Ao STF, como à mulher de César, não basta ser honesto, tem que parecer
Um idiomatismo italiano espalhou-se pelo mundo: à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta. Ou seja, pessoas públicas precisam parecer acima de qualquer suspeita.
Isso deveria ser recordado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) diante da iminência de apresentação de denúncia (ação penal pública) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais de três dezenas de coimputados por crimes graves: golpe de Estado, abolição violenta ao Estado democrático de Direito e organização criminosa.
Não bastasse o problema de tardar o afastamento de Alexandre de Moraes, dada a sua flagrante parcialidade, com resistência em continuar a atuar na futura fase processual, há, pelo noticiado, tendência de distribuição, por prevenção, para a Primeira Turma do STF. Uma turma integrada por Moraes, que seria o relator do caso e o prolator do primeiro voto, contra a Constituição e o Direito positivo.
Do Oiapoque ao Chuí, o ministro Moraes, para os cidadão pensantes não contaminados pela polarização política, não aparenta ser isento para ser relator e julgador. Pompeia Sula, a esposa do imperador Júlio Cesar, precisava parecer observadora das leis. Pesava contra a suspeita de haver traído o imperador em face de relacionamento amoroso com um tal Clodio.
O imperador Júlio Cesar não pediu o divórcio pelo adultério, com a declaração de indignidade de Pompeia. Frisou que a esposa do imperador não poderia ser atingida por suspeitas, estava acima delas, era e parecia honesta, pela voz do povo.
Enviar a iminente e certa denúncia do procurador Paulo Gonet para recebimento ou rejeição pelo plenário seria, até pela repercussão interna e internacional, uma resposta a Júlio Cesar: a imparcialidade do STF não pode ser nunca colocada em dúvida. E o STF deve se mostrar uno e não dividido em turmas divergentes.
Divisão de tarefas
Diante da pletora de processos e ações submetidas ao STF, num certo momento histórico, realizou-se a divisão de tarefas, para melhor e mais rapidamente ser dada a resposta jurisdicional, social.
Assim, dez ministros foram separados em duas turmas julgadoras, reservando ao plenário a competência para casos exemplificados. Portanto, pode-se decidir em mandar o caso ao plenário, pois não temos números fechados ("numerus clausus", em juridiquês).
Os tribunais federais e estaduais também são compostos, além do plenário, por turmas e câmaras. Todos mantêm a competência plenária para casos especiais.
Na hipótese da futura e mais do que certa propositura de ação penal contra Bolsonaro, o STF irá continuar a receber questionamentos sobre ser caso de enviar o inquérito, pela perda da prerrogativa do foro por parte de Bolsonaro (que não é mais) para o primeiro grau de jurisdição.
Em primeiro grau, manobras procrastinatória poderiam levar à prescrição. Fora isso, o STF, que tem a última palavra, já decidiu pela sua competência.
Pela razão de estar em jogo ofensa direta à Constituição, à qual o STF, por determinação constitucional, tem o dever de defender e preservar, era mais do que razoável a jurisdição única. Em outras palavras, uma vez recebida a denúncia, caberá ao STF processar e julgar Bolsonaro e demais corréus.
Diante desse quadro e de não se poder nunca transigir com a imparcialidade dos juízes e a boa imagem da Justiça, o STF, pelos seus magistrados, não deveria esquecer do episódio referente à mulher de Cesar.
Não se pode usar como paradigma, a fim de se manter a competência da Primeira Turma, os bagrinhos usados como massa de manobra no golpismo do 8 de Janeiro. Os fatos, com um feixe de provas convergentes sobre o golpe, com Bolsonaro comandando e liderando uma organização criminosa, têm gravidade que exige sessão plenária, sem a participação dos magistrados impedidos e suspeitos.
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Quero receberNunes Marques e Mendonça
Observando a história recente do STF, houve um processo em que o então presidente José Sarney aparecia como parte interessada.
O ministro Celso de Mello deu-se por suspeito por motivo de foro íntimo, uma vez que foi indicado, por notórios méritos, por Sarney. Ninguém pediu ou cogitou a suspeição.
Mas o ministro não se sentia confortável para julgar caso de interesse daquele que o havia indicado para a cadeira do STF.
Atenção: Celso de Mello tinha chegado ao STF por mérito indiscutível. Lembro que, nos anos de chumbo da ditadura militar, ele carregava o apelido de "Celso, jurista", pela sua dedicação, seu compromisso democrático e suas notas honrosas como bacharel, quando cursava a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Os atuais ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, escolhidos e indicados por Bolsonaro para integrar o STF, deveriam espelhar-se em Celso de Mello.
Mais ainda: quanto à imagem do STF, os dois não deveriam esquecer o idiomatismo da mulher de César.
Os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, — aqueles da tubaína e que nunca chegariam ao STF senão pelas mãos de Bolsonaro—, deveriam se afastar.
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