Bolsonaro deu meia-volta para complicar generais da banda golpista
"O Grito" está entre as pinturas mais famosas do mundo. O norueguês Edvard Munch usou nela tintas fortes e a figura de um desesperado gritando.
Bolsonaro, desesperado pela iminência do processo criminal e das inescapáveis condenações penais, resolveu usar tintas fortes no seu quadro defensivo, negatório de responsabilidade criminal.
Ao culpar terceiros, Bolsonaro tenta se descolar das provas contidas em inquérito da Polícia Federal onde encontra-se indiciado. E busca safar-se das imputações de golpe de Estado, abolição violenta ao Estado democrático de Direito e organização criminosa.
Num primeiro plano pictórico, Bolsonaro admitiu, sem sair do campo da irrelevância criminal, que cogitou o uso de remédios jurídicos para verificar a legitimidade das eleições.
Recordou que, no "iter criminis" (caminho criminal), a mera cogitação não tipifica crimes e nem sanciona pensamentos. O seu iter delinquencial, pela farta prova, passou pela cogitação, percorreu atos preparatórios e avançou pela senda do início da execução dos crimes.
Pelo apurado no inquérito, Bolsonaro, como início de execução de crimes, preparou peças sobre decretações de estado de sítio, estado de defesa e de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Num segundo plano, por meio de seu defensor técnico, Bolsonaro jogou ao mar, dentre outros, os generais Augusto Heleno, Braga Netto e Mario Fernandes.
Heleno e Braga Netto eram ministros, e Fernandes servia na Secretaria da Presidência da República. Braga Netto era tão próximo a Bolsonaro que foi seu candidato a vice em 2022.
Surpreso por ter sido jogado ao mar, Braga Netto desabafou e lembrou sua fidelidade canina a Bolsonaro, diante da insinuação de que ele teria tramado, à revelia de Bolsonaro, um "golpe dentro do golpe".
Bolsonaro frisou que não sabia de nada e que não concorda com golpes de Estado.
Com particular chave de leitura sobre as provas, Bolsonaro, pela boca do seu defensor técnico, alertou que o seu nome não era contemplado e nem recomendado para liderar o golpe ou assumir a cadeira de presidente da República.
A essa sua tese de se desvincular à autoria e fugir à responsabilização criminal, a mídia vem chamando de "golpe do golpe".
Negativa da autoria
Bolsonaro está na iminência de ser denunciado criminalmente. No caso de a ação penal apresentada ser recebida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), terá início o processo criminal. Aí, o encargo de provar passará a ser regulado pela lei processual.
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Quero receberNo processo, aquele que acusa, o que apresenta por denúncia uma pretensão punitiva, tem o encargo, o ônus, de comprovar os fatos constitutivos, ou seja, a autoria e a materialidade criminal.
Uma vez comprovada a existência de crime e o seu realizador, o dolo, a intenção de agir (elemento subjetivo do tipo penal), será presumido.
O ônus quanto ao dolo, que é negado por Bolsonaro ao sustentar que não teve a intenção de dar um golpe de Estado e que tudo não passou de cogitação, assumirá o encargo comprobatório da alegação de fatos extintivos da sua responsabilidade.
No particular, terá dificuldades diante, por exemplo, dos peremptórios testemunhos do general Freire Gomes, então comandante do Exército, e do brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante de Aeronáutica. E existe, ainda, a delação premiada do ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid.
Para se afastar da autoria, Bolsonaro terá de comprovar a inexistência de vínculo psicológico de ligação. O nexo da coautoria, pela prova até agora colhida, é de clareza solar.
Chamada à autoria
Para tirar o corpo, Bolsonaro negou participação e conhecimento dos fatos. Aí, chamou terceiros à autoria do golpismo, plano que inclui os assassinatos do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
Na coautoria, como regra, as defesas técnicas não conflitam. Bolsonaro, ao fugir da responsabilidade, ensejará, da parte dos generais, oportunidade para declarações comprometedoras do antigo chefe igualmente golpista.
Fora isso, os generais encrencados por Bolsonaro, Augusto Heleno e Braga Neto, que sempre estiveram ao seu lado em campanhas eleitorais e como titulares de ministérios, poderão se tornar colaboradores da Justiça. Assim, poderão apresentar delações contra o interesse de Bolsonaro, tudo num contragolpe fatal.
Golpe dentro do golpe
Bolsonaro, desde o tempo da tramada rebelião por aumentos de soldos, e até croquis com prova pericial, nunca admitiu autoria de ilícitos e crimes militares.
Ele sempre abandonou os seguidores. Só para recordar, abandonou os iludidos que foram para as portas dos quartéis e foram utilizados como massa de manobra no 8 de Janeiro.
Agora, Bolsonaro imputa aos generais a autoria exclusiva do golpismo violento, com assassinatos.
A chave de leitura feita por Bolsonaro para se livrar da autoria dos crimes imputados é insustentável.
A minuta de criação de gabinete para gerir o pós-golpe tinha Heleno como chefe do ofício burocrático, mas não como presidente da República.
Braga Netto, no pós-golpe, seria coordenador e, como tal, sujeito a tarefas pré-determinadas, sem previsão para tornar-se chefe de Estado e de governo.
Enfim, Bolsonaro envelheceu, mas continuou o mesmo do tempo em que estava no serviço militar ativo.
No papel de sindicalista fardado, e com o mesmo argentarismo com o qual mais tarde de apropriou de joias de propriedade da União, o então jovem tenente Bolsonaro preparou rebeliões, com explosões de paióis do Exército, para forçar a obtenção de aumento de soldos.
Descoberto, negou as increpações em procedimento disciplinar militar. Nem dos croquis com os pontos de detonações, que desenhou e a perícia comprovou, admitiu ser o autor.
Dentre as suas metas, deixaria o Rio de Janeiro sem água potável, com detonação do rio Gandu.
Enfim, não surpreende que Bolsonaro, para tentar evitar condenações criminais e pena de prisão, tenha jogado ao mar seus colegas militares de golpismo.
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