Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

STF: intromissão e pressão de ministros na sucessão de Weber

A saudosa historiadora e escritora francesa Claude Mossé, titulada professora emérita da Universidade Paris 8, é considerada a maior especialista em história da Grécia antiga dos séculos 4 e 5 aC.

Na obra intitulada "Péricles, o inventor da democracia", Mossé consegue nos encaminhar, pelas trilhas dos três discursos de Péricles recuperados pelo historiador Tucídides, à verdadeira dimensão do espírito democrático. Aquele espírito qualificado pela vontade da maioria, sem perda de voz pelas minorias e que impõe o tratamento igualitário aos cidadãos.

Por que é momento de lembrar Mossé?

Resposta: pela perda, por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), do espírito democrático, com investidas a desmontar a nossa Constituição de 1988.

Conforme informado pela competente Juliana Dal Piva do UOL, dois ministros do STF, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, têm predileção por Flávio Dino para suceder a ministra Rosa Weber — que deve se aposentar até outubro.

Na semana passada, a mídia noticiou ter prevalecido na escolha de um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) o candidato que tinha como cabo eleitoral o ministro Dias Toffoli. E saiu derrotado o "candidato" do ministro Alexandre Moraes.

Poucos meses atrás, em duas cadeiras para desembargadores abertas pelo quinto constitucional, classe do Ministério Público, foram eleitos os dois apoiados pelo ministro Alexandre de Moraes.

Para cadeiras no STF e STJ, a escolha, como todos sabem, é do presidente da República. E nos tribunais estaduais, no caso do quinto constitucional, do governador da unidade federativa.

A nossa arquitetura constitucional é essa. O espírito é vedar, proibir a formação de uma casta judiciária, com ministros do STF a escolher os seus afilhados, apadrinhados. No fundo, evitar a formação de panelinhas julgadoras no STF. E, por que não colocar, a influência em outro tribunal, em tempos que parentes de ministros podem advogar em todos os tribunais.

Continua após a publicidade

Atenção: panelinhas a gerar a formação de maioria nos julgamentos.

Por exemplo: a panelinha do ministro fulano contra a panelinha de sicrano. No meio, independentes a constituir minorias. Na boca do povo, nomes como Gilmar Mendes, decano, e Moraes, o xerife, são citados como líderes das panelinhas, da "politicagem".

A Constituição faz a blindagens dos juízes, com vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade. E os códigos processuais asseguram, nos julgamentos, o livre convencimento. Nada como fazer um favor, colocar no cargo e na função para se tentar quebrar a independência. Afinal — e como afirmou Milton Friedman —, não existe almoço grátis.

Folhas de jornais e muita tinta estão sendo gastas no momento com matérias sobre a sucessão de Augusto Aras, na procuradoria-geral da República. E as informações dão conta da existência de um nome forte, com pressões de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. A escolha é da competência exclusiva do presidente Lula, condicionado à aprovação em sabatina pelo Senado.

Importante: o procurador-geral da República é o chefe do Ministério Pùblico Federal. Atua junto ao STF, mas não integra, como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional.

Numa democracia, é salutar que o presidente da República faça consultas antes da escolha de um ministro para as Cortes suprema e superior. Só que consulta não legitima pressões e lobbies.

Continua após a publicidade

Desnatura um regime democrático ministros do STF travestirem-se em cabos eleitorais. E é tola a justificativa de desejarem nomes à altura. Ora, é da responsabilidade do presidente da República a indicação para o STF de nomes ilustres, com reputação ilibada e notório conhecimento jurídico.

Volto a Mossé, quando ressalta a profissão de fé de Péricles: "não se alcança funções senão pela virtude do mérito".

Num pano rápido: é antidemocrática e vergonhosa a atuação de magistrados do STF como cabos eleitorais, a tentar formar, pelo apadrinhamento, grupos de poder, de influência. Coisa de república bananeira, ou, para lembrar Raymundo Faoro, dos "donos do poder".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes