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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Racismo no futebol: Espanha pode ficar fora da Copa do Mundo de 2026

Vinicius Jr. se revolta durante jogo do Real Madrid contra o Valencia - Quality Sport Images/Getty Images
Vinicius Jr. se revolta durante jogo do Real Madrid contra o Valencia Imagem: Quality Sport Images/Getty Images

Colunista do UOL

25/05/2023 10h59

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Os jornais europeus noticiaram haver —pelo regulamento e em face de racismo, ódio e discriminação nos seus estádios esportivos— a possibilidade de a seleção de futebol da Espanha ser impedida de disputar a Copa do Mundo de 2026.

E a manifestação do presidente da Fifa (Federação Internacional de Futebol), Gianni Infantino, teria sido uma espécie de aviso prévio do tipo condicional: ou se emenda, ou fica fora do mundial de seleções.

Não será algo inédito. Exclusões já acontecem e já ocorreram várias vezes no mundo esportivo. Por exemplo: em face da invasão da Ucrânia e de consumados crimes contra a humanidade (e o racismo é um destes delitos), a Rússia não participará das Olimpíadas. Atletas russos poderão, no entanto, participar avulsamente, sem representar o país. A Rússia também foi impedida de disputar as eliminatórias da última Copa pelo mesmo motivo.

Infantino, a propósito de vedações, deveria dar uma olhada no Guia sobre Episódios Racistas do Futebol Italiano.

Trata-se de uma publicação da revista eletrônica "Lavialibera". Pelos cálculos, são 30 anos de insultos, injúrias e coros racistas das organizadas a ecoar nos estádios italianos.

Num comparativo, o Vinicius JR. da Itália é o craque belga Lukaku, centroavante da Internacional de Milão. Lukaku é vítima de reiterados atos de racismo em estádios.

O coro racista do "bu, bu, bu", a imitar som animal, já foi marca registrada na curva de ocupação da torcida da Lazio, o time do coração de Benito Mussolini, criador e implantador do fascismo italiano. O uso de câmaras coletoras de imagens e de sons representou uma solução de parcial de inibição das manifestações racistas.

A lembrar também que o senegalês Koulibali, quando zagueiro do Napoli, não se conformou com as injúrias raciais. Fez as malas e foi jogar no Chelsea.

Pelas repetições frequentes, o craque Vinicius Jr. tem justa causa (e razões de sobra) para romper o contrato com o Real Madrid, fazer as malas e jogar em outro país.

Atenção para um dado assustador. Com sede em Barcelona e fundado em 1881, o jornal La Vanguardia acabou de publicar pesquisa preocupante. Pelo levantamento, em cada 30 jovens espanhóis entrevistados, 1 deles cultua valores racistas.

Em decorrência do lamentável ataque à honra subjetiva (injúria) do jogador Vinicius Jr., temos dois fatos indicativos de emprego de imoral e desumano escudo protetor.

Alguns Juristas espanhóis, como revelam os jornais da Espanha, entendem ser suficiente a aplicação de sanção esportiva. Ou seja, não se aplicar as leis criminais. Esquecem ter Vinícius Jr. vítima de crime continuado.

São lamentáveis as manifestações dos juristas. O racismo é crime contra a humanidade. Atenta ao direito natural da igualdade. Ofende o direito das gentes, ou seja, o direito internacional.

A lembrar, ainda, que a Federação Espanhola de Futebol, com poderes sancionatórios disciplinares contra os clubes filiados e os seus jogadores inscritos, aplicou sanções de bagatela: 45 mil euros (R$ 240 mil) e cinco jogos comparte dos portões fechados.

A demonstrar insensibilidade, o Valência recorreu da decisão da federação. As alegações revoltam: desrespeito aos torcedores e aos clubes federados. Eticamente, os civilizados do clube Valência devem aceitar as sanções e torcer pela suficiência em termos inibitórios de instintos desumanos e selvagens.

Parece que o franquismo ainda vive em setores do futebol espanhol.

Até os não espanhóis sabem que o presidente da LaLiga (não confundir com a Federação), um militante da direita radical espanhola, é um insensível que quis dividir as responsabilidades e criticou Vini Jr. Mostrou o seu lado fascistóide e ontem retratou-se sem convencer.

Ontem, no Chile e pela Copa Sul-Americana, os jogadores Angelo e Joaquim, do Santos, foram vítimas de racismo.

A propósito, os crimes contra a humanidade (racismo, o genocídio, a exploração e o desfrutamento de seres humanos etc) foram elencados, pelo Tratado de Roma de 1998, na competência do Tribunal Penal Internacional.


Estados nacionais civilizados, nas suas leis internas, tipificam o racismo como crime. O Brasil foi mais certeiro. Por lei deste ano de 2023, tipificou como racismo a injúria racial.

Na Espanha, as investigações sobre o caso Vinicius Jr. estão em curso. Ocorreram 7 prisões e todos já foram soltos. A magistratura da Espanha não é de passar o pano, haja vista, o caso Daniel Alves.

E não dá para esquecer ter o então magistrado espanhol de instrução Baltasar Garzón decretado a prisão, por crimes contra a humanidade, do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. Pinochet restou preso em Londres, em outubro de 1998 e por força de mandado internacional de prisão.

No Brasil, o episódio Vinicius Jr. ainda provoca justa comoção social e alguns alívios diante de prontas reações.

O presidente Lula reagiu de pronto. E o ministro Flávio Dino (Justiça) chegou a lembrar do princípio da extraterritorialidade da nossa lei penal. Ou seja, de se aplicar a lei brasileira a crimes cometidos e consumados fora do território nacional.

A regra é a da soberania do Estado dentro do seu território e disso deriva a aplicação das suas leis: princípio da territorialidade.

A lei penal brasileira, no entanto, fez ressalva. Pode ser aplicada a lei brasileira por crime fora do seu território: princípio da extraterritorialidade. Ou seja, aplica-se a lei penal brasileira diante de crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir.

Atenção, outra vez. Internacionalmente, o Brasil se obrigou a reprimir o crime de racismo. Até como subscritor do Tratado de Roma de 1998

Mas essa aplicação tem natureza subsidiária. No caso Vinicius JR. e na omissão da Espanha, o Brasil poderá aplicar a sua lei, embora o crime tenha se iniciado e consumado no exterior.

Num pano rápido. Como ensinam os manuais de ética, as efetivas e adequadas ações sancionatórias de reprovação contam mais do que os discursos e as boas intenções.