PEC das Drogas: crime organizado agradecerá conservadorismo de Pacheco
A chamada Lei Seca norte-americana fez a fortuna do crime organizado, dos clãs familiares e dos políticos. Sua vigência foi longa, durou 13 anos, de 1920 a 1933.
O nosso similar está na infeliz Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2023) encabeçada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aprovada no Senado, foi para a Câmara dos Deputados.
O projeto legislativo proibicionista americano foi do então senador republicano Andrew Volstead, do estado de Minnesota. Virou o "Volstead Act", com veto do presidente Woodrow Wilson derrubado no Congresso.
A Lei Seca americana, pela transformação moralista-cultural tentada, transformou os EUA num Shangrilá para desfrute do crime organizado e dos seus chefões.
Pacheco na contramão da história
Rodrigo Pacheco não deu bola ao fracasso global do proibicionismo. Pior! Colocou o Brasil, em face da PEC, num processo involutivo, ou seja, atuou na contramão da história.
Por enquanto, o crime organizado esfrega as mãos. Caso a PEC seja aprovada na Câmara e promulgada pelo Congresso Nacional, o crime organizado, pelos lucros futuros, alcançará o êxtase e, certamente, agradecerá o conservadorismo tacanho do presidente do Senado.
Na fúria proibicionista, Pacheco não poupou nem os usuários de maconha, considerada droga leve. Como informam os pesquisadores, a maconha nunca causou morte por overdose. Para se chegar à dose mortal, seria necessário fumar 4 kg da erva, ininterruptamente, segundo os especialistas.
Porre proibicionista nos EUA
À época da Lei Seca, jamais se bebeu tanto álcool nos Estados Unidos.
Nunca se corromperam tantas autoridades em razão desse proibicionismo. Como revelou o gangster Al Capone, a grana fruto do proibicionismo foi tanta a ponto de ele ter conseguido, pela corrupção, manter a polícia nas mãos. "I own the police" ("Eu sou o dono da polícia"), bradava Capone.
O descalabro provocado pela Lei Seca foi tamanho que se descobriu até autorização para venda da bebida alcoólica gim para finalidade terapêutica. E o gim terapêutico era vendido à vontade nos EUA pelo clã dos Kennedy, que fez fortuna.
Não bastasse, a Cosa Nostra americana utilizou-se da técnica da lavagem do dinheiro obtido com o álcool. Teve até reciclagem dos capitais em atividades formalmente lícitas, como compras de fazendas para exploração de pecuária.
Pacheco, o Vosltead brasileiro
Volstead era um republicano conservador, ideologicamente de ultradireita.
Pacheco também é senador, mas brasileiro e por Minas Gerais. Já quis ser ministro do STF, mas adiou a pretensão. Pelo jeito, prefere antes sair candidato a governador do seu estado natal.
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Quero receberCom base no populismo, Pacheco agarrou-se à bandeira do proibicionismo do consumo de drogas, com cadeia aos usuários.
Numa comparação, muda-se o álcool, agora droga lícita, por outras proibidas; mas, na essência, o mesmo tipo de política legislativa proibicionista do tempo da Lei Seca nos EUA.
Tem mais, e Pacheco não se atentou a isso. No século passado, faliu a política norte-americana do "war on drugs", com o seu clássico truísmo "sem consumo não haverá tráfico" e também com a criminalização com cadeia aos consumidores. "War on drugs" foi criada pelo presidente Richard Nixon e tornada sem fronteiras por Ronald Reagan e pelas convenções da ONU.
O presidente do Senado, caso aprovada e promulgada a proibicionista PEC 45/2023, será o redivivo Andrew Volstead. Ou melhor, o Volstead brasileiro.
Proibição aumentará lucro de criminosos
O crime organizado, cuja única ideologia é o lucro, entrará em êxtase graças à PEC "bombada" por Pacheco. O Brasil correrá o risco de virar um narcoestado, diante do proibicionismo que favorece o crime organizado e a sua expansão.
Aliás, Pacheco moveu céu e terra para a aprovação dessa PEC. O objetivo é proibir, com pena de privação da liberdade (prisão), o porte e a posse de quaisquer drogas, independentemente da quantidade.
Conservadorismo burro
Infelizmente, Pacheco não teve o cuidado de examinar o resultado catastrófico do proibicionismo, que causou aumentos de oferta e demanda.
Uma radiografia recente mostra que o mercado das drogas proibidas movimenta cerca de US$ 322 bilhões —montante superior a 90% do PIB de 200 países.
O crime organizado transnacional que explora o mercado das drogas proibidas ocuparia a 18ª posição no ranking do PIB .
Pacheco também não lembrou de verificar os dados planetários de consumo. Hoje, 5% da população mundial usa drogas proibidas.
Não observou que, dos cerca de 200 milhões de usuários, cerca de 110 milhões usam drogas proibidas mensalmente. E temos 22 milhões de toxicodependentes.
O Brasil, embora lentamente, progrediu em termos legislativos. O grande salto de qualidade viria pela construção jurisprudencial em construção no STF. Mas Pacheco atropelou o STF e produziu um resultado Frankenstein que a Câmara poderá chancelar.
É crime, mas sem cadeia: no progresso legislativo brasileiro da política referente a drogas ilícitas, o crime de porte ou posse de drogas, para uso próprio, lúdico e recreativo, foi despenalizado com relação à prisão.
Pacheco quer, pela PEC, a cadeia para o usuário.
A sua miopia não lhe permitiu enxergar o uso de droga proibida como problema de saúde pública, e não criminal. Se percebesse, partiria, dado o seu viés proibicionista, para sanções administrativas, não criminais.
Pacheco x STF
O STF decidirá sobre a descriminalização da maconha. O Supremo analisa, em sessão suspensa, a inconstitucionalidade de artigo da lei de drogas referente ao usuário.
Os debates e votos apontam para uma acertada tendência, pela maioria dos ministros, em entender como inconstitucional a criminalização da posse para uso lúdico e recreativo.
O STF também discute a fundamental fixação de critério objetivo, com base na quantidade, para a distinção entre traficante e usuário.
Pacheco comandou a reação contra o STF. Esbravejou ao sustentar que se trata de questão da competência do Legislativo. Aí, partiu para o proibicionismo.
A aprovação da PEC no Senado representou atraso. Volta-se à pena de privação de liberdade ao usuário, que terá convívio, nas prisões sob domínio do crime organizado, com traficantes.
Os cartéis pelo mundo
A Lei Seca gerou a Cosa Nostra americana. Seu chefão, Lucky Luciano (no registro civil siciliano de nascimento, Salvatore Lucania) ganhou tanto dinheiro que deixou o pobre gueto da Little Italy. Trocou pela suntuosa cobertura do último andar do hotel Waldorf Astoria, à época o mais caro do mundo.
Luciano promovia festas para políticos e juízes. As animações ficavam por conta de bandas e orquestras. Algumas vezes, e por ligações mafiosas, a "canja" era dada por um "crooner" até então desconhecido e chamado Frank Sinatra.
Na Colômbia, os cartéis de drogas ilícitas enfrentaram o Estado nacional. Ficaram potentes e poderosos com o proibicionismo. Pablo Escobar restou mundialmente conhecido.
No México, os cartéis promovem violência e controle de territórios.
Esperança no Brasil
A PEC do Pacheco está na Câmara. Espera-se que deputados pensem nos resultados do proibicionismo e não encarem o julgamento no STF, que foi provocado para exame de constitucionalidade, como invasão de competência legislativa.
Caso aprovem —e PEC não vai a sanção presidencial—, poderão ter outra surpresa. Como ensinam os constitucionalistas europeus, uma norma constitucional decorrente de emenda pode ferir o sistema e, portanto, ser declarada inconstitucional. E isso o STF poderá fazer, se for provocado no futuro.
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