Wálter Maierovitch

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Opinião

Tarcísio não só estava, como continua 'completamente errado'

Num mea culpa fajuto, o governador paulista, Tarcísio de Freitas, declarou-se "completamente enganado" e frisou que irá reformular posição acerca das câmeras corporais.

Alto lá. Não pega bem esconder debaixo do tapete violência policial geradora de tragédias com emprego de diversionismo, com câmeras.

O governador Tarcísio continua "completamente enganado".

Tarcísio está confundindo o principal (a violência policial) com o acessório (a obrigatoriedade de uso de câmeras corporais). Foi a violência da sua polícia militar que revoltou o cidadão comum. Criou comoção. O povo considerou a resistência às câmeras como desculpa esfarrapada do governador para favorecer a versão do policial.

A questão principal, diante das tragédias dos últimos dias, é a política violenta adotada pelo governador para a segurança pública.

A complicar. Tarcisio já tinha dito, em alto e em bom som, não estar "nem aí" para as denúncias decorrentes de abusos cometidos por policiais.

O "completamente errado" não muda o sinal que Tarcísio continua a enviar aos policiais militares. Ele manterá o secretário da segurança pública, antigo adepto da violência como solução. Na verdade, a câmera corporal virou tapume para encobrir o secretário da Segurança Pública, que atuou como tenente da Rota até 2013.

A manutenção de Guilherme Derrite significa a perpetuação da mesma política. Pior ainda, representa sinal forte para as polícias da aceitação de ilegalidades e abusos.

A propósito, o secretário Guilherme Derrite, publicamente, vangloriou-se do seu afastamento da Rota: "porque eu matei muito ladrão".

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Em outra passagem infeliz, deu o seguinte recado sobre seu conceito de bom policial: "vergonha não ter (um policial) três ocorrências", numa referência à suspeita de pessoas mortas em confronto à bala.

"Completamente errado" ainda é manter o comandante da Polícia Militar, que não exige dos comandados a observância dos valores de civilidade.

Política de segurança

A política escolhida por Tarcísio privilegia a violência, que, num estado de Direito, só pode ser empregada nos limites da lei. E o governador fere a legalidade constitucional, pois não trata todos igualitariamente.

Nem depois da sua Polícia Militar ter protagonizado condutas desumanas nos últimos dias, matado 676 pessoas de janeiro a outubro deste ano, o governador Tarcísio sensibilizou-se com as tragédias. E trata os funestos episódios da baixada Santista como se fosse aqui o Haiti, por onde passou, recolheu experiência e cita exaustivamente.

Não percebe Tarcísio que tragédias e violências policiais geram insegurança na população. O medo da polícia é aterrorizador.

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Padrinho

O governador reluta na mudança de Derrite. Com isso, continua a selvageria, marca do padrinho político de Tarcísio, Bolsonaro.

Como já mencionei em anterior coluna, quando o governador escolhe o seu secretário de segurança passa às policias o sinal de como será a sua política.

Escapismo

As câmeras de filmagem são tão úteis que, no caso da vítima covardemente atirada da ponte de córrego da Cidade Adhemar, populares filmaram e isso ensejou até a decretação da prisão preventiva do policial militar.

A resistência de Tarcísio às câmeras vem de longa data, pois no início da campanha eleitoral, e a propalar a tal experiência no Haiti, reprovou o emprego das câmeras.

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Nos países civilizados as câmeras só ajudam os policiais educados para a legalidade democrática. Representam instrumento precioso de fiscalização e inibição de abusos, ilegalidades e incivilidades.

Haiti não é aqui

Desde a campanha eleitoral para o governo do estado, o governador Tarcísio fala da sua experiência no Haiti. O general Augusto Heleno já parou de falar, pois as tropas da ONU já foram acusadas de chacinas e abusos.

O Haiti, desde as ditaduras de François Duvalier e do seu extravagante filho, sempre foi apontado como modelo de violência. Com a queda do regime ditatorial, vieram as insurgências e a entropia.

Até as forças armadas tiveram que ser substituídas por uma força pública de segurança, com 4 mil homens, armados até os dentes para controlar a ordem na base do vale tudo.

O caótico Haiti, com bandos armados a manter controle social e de territórios, não pode ser comparado a São Paulo, nem com o Brasil, para colocação de experiências em prática. Salvo, no caso de se desejar polícias violentas. Mas, aí, a nossa Constituição não permite.

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Pano rápido

O escapismo de Tarcísio é preocupante.

Pelo jeito, a política de segurança não vai mudar e os cidadãos comuns terão de conviver com o sentimento de medo da Polícia Militar. Isso não é segurança, mas intranquilidade social, falta de paz.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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