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Vicente Toledo

Em debate mais civilizado, candidatos a vice dos EUA abusam das escapadas

Colunista do UOL

08/10/2020 03h30

Os candidatos a vice-presidente dos Estados Unidos, o republicano Mike Pence e a democrata Kamala Harris, fizeram na noite desta quarta-feira um debate mais civilizado do que o protagonizado na semana passada pelo presidente Donald Trump e seu desafiante Joe Biden.

Embora tenha predominado um tom mais respeitoso, com menos interrupções e gritaria, o debate não acrescentou muito em termos de conteúdo. Ambos os candidatos evitaram responder diretamente as perguntas mais espinhosas, escapando de temas polêmicos.

O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e a candidata à vice-presidência, Kamala Harris, falam durante o debate realizado na Universidade de Utah, em Salt Lake City (Utah) - Eric Baradat / AFP - Eric Baradat / AFP
O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e a candidata à vice-presidência, Kamala Harris, falam durante o debate realizado na Universidade de Utah, em Salt Lake City (Utah)
Imagem: Eric Baradat / AFP

Pence foi, sem dúvida, o campeão das escapadas. Mesmo enquanto acusava Harris de não responder uma pergunta sobre o plano dos democratas para a Suprema Corte de Justiça, o vice-presidente fugia de uma questão sobre proteções a pessoas com doenças preexistentes.

Em um dos momentos mais marcantes do debate, o parceiro de Trump na chapa republicana não respondeu se as mudanças climáticas são uma ameaça existencial à humanidade, preferindo usar a pergunta para acusar Biden e Harris de quererem aumentar impostos.

Pence também se esquivou de falar sobre a possiblidade de assumir a presidência caso Trump tenha dificuldades em se recuperar da covid-19, sobre as ameaças do chefe de não aceitar o resultado da eleição ou mesmo sobre os planos da administração para a saúde pública em um eventual segundo mandato.

Mas o vice-presidente mostrou ser melhor debatedor do que Trump, conseguindo articular suas ideias com coerência e testar os limites das regras do debate sem apelar para a gritaria. Com postura sóbria, transmitiu credibilidade mesmo quando não falou a verdade ou defendeu atitudes indefensáveis do atual governo.

Quando Harris atacou a resposta da administração Trump à pandemia do coronavírus, por exemplo, Pence descaracterizou a fala da adversária para contra-atacar. "Quando você diz que o que o povo americano fez nos últimos oito meses não funcionou, presta um desserviço ao seu sacrifício", disse o republicano.

Em uma discussão sobre aborto, um dos temas favoritos de conservadores religiosos que apoiam Trump, o vice-presidente acusou Biden e Harris de apoiarem abortos no final da gravidez e até infanticídio, distorcendo desonestamente a posição dos adversários.

Pence também mentiu ao dizer que não sabe como votaria a juíza Amy Coney Barrett, indicada por Trump à Suprema Corte justamente por suas posições ultraconservadoras, em caso de desafio à lei que garante o direito ao aborto nos Estados Unidos.

E quando foi perguntado sobre como reagiria caso Donald Trump se recusasse a aceitar o resultado da eleição, Pence desconversou e repetiu uma das falsidades favoritas do chefe, acusando o Partido Democrata e o FBI de espionarem sua campanha em 2016.

Embora em menor escala, Harris também evitou responder questões mais espinhosas, como uma proposta democrata de aumentar o número de magistrados na Suprema Corte em resposta à guinada conservadora do tribunal no governo Trump, ou sobre a semelhança entre o plano de Biden para a questão ambiental com o chamado "Green New Deal", apoiado por expoentes da ala mais à esquerda do Partido Democrata, como o senador Bernie Sanders e a congressista Alexandria Ocasio-Cortez.

E a senadora da Califórnia não foi completamente honesta em algumas de suas intervenções, como quando exagerou ao dizer que o setor industrial americano está em recessão por causa da guerra comercial contra a China ou quando disse que Joe Biden eliminaria no primeiro dia de governo o corte de impostos realizado por Trump (qualquer alteração tributária precisa de aprovação do Congresso).

Mas Harris teve seus bons momentos. Ela passou boa parte do debate olhando para a câmera, a exemplo do que fez Biden na semana passada, dando a impressão de que falava diretamente com o público. E apesar de adotar uma postura mais cautelosa, evitando confrontos mesmo quando o adversário desrespeitava as regras do debate, conseguiu acertar alguns bons golpes.

Talvez o melhor deles tenha sido quando atacou as tentativas da administração Trump de acabar com a lei de saúde pública estabelecida pelo governo de Barack Obama, o chamado "Obamacare". "Se você tem uma doença preexistente, doença no coração, diabetes, câncer de mama, eles estão vindo atrás de você. Se você ama alguém que tem uma doença preexistente, eles estão vindo atrás de você", afirmou.

No fim das contas, o debate dos vices representou uma breve volta ao normal depois do espetáculo desastroso da semana passada. Mas com ambos os candidatos evitando polêmicas e jogando para suas respectivas torcidas, não deve alterar os rumos da corrida à Casa Branca.