se parentes de até terceiro grau exercem atividades que possam suscitar conflito de interesses com sua atividade no governo.
O documento também deve relatar o exercício de atividades privadas no ano anterior à posse e, ainda, "bens e atividades econômicas" que não estejam detalhados na declaração de Imposto de Renda da autoridade enquanto pessoa física.
Na última segunda-feira (22), Silveira declarou à Folha de S.Paulo que não teria problemas em divulgar as informações prestadas à CEP. "Para mim, não há o que esconder. Se o jornalista que pediu acesso a essa declaração para a CEP tivesse me pedido, eu teria dado", disse.
No entanto, há pouco mais de um ano, em 5 de junho de 2023, em meio à apuração de uma reportagem sobre o patrimônio construído desde a sua entrada na política, o UOL enviou a seguinte pergunta diretamente a Silveira, por e-mail:
"O senhor aceitaria nos enviar cópia da declaração de bens e conflitos de interesses encaminhada à Comissão de Ética Pública ao tornar-se ministro?"
Em vez de enviar a declaração, Silveira enviou dois documentos, de uma página cada um.
No primeiro consta apenas um número de protocolo de entrega da DCI à comissão da Presidência. No segundo consta um registro de autorização de acesso aos dados da Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) do ministro.
O documento informa que "a autorização não exime o agente público de informar seus bens e atividades econômicas ou profissionais que não constem da Declaração de IRPF entregue à Receita Federal".
Com o sigilo imposto pela comissão do governo Lula e a desistência do ministro em divulgar os dados de forma voluntária, não é possível saber em detalhes que informações foram, afinal, prestadas ao governo.
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Quero receberPatrimônio de Silveira
Reportagem do UOL do ano passado mostrou que a maior parte do patrimônio de Silveira está alocada em suas empresas — e por isso não aparece em suas declarações, como pessoa física, à Receita e ao TSE.
Desde a entrada de Silveira na política, em 2006, seu patrimônio se multiplicou por 30 e alcançou R$ 79 milhões, segundo estimativa conservadora.
O ministro atribuiu o crescimento à "vida empresarial" que exerceu paralelamente à atividade política, como empreendedor imobiliário, que nunca havia sido tornada pública por ele. Ele é ex-delegado de polícia.
Conforme mostrou a reportagem do UOL, parte do patrimônio de Silveira foi construída em sociedade com empresas de um primo, Cláudio Lúcio de Magalhães Silveira Júnior.
Cláudio é dono de uma mineradora que recebeu neste ano licença para pesquisar diamantes em uma região cercada de fazendas da família do ministro, de acordo com a Folha de S.Paulo.
Proteção de dados pessoais
No ano passado, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República indeferiu duas vezes pedido de acesso aos dados informados pelo ministro, alegando tratar-se se "informações pessoais, inclusive com dados patrimoniais das autoridades, portanto, de acesso restrito".
Um recurso em terceira instância contestando a decisão foi apresentado à CGU (Controladoria-Geral da União), sugerindo que trechos do documento protegidos por sigilo estivessem tarjados, mas não houve sucesso — o órgão manteve a restrição.
A decisão contrariou norma do próprio órgão, conforme noticiou a colunista do UOL Raquel Landim. De acordo com manual de diretrizes da CGU, "informações pessoais não podem ser utilizadas de forma geral e abstrata para se negar pedidos de acesso a documentos ou processos que contenham dados pessoais, uma vez que esses podem ser tratados (tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc)".
Ainda segundo o órgão de controle, "a proteção de dados pessoais deve ser compatibilizada com a garantia de direito de acesso à informação, podendo aquela ser flexibilizada quando, no caso concreto, a proteção do interesse público geral e preponderante se impuser".
O recurso à Comissão Mista era a última chance de acesso ao documento. Na ocasião, o UOL argumentou que nem todas as informações do documento solicitado estão legalmente protegidas por sigilo fiscal e que, na condição de detentor de cargo público, o ministro deveria estar exposto ao escrutínio público, com direito a privacidade reduzido em relação àquele conferido ao cidadão comum.
No entanto, o pedido foi indeferido, de forma definitiva.
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