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Valmir Salaro

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Reportagem

Fenol: Influencer concluiu curso dias após morte de paciente, diz inquérito

A influenciadora Natalia Fabiana de Freitas, conhecida como Natalia Becker, dona da clínica onde um jovem morreu após fazer o peeling de fenol em junho, finalizou o curso online sobre o procedimento somente 42 horas após o falecimento do empresário Henrique Chagas. A informação consta no relatório final da Polícia Civil de São Paulo, obtido pela coluna.

A vítima de 27 anos morreu por volta das 14h23min do dia 3 de junho devido a um edema pulmonar agudo ao inalar fenol durante a realização do procedimento estético, de acordo com o laudo do IML (Instituto Médico Legal).

Na intervenção, considerada invasiva e conhecida por estimular o rejuvenescimento, o fenol penetra na epiderme (a camada mais superficial da pele), o que causa sua necrose e induz reação inflamatória controlada também na derme (camada localizada abaixo da epiderme).

Henrique Silva Chagas, de 27 anos, morreu durante um procedimento estético realizado em uma clínica em São Paulo
Henrique Silva Chagas, de 27 anos, morreu durante um procedimento estético realizado em uma clínica em São Paulo Imagem: Reprodução/Redes sociais

Natalia foi indiciada por homicídio com dolo eventual — quando se assume o risco de produzir a morte de alguém — em 5 de junho. Ela está solta.

A Polícia Civil solicitou informações à plataforma onde Natalia fez o curso online, e o histórico mostrou que ela finalizou 24 aulas — de um total de 31 — no dia 5 de junho por volta das 8h50. Ou seja, quase dois dias após a morte do empresário. Horas depois da conclusão do curso, ela prestou depoimento às autoridades.

A investigação também apontou que somente sete aulas foram concluídas por Natalia em 2023. Ela comprou o curso no ano passado em uma plataforma online pelo valor de R$ 397.

No documento, a autoridade policial diz que a indiciada fazia o procedimento invasivo com base em um curso com "apenas seis horas de duração" e ministrado pela farmacêutica e biomédica Daniele Stuart, também investigada pela Polícia Civil do Paraná após a morte de Henrique por suspeita de exercício ilegal da medicina.

O CFF (Conselho Federal de Farmácia) e o CRF-PR (Conselho Regional de Farmácia do Paraná) saíram em defesa de Daniele Stuart e afirmaram que farmacêuticos com o título de especialista, como ela, podem atuar na área de saúde estética e resoluções vigentes permitem o trabalho do profissional, não infringindo a Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842/2013), que dispõe sobre o exercício da medicina.

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Em posicionamento anterior, Daniele disse que Natalia "não tinha senso, conhecimento e formação nenhuma para realização" do peeling de fenol. A defesa dela, representada pelo advogado Jeffrey Chiquini, afirmou que o curso ministrado pela cliente era "online e exclusivamente conceitual" e não tem caráter profissionalizante. O advogado acrescentou que a farmacêutica não realizou a aplicação de peeling em Henrique e acusou Natalia de tentar "fugir da sua responsabilidade".

O UOL apurou que a descrição do curso na plataforma de venda indicava que as aulas eram para o procedimento de peeling de fenol atenuado, que seria "menos doloroso e agressivo": "A pré-oxidação do fenol com substâncias alcalinizantes torna o peeling menos doloroso e agressivo, sem perder sua capacidade única de regeneração cutânea", diz o texto.

Para as autoridades, Natalia sabia, ao contrário do que é dito por ela, "da lesividade do fenol". Para a defesa dessa tese, a investigação citou trechos da apostila do curso que indicam que o fenol é considerado um peeling profundo e é uma substância tóxica para células do organismo.

A apuração também apontou que a apostila fornecida não indica "em nenhum momento" que a pele do paciente deveria ser lesionada com pequenas agulhas, como feito pela influenciadora, para que o fenol penetrasse ainda mais. "Ressalte-se que, em que pese a ciência da ação nociva da substância química, a investigada [Natalia] optou por conta própria em maximizar seu efeito." A vítima pagou R$ 4.500 para fazer o procedimento com Natalia.

Empresário Henrique Chagas teve a pele lesionada durante o procedimento
Empresário Henrique Chagas teve a pele lesionada durante o procedimento Imagem: Reprodução/TV Globo

Uso do fenol

Nas redes sociais, Natalia se apresentava como "esteticista", mas a Anesco (Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos) informou que ela não pode ser denominada como profissional da estética porque não tem registro profissional.

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Ainda no relatório final, a investigação apresentou parecer técnico do CFM (Conselho Federal de Medicina) que aponta que o peeling de fenol é um procedimento invasivo e, deste modo, deveria ser realizado apenas por médicos especialistas. No documento, também foi adicionada a orientação da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), que indica que o fenol, em qualquer concentração, deve ser manipulado apenas por médico em centro cirúrgico ou clínica com ambiente hospitalar e monitoramento dos sinais vitais.

Os investigadores também relembraram que o estúdio de Natalia não tinha equipamentos de primeiros socorros, nem treinamento da equipe para atender qualquer intercorrência com os pacientes.

Manipular tal substância e sequer procurar saber dos riscos inerentes ou das possíveis medidas de solução em caso de eventuais intercorrências evidencia o dolo eventual da investigada, uma vez que esta assumiu o risco do resultado, mais uma vez, frise-se, provável e possível.
Inquérito policial, obtido pela coluna

O inquérito policial foi concluído em 12 de agosto e encaminhado para análise do Ministério Público, que decidirá se denuncia ou não Natalia pelo crime. Se ela for denunciada e a Justiça aceitar o pedido da promotoria, a influenciadora vai virar ré e será julgada pelo crime.

Defesa de Natalia reforça inocência

À coluna, a advogada de Natalia, Tatiane Forte, declarou ter tomado conhecimento do relatório final da polícia e, após análise, não identificou "elemento algum de informação capaz de sustentar a responsabilidade jurídica de Natalia com relação aos crimes que lhe foram imputados, mormente pela sua comum produção unilateral e Estatal".

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Ocorre que o Direito Penal Brasileiro conta com sistema acusatório que assegura, por força constitucional, a ampla defesa e o contraditório, especialmente o princípio do estado de inocência, pelo qual somente haverá responsabilização criminal quando não houve a menor dúvida. Nesse norte, Natália informa que apresentará, na devida oportunidade, sua Defesa Criminal, apresentando as razões e as provas de sua inocência.
Tatiane Forte, advogada de Natalia

Reportagem

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