Em tempos de ódio bilateral, tanto Lula quanto Bolsonaro são alvos
Como esperado, numa nação polarizada politicamente e que transpira ódio pelos poros, a internação hospitalar e os dois procedimentos realizados no presidente Lula alvoroçaram as redes sociais.
Vieram exteriorizações de ódios armazenados, algumas que tipificam crimes contra a honra e, outras, retorsões descalibradas que caracterizam excesso ilegítimo, por parte dos antibolsonaristas raivosos.
Difundiram-se imagens de Lula em urna fúnebre, enquanto muitos saíram lastimando o insucesso da tentativa de homicídio perpetrada por Adélio Bispo contra Bolsonaro.
Entre baixarias e atropelos éticos, não faltou uma linha de Tordesilhas, separatória do ódio bilateral, por cima da qual navegou o jocoso, excluindo o dolo criminal. Por exemplo, as postagens que mostram o vice-presidente Geraldo Alckmin de chuteiras, em alongamento muscular, para ingressar em campo.
Sobre essa linha divisória circulou, ainda, o humor ácido, como a imagem de Lula ao lado da falecida esposa, Marisa Letícia, observando, em escrito negritado, que o Natal é tempo de reencontro.
Atenção. Muito se fala do brasileiro como detentor de uma cultura judaico-cristã.
As reações telemáticas de momento, sem deixar de fora as conversas impiedosas, com Lula numa luta para contenção de sangramento no cérebro, mostram profunda mudança cultural, prevalecendo o barbarismo.
Direito penal
Numa imagem, com dois círculos concêntricos, o referente à ética é bem maior que aquele representativo do direito criminal. Por isso, nem tudo que afronta a ética tipifica crime.
A intenção de ver Lula morto não tipifica crime. Agora, imagens reveladoras dessa intenção funesta de aversão, com ou sem escritos, podem representar crimes de injúria ou difamação. Por exemplo, a associação da morte de Lula com corrupção, roubalheira.
A honra subjetiva, os sentimentos internos de dignidade e decoro, pode ser ferida. Também pode ser alcançada a reputação, o que os outros podem pensar do ofendido, e, aí, caímos no campo da honra objetiva.
Como os casos de crimes contra a honra do presidente da República dependem de representação, bastará a Lula provocar o procurador-geral, Paulo Gonet, para que ele, analisando os casos, proponha ou não ação penal pública condicionada.
Convém lembrar que a reprovação e o sancionamento do crime de homicídio são muito antigos. E a nossa Constituição protege a vida humana.
Na Lei das 12 Tábuas (450 aC) o homicídio já era sancionado com a morte. Depois, agravou-se e, além de o assassino morrer, tinha sua mão cortada.
Com a humanização do direito penal, a partir de 1764, chegou-se ao inter criminis (o caminho do crime). A cogitação, a mera intenção sem atos de início de execução, não merece reprovação criminal, mas ética.
Dois causos
Primeiro. Impressiona o número de cristãos bolsonaristas, mais no âmbito dos evangélico-pentecostais, desejosos de ver Lula morto, sendo, para esses crentes de fancaria, o seu atual estado clínico um momento de esperança.
O "delenda est Lula" (no latim, Lula deve ser destruído) como no histórico "delenda est Cartago", virou desejo incontido e expresso nas redes e conversas.
Ora, ora, senhores bolsonaristas crentes, que pesado pecado. Até este articulista que não tem religião, mas estuda algumas delas, sabe do sonho do rei Salomão, o justo.
Segundo os textos sagrados, Salomão teve um sonho, e o Senhor lhe apareceu e disse para pedir o que desejasse.
Salomão pediu sabedoria para julgar o seu povo. Essa resposta agradou ao Senhor, que observou: como não pedistes a morte do teu inimigo, mas um coração justo, o seu desejo será atendido.
Como se nota, em muitas exteriorizações, até os bolsonaristas que vomitam regras religiosas e ético-morais perdem-se na contradição, no fanatismo político.
Segundo causo.
A Cosa Nostra siciliana, em setembro de 1982, metralhou e matou o general Carlo Alberto Dalla Chiesa, quando ele dirigia o seu automóvel por Palermo. O general havia sido designado pelo premiê Giulio Andreotti, sete vezes chefe de governo na Itália, para combater a máfia na Sicília.
Andreotti, para muitos historiadores, estava interessado na morte do general Dalla Chiesa, e nada melhor do que mandá-lo, sem estrutura e recursos e com alto risco, para contrastar e reprimir a potente máfia siciliana.
Quando Andreotti faleceu, em maio de 2013, com condenação por associação à máfia e prescrição pela idade vetusta, o filho do general, sociólogo, escritor e professor da mais badalada universidade italiana, a Bocconi de Milão, escreveu, depois de justificativas, mais ou menos o seguinte sobre Andreotti, no prestigioso jornal Corrriere della Sera: "não fará falta".
Pano rápido
No caso do professor Nando Dalla Chiesa, filho do general Carlo Alberto, tivemos a livre manifestação do pensamento crítico.
Agora, abusa e extrapola a liberdade de expressão aquele que, com relação ao presidente Lula, prega a morte, destila o ódio, expõe forte e persistente sentimento de aversão a quem deseja a destruição, o fim da vida. A propósito, cabe indenização por ofensa moral.
A mesma conclusão vale para lulistas que pregam em favor da morte e destruição de Jair Bolsonaro e seus seguidores.
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